Pesquisar
Pesquisar
Dilma Rousseff e Vladimir Putin conversam, em 6 de junho de 2024, no âmbito do Fórum de São Petersburgo (Foto: Kremlin)

Fórum de São Petersburgo: 3 sinais sobre a iminência da era multipolar

Mais de 21 mil pessoas, de pelo menos 139 nações, se reuniram para discutir as facetas do impulso para um mundo multipolar, multimodal e policêntrico
Pepe Escobar
Sputnik Mundo

Tradução:

No ano da presidência russa dos BRICS, o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF) tinha de oferecer algo especial.

E conseguiu:   mais de 21 000 pessoas representando nada menos que 139 nações – um verdadeiro microcosmo da Maioria Global, discutindo todas as facetas do impulso para um mundo multipolar, multimodal (itálico meu) e policêntrico.

São Petersburgo, para além de todo o trabalho em rede e dos negócios frenéticos – 78 mil milhões de dólares conseguidos em apenas três dias – elaborou três mensagens-chave interligadas que já estão a ter eco em toda a Maioria Global.

Mensagem número um:

O Presidente Putin, um “russo europeu” e verdadeiro filho desta deslumbrante e dinâmica maravilha histórica junto ao Neva, proferiu um discurso extremamente pormenorizado de uma hora sobre a economia russa na sessão plenária do fórum.

A principal conclusão:   enquanto o Ocidente coletivo lançava uma guerra económica total contra a Rússia, o Estado civilizacional deu a volta à situação e posicionou-se como a quarta maior economia do mundo em termos de paridade do poder de compra (PPC).

Putin mostrou como a Rússia ainda tem potencial para lançar nada menos do que nove mudanças estruturais abrangentes – globais –, um esforço total que envolve as esferas federal, regional e municipal.

Tudo está em jogo – desde o comércio global e o mercado de trabalho até às plataformas digitais, às tecnologias modernas, ao reforço das pequenas e médias empresas e à exploração do potencial fenomenal e ainda inexplorado das regiões da Rússia.

O que ficou perfeitamente claro é a forma como a Rússia conseguiu reposicionar-se para além de contornar o tsunami de sanções – ilegítimas – e estabelecer um sistema sólido e diversificado orientado para o comércio global – e completamente ligado à expansão dos BRICS. Os Estados amigos da Rússia já representam três quartos do volume de negócios comercial de Moscovo.

A ênfase de Putin no impulso acelerado da Maioria Global para reforçar a soberania estava diretamente ligada ao facto de o Ocidente coletivo fazer o seu melhor – ou melhor, o pior – para minar a confiança na sua própria infraestrutura de pagamentos.

E isso leva-nos a…

Mensagem número dois:

Esse foi, sem dúvida, o maior avanço em São Petersburgo. Putin declarou que os BRICS estão a trabalhar na sua própria infraestrutura de pagamentos, independentemente da pressão/sanções do Ocidente coletivo.

Putin teve uma reunião especial com Dilma Rousseff, presidente do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS (NDB). Falaram em pormenor sobre o desenvolvimento do banco – e sobretudo, como Dilma confirmou mais tarde, sobre A Unidade (The Unit), cujos traços foram revelados pela primeira vez em exclusivo pela Sputnik:   uma forma apolítica e transacional de pagamentos transfronteiriços, ancorada no ouro (40%) e nas moedas dos BRICS+ (60%).

Dólar em chamas

No dia seguinte ao encontro com Putin, a presidente Dilma teve uma reunião ainda mais crucial, às 10h, numa sala privada do SPIEF, com Sergey Glazyev, ministro da Macroeconomia da União Económica da Eurásia (EAEU) e membro da Academia Russa de Ciências.

Glazyev, que já havia dado total apoio acadêmico ao conceito de The Unit, explicou todos os detalhes à presidente Dilma. Ambos ficaram extremamente satisfeitos com a reunião. Dilma revelou que já tinha discutido a Unit com Putin. Ficou acordado que em setembro haverá uma conferência especial sobre a Unit no NDB em Xangai.

Isto significa que o novo sistema de pagamentos tem todas as hipóteses de estar na mesa de negociações durante a cimeira dos BRICS, em outubro, em Kazan, e de ser adotado pelos atuais BRICS 10 e, num futuro próximo, pelos BRICS+ alargados.

Passemos agora à…

Mensagem número três:

Tinha de ser, obviamente, sobre o BRICS – que todos, Putin incluído, sublinharam que será significativamente ampliado. A qualidade das sessões relacionadas com os BRICS em São Petersburgo demonstrou como a Maioria Global está agora a enfrentar uma conjuntura histórica única – com uma possibilidade real, pela primeira vez nos últimos 250 anos, de fazer tudo para uma mudança estrutural do sistema mundial.

Não se trata apenas dos BRICS

Foi confirmado em São Petersburgo que nada menos do que 59 nações – e em aumento – planeiam juntar-se não só aos BRICS, mas também à Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e à União Econômica da Eurásia (EAEU).

Não é de admirar:   estas organizações multilaterais estabeleceram-se finalmente na vanguarda do impulso para o multimodal (itálico meu) – e para citar Putin no seu discurso – “mundo multipolar harmónico”.

As principais sessões para referência futura

Tudo o que foi dito acima pôde ser seguido, em direto, durante os frenéticos dois dias e meio de sessões do fórum. Esta é uma amostra do que foi, sem dúvida, o mais interessante. As transmissões deverão ser muito úteis como referências para o futuro – até à cimeira dos BRICS em outubro e mais além.

Sobre a Rota do Mar do Norte (NSR) e a expansão do Ártico. O melhor lema da sessão: “Precisamos de quebra-gelos!” A discussão essencial para compreender como as atuais cadeias de abastecimento do comércio global já não são fiáveis e como a NSR é mais rápida, mais barata e mais fiável.

Sobre a expansão dos negócios dos BRICS.

Sobre os objetivos dos BRICS para uma verdadeira nova ordem mundial.

Sobre os 10 anos da EAEU.

Sobre a integração mais estreita entre a EAEU e a ASEAN.

A mesa redonda BRICS+ sobre o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (INSTC).

Esta sessão foi particularmente crucial. Os principais atores do INSTC são a Rússia, o Irão e a Índia – todos membros do BRICS. Os atores nas margens que beneficiarão do INSTC – do Cáucaso à Ásia Central e do Sul – já estão interessados em fazer parte do BRICS+. Igor Levitin, um conselheiro de topo de Putin, foi uma figura-chave nesta sessão.

A Parceria para a Grande Eurásia (GEP).

Esta foi uma discussão essencial sobre o que é eminentemente um projeto civilizacional – em contraste com a abordagem coletiva e excludente do Ocidente. O debate mostra como a GEP se interliga com a SCO, a EAEU e a ASEAN e sublinha a inevitável complementaridade dos transportes, da logística, da energia e da estrutura de pagamentos em toda a Eurásia. Glazyev, o Vice-Primeiro-Ministro Alexey Overchuk e a antiga Ministra dos Negócios Estrangeiros austríaca Karin Kneissl – sempre muito perspicaz – são os principais participantes. Extra – surpreendente – bónus: Adul Umari, Ministro do Trabalho em exercício no Afeganistão talibã, interagindo com os seus parceiros da Eurásia.

Sobre a filosofia da multipolaridade

Em termos conceptuais, esta sessão interage com a sessão GEP. Oferece a perspectiva de um diálogo inter-civilizacional conciso no âmbito do BRIC+. Alexander Dugin, a irreprimível Maria Zakharova e o Professor Zhang Weiwei da Universidade de Fudan estão entre os participantes.

Sobre o policentrismo. Isto envolve todas as instituições da Maioria Global: BRICS, SCO, EAEU, CIS, CSTO, CICA, União Africana, o renovado Movimento dos Não-Alinhados (NAM). Glazyev, Maria Zakharova, o senador Pushkov e Alexey Maslov – diretor do Instituto de Estudos Asiáticos e Africanos da Universidade Estatal de Moscovo – debatem a forma de construir um sistema policêntrico de relações internacionais.

Projeto Ucrânia em desgraça

Finalmente, é inevitável contrastar o ambiente – esperançoso, auspicioso – do SPIEF com o histerismo coletivo do Ocidente à medida que o Projeto Ucrânia enfrenta a desgraça. Putin deixou bem claro: a Rússia prevalecerá, aconteça o que acontecer. O Ocidente coletivo pode reavivar “a solução de Istambul”, como observou Putin, mas modificada “com base na nova realidade” no campo de batalha.

Putin também desarmou habilmente toda a paranoia nuclear pré-fabricada e sem sentido que infestava os círculos atlantistas.

No entanto, isso não será suficiente. Nos corredores apinhados do SPIEF, e em reuniões informais, havia uma consciência total do desespero belicista do Hegemon, mascarado de “defesa”. Não havia ilusões de que a atual demência que se faz passar por “política externa” está a apostar num genocídio, não só por causa do “porta-aviões” na Ásia Ocidental, mas sobretudo para submeter a Maioria Global.

Isso levantaria a séria possibilidade de a Maioria Global precisar de construir uma aliança militar para deter está – planejada – Guerra Global.

Rússia-China, claro, mais o Irão e uma dissuasão árabe credível – com o Iêmen a mostrar o caminho: tudo isto pode tornar-se uma necessidade. Uma aliança militar da Maioria Global terá de aparecer de uma forma ou de outra: ou antes da catástrofe – que se aproxima, planejada – para a atenuar; ou depois de esta ter engolido totalmente a Ásia Ocidental numa guerra monstruosa e cruel.

Sinistramente, podemos estar quase a chegar lá. Mas, pelo menos, São Petersburgo ofereceu vislumbres de esperança. Putin:   “A Rússia será o coração de um mundo multipolar harmónico”. Assim se encerra um discurso de uma hora.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Pepe Escobar Pepe Escobar é um jornalista investigativo independente brasileiro, especialista em análises geopolíticas e Oriente Médio.

LEIA tAMBÉM

Misseis Atacms “Escalada desnecessária” na Ucrânia é uma armadilha do Governo Biden para Trump
Mísseis Atacms: “Escalada desnecessária” na Ucrânia é armadilha do Governo Biden para Trump
1000 dias de Guerra na Ucrânia estratégia de esquecimento, lucros e impactos globais
1000 dias de Guerra na Ucrânia: estratégia de esquecimento, lucros e impactos globais
G20 se tornará equipe de ação ou seguir como espaço de debate
G20 vai se tornar “equipe de ação” ou seguir como “espaço de debate”?
Do Fórum Social Mundial ao G20 Social Lula reinventa participação popular global
Do Fórum Social Mundial ao G20 Social: Lula reinventa participação popular global