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ToggleUm decreto presidencial de Jair Bolsonaro fechou sete embaixadas brasileiras em países da África e do Caribe no começo do ano. Para o ex-ministro de Relações Exteriores do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010) Celso Amorim, “há um elemento racista muito forte nesses cortes”, como afirmou recentemente à Diálogos do Sul.
A declaração de Amorim foi exarada em entrevista realizada por meio da parceria firmada entre a Diálogos do Sul e o Laboratório de Pesquisa e Práticas de Ensino em História (LPPE) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e o Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS), vinculado ao Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A entrevista contou com a participação das pesquisadoras Beatriz Bissio, Ângela Roberti e Jacqueline Ventapane e do jornalista e editor chefe da Diálogos do Sul, Paulo Cannabrava Filho.
Todas as sete embaixadas que tiveram o serviço diplomático encerrado neste ano foram criadas em setembro de 2008, quando Amorim estava à frente do Itamaraty.
No continente africano, foram fechadas as representações de Freetown, em Serra Leoa, e Monróvia, na Libéria, que foram deslocadas para a embaixada em Acra, Gana.
Já no Caribe, a embaixada de Bridgetown, em Barbados, passou a acumular as representações de Saint George's, Granada; Roseau, Dominica; Basseterre, São Cristóvão e Névis; Kingstown, em São Vicente e Granadinas, e Saint John, em Antígua e Barbu.
Brasil 247
O ex-ministro de Relações Exteriores do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Celso Amorim
Soft Power
O projeto de expansão da presença brasileira nessas regiões iniciou-se no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010), que buscou aumentar a influência econômica e política do país por meio de um soft power (poder brando, em tradução livre).
De acordo com Amorim, na mesma época em que foram criadas as embaixadas africanas e caribenhas, outras foram abertas, por exemplo, nos Estados Unidos, em resposta ao crescente número de brasileiros que residiam no país, mas estas não sofreram cortes. “Por exemplo, eu abri — até por reciprocidade, porque havia muito interesse — uma embaixada na Estônia [pequeno país na Europa], mas quando pensam em fechar, é na África, é no Caribe”, afirmou o ex-chanceler.
Ele avalia que “há duas etapas nessa mudança [de política externa]. Depois do golpe, no governo [Michel] Temer, havia um falso pragmatismo e a ideia de que a África não era importante e de que era preciso economizar o dinheiro do Itamaraty. Mas eles não fecharam as [representações]. O governo Bolsonaro é que está realmente fazendo isso”.
Amorim — que também foi Ministro da Defesa no governo de Dilma Rousseff e embaixador — defende que a presença dessas embaixadas é de interesse brasileiro e dos países africanos não apenas por fatores econômicos, mas também simbólicos. “O sentido da atuação brasileira [na África] era também de pacificação e de uma presença política desejada pelos países daquele continente”.
O ex-ministro também enfatizou que o trabalho com representações internacionais traz frutos, porém demanda tempo e esforços, o que deve ser considerado:
“É claro que isso tudo requer um esforço e é preciso empenho porque os resultados não aparecem na hora. A nossa embaixada em Lusaka, em Zâmbia, foi fechada no governo Fernando Henrique porque não rendia. Nós voltamos lá e uma das maiores explorações de cobre da [empresa] Vale acontece hoje nesse país. Essas coisas levam tempo para se materializar.”
Outro ponto levantado é que o processo de criação de embaixadas envolvia também a capacitação de profissionais para atuarem nesses locais. “No governo Lula, isso era acompanhado de uma política afirmativa que tinha vários tipos de incentivos para os jovens diplomatas irem para África e muitos foram”, relata.
Além dos impactos políticos e econômicos que podem advir dessa nova diretriz racista de política externa, Amorim receia também perdas simbólicas para o Brasil. “Fico extremamente preocupado, porque o que está acontecendo agora vai dificultar, vai criar um déficit de credibilidade que nós vamos levar muito tempo para recuperar”, lamenta.
Assista à entrevista na íntegra:
Gabriela Beraldo é Jornalista e pesquisadora, mestranda do Programa de Integração da América Latina (Prolam) da USP e colaboradora da Revista Diálogos do Sul
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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