Pesquisar
Pesquisar

Fim da era reformista: Lista para concorrer à presidência do Irã tem ex-presidentes cortados e nenhuma mulher na disputa

O Ministério do Interior do Irã divulgou lista final dos candidatos aprovados pelos 12 membros do Conselho para concorrer à presidência
Pepe Escobar
Paris

Tradução:

Quando o Ministério do Interior do Irã distribuiu na 3ª-feira a lista final dos candidatos aprovados pelos 12 membros do Conselho dos Guardiães para concorrer à presidência nas eleições de 18 de junho próximo, o inferno desabou sobre Teerã e lá permaneceu por no mínimo 24 horas.

Uma lista “não oficial” de sete candidatos à eleição presidencial já circulava e já causava agitação, mas ainda não confirmada.

Muita gente importante foi cortada da lista. O ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad fica de fora. E também Ali Larijani – ex-presidente do Parlamento; e até mesmo o atual vice-presidente do Irã Es’haq Jahangiri, que seria o principal reformista a concorrer.

O Ministério do Interior do Irã divulgou  lista final dos candidatos aprovados pelos 12 membros do Conselho para concorrer à presidência

Reprodução: Winkiemedia
Mahmoud Ahmadinejad presidente do Irã

A agência de notícias Fars trouxe a matéria na 2ª-feira, anunciando os sete definitivos. Acertaram em tudo – da eliminação de Ahmadinejad, Larijani e Jahangiri, ao fato de que a lista de candidatos aprovados não inclui mulheres.

Fars é muito próxima do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica, CGRI (ing. CGRI). Assim sendo, o que aconteceu faz perfeito sentido. Inclusive os rumores que correm por toda Teerã, segundo os quais o presidente Rouhani teria entrado em modo pânico, e pedido ao Aiatolá Khamenei que revisasse a lista.

No pé em que estão as coisas, os 7 Homens e um Destino[1] que concorrerão são Ebrahim Raeisi, Saeed Jalili, Mohsen Rezaei, Alireza Zakani, Seyyed Amir-Hossein, Ghazizadeh-Hashemi, Albdolnasser Hemmati e Mohsen Mehr-Alizadeh.

O indiscutível líder do pacote é Raeisi, presidente do Judiciário desde 2019. Tecnicamente é principista – conservador da Revolução Islâmica, em termos iranianos – mas diz que concorrerá como independente. Pode-se definir como homem de linha-soft.

Dentre os demais, o único relativamente conhecido for a do Irã é Jalili, também principista, e ex-principal, pelo menos em tese, restam dois reformistas: Mehr-Alizadeh e Hemmati, atual presidente do Banco Central. Mas não têm nenhum apelo nacional.

Assim sendo, parece agora que Raeisi seja já favas praticamente contadas: burocrata relativamente sem cara, sem perfil de linha-dura pró Corpo dos Guardas da Revolução Islâmica, bem conhecido por sua luta contra a corrupção e atenção aos pobres e desamparados. Em política externa, o fato crucial é que muito provavelmente acompanhará todas as decisões cruciais do CGRI.

Raeisi já anda espalhando que “negociou em silêncio” para assegurar que mais candidatos fossem aprovados, “para que o cenário eleitoral fosse mais participativo e mais competitivo”. Problema é que nenhum candidato tem poder para modificar as decisões nada transparentes do Conselho de Guardiães, de 12 membros, todos clérigos: só o Aiatolá Khamenei.

O Conselho de Guardiães afirmou, sem maiores explicações, que só 40, dos 592 candidatos apresentaram ao quartel-general do Ministério do Interior para eleições, “todos os documentos exigidos”. Nenhuma explicação sobre o conteúdo desses “documentos”.

Abbas-Ali Kadkhodaee, porta-voz do Conselho, descartou quaisquer politicagens: as decisões foram tomadas a partir da “lei eleitoral”. Assim sendo, ninguém pode contestá-las – exceto Khamenei. O porta-voz destacou que o Conselho “não foi informado” sobre qualquer ação do Líder”.

Fim da era reformista

O vice-presidente Jahangiri, que seria o candidato reformista padrão, não deixou barato: em declaração vigorosa, disse que “claro que a responsabilidade por essa decisão cabe toda ao Conselho, pelo fundamento legal e pelas consequências políticas e sociais que dela advenham.”

Mais relevante para o establishment em Teerã, destacou “séria ameaça” ao sistema: “Espero que o aspecto republicano do establishment, a efetiva participação do povo na determinação do próprio destino, dos interesses nacionais e do futuro do Irã, não seja sacrificado a circunstâncias políticas imediatistas.”

Conselheiros do ex-presidente Ahmadinejad – ainda extremamente popular no país – disseram-me que ainda estão avaliando as próprias opções: “É enorme desapontamento, mas esperado. Enorme erro, que levará o povo comum à raiva e à desconfiança; e talvez tenha desdobramentos importantes.”

O Professor Mohammad Marandi da Universidade de Teerã observou que “ainda resta alguma incerteza quanto aos candidatos.” Não fez ainda qualquer avaliação completa, porque não tem certeza de que principalmente o veto a Larijani “venha a ser a posição final”.

Ainda que aqueles Sete Homens e um Destino estejam agora livres para iniciar as respectivas campanhas eleitorais, o sentimento geral é que a era Rouhani-Zarif parece acabada, não numa explosão, mas numa lamúria.

Nas negociações do ‘acordo nuclear iraniano’ (Joint Comprehensive Plan of Action, JCPOA; Plano Abrangente de Ação Conjunta) em Viena, o vice-ministro de Relações Exteriores do Irã Abbas Araghchi continua realista, destacando que “Não estou confiante de que seja possível concluir as negociações, mas ainda resta uma possibilidade.” Para isso, “exigem-se decisões políticas” – referência direta a Washington.

Todos em Viena sabem que o que está acordado até aqui, no renascimento do ‘acordo nuclear iraniano’, sempre foi a parte fácil. Problema real são as centenas de sanções que permanecem e que só podem ser canceladas pelo Congresso dos EUA, o que de modo algum acontecerá.

Além disso, os norte-americanos continuam a insistir que Teerã teria antes de reassumir os compromissos nucleares que o país cancelou – nos estritos termos do definido no artigo 26 do próprio acordo, que dispõe sobre direitos legais de retaliação. A linha vermelha de Teerã é bem clara: quem rompeu o JCPOA foi Washington; é dever dos EUA, portanto, remover antes todas as sanções, “na prática e de modo que possa ser verificado”.

Teerã reiterou várias e várias vezes que no final de maio deixará Viena, se não houver acordo. O Corpo de Guardas da Revolução Islâmica não poderia estar menos preocupado: já vive em modo pós-JCPOA. Focado no acordo estratégico Irã-China. Focado na integração da Eurásia expandida, com Rússia e China. E contando com o candidato mais bem posicionado para se tornar o próximo presidente do Irã. *******

** Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na Tv Diálogos do Sul

 

Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Pepe Escobar Pepe Escobar é um jornalista investigativo independente brasileiro, especialista em análises geopolíticas e Oriente Médio.

LEIA tAMBÉM

1 ano de barbárie em Gaza
Gaza: Ano 1 da barbárie
O Genocídio Será Televisionado”
“O Genocídio Será Televisionado”: Diálogos do Sul Global lança e-book sobre guerra em Gaza
Tomada de Vuhledar pela Rússia “é uma séria derrota para a Ucrânia”
Tomada de Vuhledar é "grande triunfo para Rússia" e "séria derrota para Ucrânia"
As crises globais, a construção de um novo multilateralismo e o esgotamento da ONU
As crises globais, a construção de um novo multilateralismo e o papel da ONU