Pesquisar
Pesquisar

Feminicídio: Principal criminoso é o Estado com políticas que negam direitos às mulheres

Sem leis que castiguem quem violenta as mulheres em todas as suas formas, a violência de gênero continuará
Ilka Oliva Corado
Diálogos do Sul Global
Território dos EUA

Tradução:

É política de Estado em sociedade com governos neoliberais a violência contra a mulher e as massas empobrecidas e exploradas. Antes do braço armado está o recurso da religião que manipula emocionalmente os excluídos, mas que violenta duplamente as mulheres por seu gênero. Em nome da fé, amparados por religiões misóginas, muitos homens exercem a violência de gênero a tal grau que chega ao feminicídio. Isso não é novo, não estamos descobrindo a água com açúcar. Mas um estado ausente, infestado de corrupção, onde se propaga o machismo, a misoginia, a homofobia e se alimenta sistematicamente o patriarcado, é responsável da violência de gênero e todo o seu contexto.

Sem leis que castiguem quem violenta as mulheres em todas as suas formas, a violência de gênero continuará. E o principal criminoso é o Estado que com suas políticas nega o direito ao aborto, seguido de um planejamento minucioso de empobrecimento dos setores mais explorados. Negar o acesso à educação às meninas dos setores mais vulneráveis. Obrigá-las a parir manipulando a população com a ideia de que o aborto é um assassinato castigado por Deus, em lugar de informá-las sobre seus direitos, sem imiscuir-se em seus corpos. O aborto é um direito negado por Estados repressivos onde governam principalmente homens machistas que o utilizam como arma de castigo contra as mulheres por seu gênero. Mas se uma filha deles engravidar, a mandam abortar na melhor clínica do país ou no exterior e o mesmo acontece com as cúpulas da oligarquia.

Meninas sem acesso à educação, sem alimentação sadia, sem acesso a um sistema de saúde, vivendo em casas que não contam com a segurança mínima, em entornos violentos, sistematicamente orquestrados desde o Estado, são meninas que jamais terão um desenvolvimento integral e por isso tampouco serão mulheres realizadas, pessoal ou profissionalmente. O comum será vê-las sendo mães desde a adolescência por um abuso sexual, porque foi vítima do amor romântico tão patriarcal, ou porque foi casada à força, tudo mas menos uma pessoa feliz e realizada. Nenhuma mulher pode ser feliz nessas condições.

Sem leis que castiguem quem violenta as mulheres em todas as suas formas, a violência de gênero continuará

Instituto Patricia Galvão
Serão as mulheres as que mudem as políticas de Estados que alimentam sistematicamente a violência de gênero

Como pode ser feliz uma menina com uma mãe que trabalha 16 horas em uma máquina, em uma fábrica, limpando um edifício, um hospital, queimando-se a vida em campos de cultivo? Uma mãe que sai de madrugada e regressa a altas horas da noite à qual lhe tiram a oportunidade de partilhar com seus filhos, de vê-los crescer, de abraçá-los, de repartir tempo de ócio com eles. Se ela mesma não teve nada disso, nessa corrente de abuso sistemático que é política de Estado.

Atitudes e ações de abuso contra a mulher se contam por milhares, não é preciso chegar aos golpes para que se conte como abuso, existe também o abuso emocional que prejudica da mesma forma. Mas em nossas sociedades a violência exercida desde o Estado nestas pós ditaduras também fez com que os homens abusem de meninas, adolescentes e mulheres em entornos familiares porque sabem principalmente que a vergonha é uma boa aliada e com tal de que da porta para fora não fiquem sabendo, eles podem fazer o que quiserem da porta para dentro. Porque segue sendo conselho sacerdotal ou do pastor da igreja, perdoar, guardar silêncio, manter a família unida à custa dos delitos que devem ser pagos com prisão, mas que se são exercidos contra uma mulher bem podem ser perdoados por Deus.

Assim é como vemos o aumento impressionante de abusos sexuais contra meninas por seus pais, avós, irmãos, primos; adolescentes grávidas abusadas dentro do próprio lar. Sabem que não existe lei que os castigue porque as políticas de Estado são as de repressão e violência contra a população. As do empobrecimento e exploração no trabalho porque quanto mais trabalhe, quanto mais cansada esteja uma pessoa, quando mais fome, menos força, menos tempo e energia para pensar; porque sem educação desconhecem seus direitos e se isso se emprega propositalmente por gênero é muito mais benéfico para um governo corrupto e criminoso ter meninas mães e infelizes que adolescentes a caminho da educação superior e seu desenvolvimento profissional. Sendo mães são incapazes de questionar por que a pobreza as obriga a buscar a comida a qualquer hora para seus filhos; em troca, se se desenvolvem profissionalmente têm acesso a outro nível de vida e exigem seus direitos e são questionadoras às políticas dos Estado.

Chegamos, como sociedade, a ultrapassar todos os limites, porque os ultrapassou também o Estado, e é por isso que um feminicídio não causa espanto, nem assombro, nem indignação, porque também deixou de surpreender que aterrizem aviões carregados de droga e que os queimem depois sem que se encontre os responsáveis. Porque deixou de surpreender que a própria polícia ou o exército custodiem os carregamentos. Porque deixou de surpreender que os próprios membros das forças de segurança sejam os que violem mulheres e não sejam castigados. Então diz um civil: se eles com uniforme violam porque não posso fazer eu com qualquer mulher, seja do meu entorno familiar ou não. Se o próprio presidente vê que matam mulheres e não se pronuncia é porque não lhe interessa, então qualquer um sabe que pode violentar a mulher que queira e não terá consequências.

Um crime desde o Estado é negar alimentação, saúde e educação às meninas, mas também é virar as costas quando as violentam por seu gênero, as golpeiam, as violam, as engravidam, as desaparecem e as assassinam. Quando sucede o mesmo com adolescentes e mulheres. Mas se um Estado não se pronuncia, esse governo deve ser trocado de imediato pela sociedade, então é o povo que deve reagir e levar ao poder gente capaz que entenda que é desde o Estado que se devem exercer as políticas que modifiquem a violência sistemática contra a mulher. Mas, que sociedade está disposta a fazer isso? Contra a violência de gênero vemos, no nível mundial, que são majoritariamente as mulheres que se pronunciam, porque os homens, sejam de que ideologia forem, são os mais beneficiados com a inexistência de leis que castiguem semelhante delito e aberração.

Pois serão as mulheres as que mudem as políticas de Estados que alimentam sistematicamente a violência de gênero.

Ilka Oliva Corado, Colaboradora de Diálogos do Sul de território estadunidense

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

   

Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Ilka Oliva Corado Nasceu em Comapa, Jutiapa, Guatemala. É imigrante indocumentada em Chicago com mestrado em discriminação e racismo, é escritora e poetisa

LEIA tAMBÉM

Repressão transnacional dos EUA contra o jornalismo não pode virar regra, aponta Assange
Repressão dos EUA contra jornalismo global não pode virar regra, aponta Assange
Estupro foi “arma de guerra” pró EUA e Israel para exterminar maias na Guatemala (3)
Estupro foi “arma de guerra” pró EUA e Israel para exterminar maias na Guatemala
Educação na mira estudantes, professores e escolas sofrem 6 mil ataques em 2 anos no mundo
Educação na mira: estudantes, professores e escolas sofrem 6 mil ataques em 2 anos no mundo
eighty-four-haitian-migrants-on-a-42-foot-vessel-65629e-1024
Frei Betto | FMI, emergência climática e o cerco aos refugiados na Europa e nos EUA