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Fracasso econômico: Bolsonaro e Guedes entregam o que prometeram

O economista faz parte do clube dos ricos e pensa soluções apenas para esse seleto grupo. Não existe a categoria de nação para ele
Wilson Luiz Müller
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

O fracasso da política neoliberal de Bolsonaro e Guedes é visível por todos os lados. O governo federal caminha para um completo apagão. Não consegue pagar nem novas aposentadorias, nem o bolsa família. Para disfarçar, simula filas que aumentam sem parar. Se a economia continuar estagnada, a arrecadação de tributos vai cair. O país se aproxima rapidamente  de um quadro de insolvência e paralisia. E quando a economia fracassa, o caos social se instala.

Até a recente queda abrupta da bolsa de valores, Guedes era uma unanimidade entre os analistas da mídia corporativa. Ninguém ousava criticá-lo. Depois da queda da bolsa – e da perda de alguns bilhões de reais por parte de gente influente – começaram a surgir as primeiras críticas à condução da política econômica

Mas há um problema nessas críticas. Guedes está entregando exatamente aquilo que prometeu desde que passou a ser o posto Ipiranga do Bolsonaro. O problema nem é tanto dele, mas daqueles que colocaram as suas próprias expectativas no lugar das proposições do ministro. Os discípulos de Guedes esperam que ele faça o contrário do que diz.

É o mesmo tipo de erro cometido em relação a Jair Bolsonaro. Quando Jair dizia: “não vim para construir, vim para destruir”, os analistas interpretavam: “o que ele quer dizer é que tem que destruir primeiro as coisas erradas para depois construir as coisas certas”. Agora chegaram à conclusão de que tinham falsificado as sentenças do Bolsonaro. Se o tivessem interpretado literalmente, saberiam desde sempre que ele quer destruir tudo que está aí para colocar em seu lugar uma ditadura. Foi o que ele falou a vida toda. Não tinha razão para pensar que ele faria o contrário. E não há razão para espanto agora.

Guedes faz parte do clube dos ricos e pensa soluções apenas para esse seleto grupo. Não existe a categoria de nação para ele. Soberania nacional é palavrão. É preciso dar aos ricos o livre arbítrio para poderem dispor dos recursos da natureza (riquezas) e da força de trabalho das pessoas. Tudo sem amarras e sem regulamentação estatal. É igualzinho ao seu patrão Bolsonaro, apesar de ele dizer que o patrão é Guedes. O que Guedes pensa sobre a necessidade de facilitar a vida da turma rica, Bolsonaro pensa igualzinho em relação ao seu eleitorado que ainda o segue com entusiasmo, formado por milicianos, madeireiros ilegais e fazendeiros movidos a queimadas e agrotóxicos. Tudo liberado. Burocracia só atrapalha para essa gente empreendedora tocar sua vida em frente. Dinheiro e negócios, o resto é bobagem.

O economista faz parte do clube dos ricos e pensa soluções apenas para esse seleto grupo. Não existe a categoria de nação para ele

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O país se aproxima rapidamente de um quadro de insolvência e paralisia. E quando a economia fracassa, o caos social se instala

“Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo”, diz Guedes. É uma pérola. Essência do pensamento econômico da escola neoliberal made in Chicago. Tirar dinheiro dos pobres para dar aos ricos é a única forma de ajudar os pobres. Para o capitalismo ir pra frente, é preciso endinheirar ainda mais aqueles que multiplicam os recursos. Está aí a grande entrega da reforma previdenciária: milhões de brasileiros condenados a uma velhice de carência enquanto os fundos bilionários vão encher as burras com programas de previdência privada.

Guedes diz: “a carga tributária atual é de 36% […] a carga ideal é de 20% […]  a redução para 20% é difícil e dependerá da velocidade do controle dos gastos. […] Não precisa sangrar, se conseguirmos controlar o crescimento nominalmente, em dois anos o trabalho está feito”.

O que significa derrubar a carga tributária em mais de 40%, em dois anos?

Significa a destruição completa do Estado da forma como o conhecemos. Guedes quer desmontar o Estado do bem-estar social que garante, entre outros, o direito à educação e à saúde públicas. Porque isso custa dinheiro, rico dinheiro que precisa ser poupado para ser usufruído pelos ricos. Ele quer um Estado muito enxuto, também chamado de mínimo. Tão enxuto que sirva apenas para garantir a segurança do patrimônio dos mais ricos contra a revolta dos que serão enxotados de qualquer perspectiva de futuro.

Sobre todos os assuntos Guedes vai direto ao ponto. Ele diz:

“Se o dólar for a R$ 4,20, R$ 4,30, R$ 5,00, vai ser muito interessante. Se você vender US$ 100 bilhões a R$ 5,00 são R$ 500 bilhões. Isso significa que você vai, na mesma hora, recomprar a dívida interna. Em vez de ter R$ 3,5 trilhões de dívida, tenho só R$ 3 trilhões. Isso num cenário de crise — disse. — Sem crise não. O dólar agora está a R$ 3,60.”

Quando Guedes falou isso, logo após a eleição de Bolsonaro em outubro de 2018, o país tinha reservas de US$ 380,9 bilhões, as quais  funcionam como um seguro contra turbulências

Não existe essa necessidade de carregar tantas reservas. Esse é um seguro muito caro”, disse Guedes

Desde o governo Temer, analistas do mercado financeiro e organismos internacionais vinham considerando o valor das reservas muito elevado e que bastaria algo em torno US$ 200 bilhões. Juntando as peças, o que Guedes precisava fazer para começar a se desfazer de uma parte das reservas cambiais? Elevar a cotação do dólar para um nível de risco, o que justificaria a intervenção do Banco Central vendendo dólares das reservas cambiais. Foi o que Guedes fez, principalmente a partir do segundo semestre de 2019. O dólar disparou. Ao final do ano de 2019 Guedes tinha queimado U$ 36,9 bilhões de dólares das reservas cambiais.

A dívida bruta terminou o ano 2019 em R$ 5,5 trilhões – 75,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Em dezembro de 2018, estava em 76,5% do PIB. Para reduzir a dívida bruta em 0,7%, Guedes torrou U$ 36,9 bilhões (R$ 165 bilhões de reais pela cotação do dólar em 02/03/20) e obrigou o BNDES a fazer pagamentos de R$ 121,7 bilhões ao Tesouro.

Apenas em relação às reservas cambiais, para justificar uma redução da dívida bruta em apenas 0,7%, Guedes fez dois movimentos contrários ao desenvolvimento econômico do país e à segurança contra crises financeiras. Retirou do BNDES R$ 121,7 bilhões que o banco utilizava em anos anteriores para financiar a atividade produtiva do país e queimou 9,7% das reservas cambiais em apenas alguns meses para conseguir uma redução de apenas 0,4% da dívida bruta (pois o restante da redução veio do BNDES).

Projetando essa mesma relação percentual entre venda de reservas cambiais e abatimento da dívida bruta, Guedes irá torrar os U$ 150 bilhões restantes (para as reservas ficarem no patamar mínimo de U$ 200 bilhões pretendido pelos analistas a serviço dos financistas) para conseguir abater o valor da dívida bruta em apenas 1,6%.

É justificável isso ou é apenas mais uma falácia neoliberal?

“O Brasil caminha para ser um Equador ou uma Argentina. No conjunto, as políticas voltadas para as reservas refletem a orientação ultraliberal, anacrônica, que o governo está implementando em várias áreas”, explica o economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Pedro Rossi

O economista-sênior da LCA Consultores, Bráulio Borges, diz que estudos recentes mostram que, para a percepção de risco de países emergentes, a solvência externa é mais importante que a interna. E, nesse sentido, reduzir as reservas é mais arriscado, mesmo com o efeito de queda na dívida bruta.

Com uma nova crise internacional se aproximando, o Brasil estará novamente vulnerável como nos tempos em que tinha de recorrer ao FMI. Parece ser esse o objetivo final de Guedes, para que o Brasil não tenha mais autonomia para planejar um desenvolvimento autônomo.

A orientação ultraliberal, anacrônica (Pedro Rossi) pode ser vista em todas as áreas. O secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, disse que o principal problema da economia brasileira é o excesso de barreiras, e que a derrubada dessas barreiras funcionará como o principal motor do desenvolvimento.

Para Guedes e sua equipe o negócio é abrir as fronteiras, reduzir tarifas, torrar reservas cambiais, para que dinheiro e mercadorias possam circular livremente. E que vença quem tem mais poder e melhores preços. Eles estão convencidos de que a melhor coisa a fazer é largar tudo na mão dos financistas internacionais, para que eles decidam conforme as suas conveniências.

Os nossos liberais da mídia corporativa ainda não entenderam que eles estão insatisfeitos, não com Guedes e Bolsonaro, mas com os resultados da exata aplicação das fórmulas neoliberais que eles decoraram e repetem como papagaios. Como não querem dar o braço a torcer, arrumam desculpas. Agora é a vez do novo coronavírus.

O resumo da ópera é que Guedes e Bolsonaro estão entregando exatamente aquilo que prometeram em termos de economia. Se algum liberal ainda apoia Guedes, mas está bravo com Bolsonaro porque ele quer dar o golpe, é porque não leu o Guedes direito. Ou então mantém o mau hábito de reinterpretar as falas de Guedes segundo a sua própria vontade.

Wilson Luiz MüllerMembro do Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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