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Fogo, estupros, genocídio: crimes dos EUA nas Filipinas jamais podem ser esquecidos

Segundo o historiador filipino E. San Juan Jr., o Estado estadunidense até hoje não reconhece o massacre que operou, um saldo de 1,4 milhões de mortos
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
Florianópolis (SC)

Tradução:

O escritor inglês D.W. Lawrence expressou em 1930 que “a consciência deliberada de americanos tão loiros e de fala tão mansa encobre, por baixo, uma consciência diabólica”.

“Destrua! Destrua! Murmura a consciência profunda. Repete a consciência aparente: Ame e produza! Ame e produza! E o mundo só ouve esse grasnido. Recusa-se a ouvir o murmúrio subjacente da destruição. Até o momento em que é obrigado a ouvir”.

“O norte-americano precisa destruir. É o seu destino! ”

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O primeiro massacre praticado por aqueles homens e mulheres “tão loiros e de fala tão mansa” foi contra os antigos povos que residiam nas Américas, os “peles vermelhas”.

O segundo grande genocídio ocorreu longe da América, no Arquipélago das Filipinas.

Desde meados do século XIX os EUA desejavam se apossar do que restara do império espanhol: Filipinas, Havaí e Cuba.

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Em 1898, após um agravamento das relações diplomáticas entre os dois países, um navio de guerra dos EUA explodiu no porto de Havana. Os EUA acusaram a Espanha de sabotagem e iniciaram a Guerra Hispano – Americana de 1898, que resultou na rápida derrota da Espanha.

Como o governo dos EUA prometera a independência para a população das províncias cobiçadas, cubanos e filipinos haviam-se UNIDO ao esforço de guerra americano. Afinal o presidente William McKinley declarara publicamente que se os EUA passassem à anexação das Filipinas, descumprindo as promessas e acordos feitos com o povo filipino, isso “seria, de acordo com o nosso código moral, uma agressão criminosa”.

Segundo o historiador filipino E. San Juan Jr., o Estado estadunidense até hoje não reconhece o massacre que operou, um saldo de 1,4 milhões de mortos

Wikipédia
Somente em 1946, os Estados Unidos da América reconheceram a independência de sua ex-colônia

Agressão covarde e criminosa

Foi exatamente a agressão covarde e criminosa que ocorreu. Depois da derrota da Espanha, os Estados Unidos invadiram as Filipinas, com o objetivo de tornarem-na colônia de exploração agrícola. E estarem a um passo da China!

McKinley explicou, então, ao mundo:  “Os filipinos são incapazes de se autogovernarem”. Não contente ainda acrescentou messianicamente: “Deus lhe tinha dito que Os Estados Unidos da América não poderiam fazer nada melhor que educar e cristianizá-los”.

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Os filipinos, assim que os derrotados espanhóis abandonaram o arquipélago, haviam declarado sua própria independência, em junho de 1898. Em janeiro de 1899, Emílio Aguinaldo foi eleito e empossado como o primeiro Presidente da República. Tratou de organizar um congresso e elaborar uma constituição democrática, nos mesmos moldes da americana.

Mas, o nascente imperialismo americano tinha outros objetivos. Em fins de 1898, um exército composto por 11 000 soldados americanos foi enviado para ocupar as ilhas. Posteriormente, mais 8 000 soldados se incorporariam à tropa de extermínio.

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Contra um armamento escasso e antiquado obtido na fuga dos espanhóis, os USA traziam suas metralhadoras devastadoras, canhões e rifles de repetição. Mas tanto o governo eleito quanto seu povo resistiram heroicamente.

Queda de Manilha

A única cidade da ilha que caiu rapidamente sob controle das tropas invasoras foi Manilha. O presidente dos EUA, William McKinley, disse mais tarde aos jornalistas “que os insurgentes atacaram Manilha”, a fim de justificar a violência sem medidas que suas tropas utilizariam.

Em março de 1900, Emilio Aguinaldo, o presidente das Filipinas, foi capturado pelas forças invasoras e feito prisioneiro de guerra. Em junho, Galicano Aplacible, o primeiro embaixador das Filipinas nos EUA, que havia fugido para o Canadá no ano anterior, escreveu uma carta apaixonada ao povo dos EUA, implorando-lhe para que o massacre contra o seu país cessasse.

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Pese o terror imposto na cidade, a luta de guerrilha no campo continuou. Entretanto, em setembro de 1903, sofreu um forte golpe quando Ola Simão, um dos chefes resistentes, foi capturado, morto e esquartejado e seu cadáver exposto em via pública para ser devorado pelos corvos.

Estando o presidente Aguinaldo prisioneiro, Macário Sacay, o vice-presidente, assumiu a liderança dos filipinos. Foi convidado para uma conferência de paz com o comando dos invasores. Era apenas uma armadilha. Feito prisioneiro, foi enforcado pelos americanos em 1907.

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Para destruir a guerrilha e a resistência campesina-muçulmana, os EUA decidem-se pela destruição em massa do povo filipino: destroem cidades e vilas com incêndios propositais; atua-se para quebrar o moral do povo, realizando estupros em massa, onde as filipinas jovens eram postas em fila e estupradas coletivamente pelas tropas.

Tortura e fuzilamentos

Os fuzilamentos e a tortura generalizaram-se. “Cadáveres de camponeses assassinados e colocados por empilhadeiras em valas comuns.”

A mesma tática de remoção da população das áreas de guerrilha, que foi posteriormente utilizada no Vietnã, teve sua “avant première”: centenas de milhares de aldeões foram removidos para áreas ermas sem quaisquer condições de plantio, vindo a morrer de fome. Outras pessoas foram vítimas da política de concentração de civis em “zonas protegidas” – um eufemismo para trancafiá-las em campos de concentração, que nada deixariam a desejar em relação aos nazistas, quarenta anos após. O comandante de um dos campos chamou-o de “subúrbio do inferno”.

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Na província de Batangas, o General Franklin Bell ordenou, em 25 de dezembro de 1901, que toda a população de duas províncias inteiras das Filipinas, Batangas e Laguna, fossem presas em campos de concentração.

Tudo o que não pudessem carregar com o corpo deveria ficar para trás, incluindo casas, roças, sementes para o plantio e o sustento de suas famílias. Todos os pertences deixados para trás foram queimados pelo Exército dos EUA. Todo aquele morador que estivesse fora dos campos de concentração deveria ser executado de imediato.

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Em novembro de 1901, o correspondente em Manila do “Philadelphia Ledger” relatou: “Nossos homens são implacáveis, estão exterminando homens, mulheres, crianças, prisioneiros e detidos, supostos insurgentes e suspeitos de ajudar a guerrilha, meninos de dez anos para cima; a ideia que prevalece é a de que um filipino não é melhor que um cão.”

Balas dumdum

Escrevendo em 1970, sob o título de “Nossa My Lai de 1900”, Stuart Miller registrou que:

“Em 1900, cartas de soldados a parentes descrevem com naturalidade o uso de balas dundum, o fuzilamento retaliatório de prisioneiros e a instalação de campos de concentração para civis. Em uma das cartas para a mãe, um jovem soldado relata seu prazer em abater a tiros homens, mulheres e crianças, como se fossem “coelhos em fuga”. E que, quando os filipinos conseguiam se esconder nos matos, o cães os retaliavam. O tenente Hall declarou aos jornais que o general Funston mandava fuzilar, como rotina, todo e qualquer prisioneiro”.

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Em 1908, Manuel Arellano Remondo constatou: “A população diminuiu devido à guerra. No prazo de cinco anos, a população que fora estimada em nove milhões, no presente (1908), não alcança nem oito milhões de pessoas.” Na imagem do jornal “New Yorker” vemos a inscrição: “matem todos os maiores de dez anos, uma ordem do general Jacobs”.

O historiador filipino E. San Juan Jr. afirma que a morte de 1,4 milhões de filipinos foi um ato claro e gravíssimo de genocídio, jamais reconhecido pelo Estado americano, até os dias de hoje.

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O caráter de genocídio fica claro quando se compara o número de baixas dos revoltosos filipinos com o de civis, alvo prioritário americano: enquanto 16 mil insurgentes filipinos foram torturados e mortos, assassinaram-se mais de 1 milhão de civis.

Somente em 1946, os Estados Unidos da América reconheceram a independência de sua ex-colônia. E impuseram uma governança servil a seus interesses.

Carlos Russo Junior | Colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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