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ToggleO Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) acordou com a direita do independentismo catalão, representada pelo Junts per Catalunya (JxCat), a redistribuição de cerca de 4.400 menores estrangeiros não acompanhados (Menas), em sua maioria de origem marroquina, atualmente concentrados na Ilha do Ferro, no arquipélago das Canárias, e em Ceuta.
O pacto gerou intensa polêmica. A direita e a extrema direita advertiram que, assim como no caso da Comunidade de Madri, presidida pela direitista Isabel Díaz Ayuso, recorrerão à Justiça para impedir a medida.
As Ilhas Canárias reivindicam há mais de um ano a solução para um problema que se agrava diariamente: a situação dos mais de 4 mil menores que vivem em centros de acolhimento superlotados e sem equipe suficiente para atendê-los. A maioria deles é originária do sul da África Subsaariana em muitos chegaram à Espanha após uma longa travessia pelo mar, na qual perderam seus familiares e ficaram órfãos.
O governo das Canárias, presidido por Fernando Clavijo, do partido nacionalista Coalizão Canária, tem exigido nos últimos meses uma solução, especialmente diante da recusa das comunidades autônomas governadas pelo Partido Popular (PP) — que são maioria no país, controlando 12 das 17 regiões — em acolher os menores. A redistribuição será realizada nos próximos dias, assim que a nova lei for publicada no Boletim Oficial do Estado.
O PSOE e o JxCat anunciaram um acordo no qual Madri e Andaluzia receberão a maior parte dos menores, 806 e 796, respectivamente, enquanto a Catalunha assumirá a tutela de 26 e o País Basco, de 100 — o trato praticamente exclui a Catalunha da distribuição pois, nos últimos anos, já recebeu um grande número de menores migrantes. O restante será distribuído entre outras regiões. A decisão gerou críticas, pois foi tomada por meio de um acordo entre dois partidos políticos e implementada via decreto-lei.
Atualmente, a Espanha abriga 16.163 menores estrangeiros não acompanhados. O critério para sua redistribuição, segundo o acordo do governo com o independentismo catalão, levará em conta o número de menores já acolhidos por cada região, a renda bruta per capita, a taxa de desemprego e os gastos com atendimento a crianças e adolescentes migrantes.
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O ministro da Política Territorial e ex-presidente das Canárias, Ángel Víctor Torres, apelou à “solidariedade equitativa” para defender o acordo. “Estamos diante de um marco na defesa dos direitos humanos, na defesa do interesse superior da criança”, afirmou.
Um peso para todos
A reação da direita e da extrema direita espanhola foi feroz. Seus líderes anunciaram que farão tudo o que for possível para impedir a redistribuição dos menores.
A presidente da Comunidade de Madri, Isabel Díaz Ayuso, advertiu que recorrerá à Justiça e levará o caso à União Europeia. Segundo ela, “a política migratória de Pedro Sánchez [presidente do governo espanhol] é um peso para todos: para a Espanha, para a Europa e para os próprios migrantes, que acabam nas mãos das máfias”.
A ministra da Saúde, Mónica García, acusou Ayuso de racismo e xenofobia. “Se rendeu à ultradireita e à internacional reacionária. Disse que vai amontoá-los como já faz em um centro de Fuenlabrada, como uma espécie de castigo”, afirmou.

Reação da direita
A extrema direita do Vox, que sustenta vários governos autonômicos do Partido Popular (PP), como os de Valência e Aragão, afirmou que os menores estrangeiros não tutelados (Menas) “devem estar no Marrocos, em seus lares, com seus pais”. A legenda também instou as administrações autônomas a não respeitarem a lei e a ignorarem o plano estabelecido pelo presidente da Espanha.
O porta-voz do Vox no Congresso de Castilla-La Mancha, Iván Sánchez, afirmou: “Nós não queremos menas em nenhum lugar. Quanto mais o PSOE insistir em espalhar insegurança e aumentar o efeito chamado da imigração em massa, mais alto e claro diremos: não queremos menas em Bilbao, em Barcelona, em Valência, nem em nenhum outro lugar da Espanha. O Marrocos é onde devem estar, com seus pais, em seus lares”.
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O acordo também gerou críticas dentro do próprio PSOE. O presidente de Castilla-La Mancha, Emiliano García Page, declarou: “O governo não tem uma política migratória, e está claro que tudo são apenas remendos feitos às pressas”.
“Parece que às vezes se esquecem de que são progressistas. Portanto, não aceitarei lições de solidariedade nem daqueles que pactuam com o Vox, ou seja, com a extrema direita, nem dos que fazem acordos com a extrema-direita independentista e com um supremacista identitário como [Carles] Puigdemont e suas proclamações de ódio”, acrescentou.
Por sua vez, o presidente da Generalitat da Catalunha, Salvador Illa, afirmou: “O que não é progressista nem humano é manter 4.400 jovens desacompanhados em más condições. A Catalunha assumirá sua parte, sendo leal e corresponsável”.
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Nem mesmo oferecer abrigo é suficiente
Diversas organizações expressaram “preocupação” com a politização do tema. O diretor da Plataforma da Infância, Ricardo Ibarra, declarou: “Desde as organizações que atuam na área da infância, avaliamos positivamente o fato de que medidas políticas estejam sendo tomadas para solucionar a situação de desamparo enfrentada por meninas e meninos que chegam à Espanha sem suas famílias, especialmente em territórios como Canárias, Ceuta e Melilla”.
Ele acrescentou que teme que este “Real Decreto-Lei não seja suficiente para garantir uma acolhida digna e respeitosa aos direitos das crianças”.
“Regular, por meio de um decreto-lei, questões que afetam a proteção de crianças em situação de desamparo e os direitos fundamentais de meninos, meninas e adolescentes gera enormes dúvidas entre os juristas quanto à sua compatibilidade com o sistema constitucional. Embora pareça uma solução para o atual momento de impasse, não é a medida mais adequada, pois abre um precedente perigoso para a garantia dos direitos fundamentais”, sublinhou.
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