Pesquisar
Pesquisar

“Foi uma decisão sofrida, cheguei ao meu limite”, diz deputado Jean Wyllys em carta

Em mensagem aos companheiros de partido, deputado eleito explica a decisão de deixar país, anunciada nesta quinta (24)
Redação Brasil de Fato
Brasil de Fato
São Paulo (SP)

Tradução:

Jean Wyllys (PSOL-RJ) explicou em carta aos colegas de partido a decisão de renunciar ao mandato como deputado federal e se exilar do país por conta de ameaças de morte, anunciada nesta quinta-feira (24).

No texto, que será lido na próxima reunião da executiva nacional do partido neste sábado (26), Wyllys afirma que “foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite”.

O parlamentar relata, na carta, que as ameaças de morte e difamação por causa da sua atuação pelos direitos humanos afetou sua rotina e de seus familiares, principalmente nos últimos três anos.

“Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime”, conta.

Levantamento feito pela revista Veja indicou que o parlamentar está na lista dos dez maiores alvos de fake news — e entre eles, o único em que todas as notícias falsas eram negativas. “São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano”, rebate o deputado.

Ele pontuou ainda o silêncio do Estado brasileiro mesmo após ser concedida uma medida cautelar pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que o deputado está sob risco iminente de morte.

O deputado também cita o assassinato de sua companheira de partido, Marielle Franco, no ano passado, como outro motivo para a desistência da vaga na Congresso. 

“Essa decisão dolorosa e dificílima visa a preservação de minha vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs  nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança.”

Este seria o terceiro mandato do psolista na Câmara dos Deputados. Nas últimas eleições, Wyllys recebeu 24.295 votos. Ele será substituído pelo jornalista David Miranda, que se descreve como “preto, favelado e primeiro vereador LGBT do RJ, midialivrista e pela causa animal”.

Em mensagem aos companheiros de partido, deputado eleito explica a decisão de deixar país, anunciada nesta quinta (24)

Facebook
Este seria o terceiro mandato do psolista na Câmara dos Deputados

Leia a carta de Jean Wyllys na íntegra:

À Executiva do Partido Socialismo e Liberdade – PSol

Queridas companheiras e queridos companheiros,

Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.

Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.

Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.

Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.

Não deixo o cargo de maneira irrefletida. Foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está, há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos últimos três anos, notadamente no ano passado. Por conta delas, deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.

Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.

Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano. Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.

Esta semana, em que tive convicção de que não poderia – para minha saúde física e emocional e de minha família – continuar a viver de maneira precária e pela metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT. Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil.

Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs  nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país. E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer. Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.

Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.

Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.

Despeço-me de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara, mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um dia. Até um dia!

Jean Wyllys

23 de janeiro de 2019

Edição: Daniela Stefano


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Redação Brasil de Fato

LEIA tAMBÉM

Repressão transnacional dos EUA contra o jornalismo não pode virar regra, aponta Assange
Repressão dos EUA contra jornalismo global não pode virar regra, aponta Assange
Estupro foi “arma de guerra” pró EUA e Israel para exterminar maias na Guatemala (3)
Estupro foi “arma de guerra” pró EUA e Israel para exterminar maias na Guatemala
Educação na mira estudantes, professores e escolas sofrem 6 mil ataques em 2 anos no mundo
Educação na mira: estudantes, professores e escolas sofrem 6 mil ataques em 2 anos no mundo
eighty-four-haitian-migrants-on-a-42-foot-vessel-65629e-1024
Frei Betto | FMI, emergência climática e o cerco aos refugiados na Europa e nos EUA