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Frei Betto homenageia jornalista Jorge Miranda Jordão, consagrado por caso Escola Base

O jornalista, que tratava um câncer, morreu aos 87 anos na última segunda-feira (10), no Rio de Janeiro após complicações cardíacas
Redação Diálogos do Sul
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Todo estudante de jornalismo sonha em escrever uma grande reportagem para se consagrar na profissão. Mas, curiosamente com Jorge de Miranda Jordão foi diferente. O jornalista se consagrou pela reportagem que não escreveu, sobre o caso da Escola Base, diretor do Diário Popular, em São Paulo, Jorge proibiu que o jornal mergulhasse na história.

O jornalista, que tratava um câncer, morreu aos 87 anos na última segunda-feira (10), no Rio de Janeiro após complicações cardíacas. Miranda Jordão foi uma figura importante nas denúncias contra a ditadura militar, e acabou preso em Montevidéu e levado para o Dops, em Porto Alegre, mas ainda assim, conseguiu ajudar Frei Betto e outros colegas que militavam.

Confira a homenagem do frade dominicano ao seu velho amigo:

O jornalista, que tratava um câncer, morreu aos 87 anos na última segunda-feira (10), no Rio de Janeiro após complicações cardíacas

Arquivo pessoal de Frei Betto
Frei Betto e Jorge de Miranda Jordão

Foi em 1967 que conheci Jorge de Miranda Jordão, trazido ao convento dos Dominicanos em São Paulo pelas mãos de Thereza Cesário Alvim. A dupla enamorada alimentava ousada paixão jornalística: fundar um tablóide que, de algum modo, deixasse passar um raio de luz na escuridão imposta pelo regime militar. Quem sabe ressuscitar o “Brasil, Urgente”, fundado por meu confrade Carlos Josaphat e afundado pelo golpe de 1964. Naquela temporada paulista, o velho Frias convidou Jorge para reabrir a “Folha da Tarde”. Fui chamado para integrar a equipe após breve passagem pela revista “Realidade”.

Casos de amor não cabem nos estreitos limites da razão explicativa. Jorge e eu formávamos uma dupla que tinha tudo para dar errado. Ele, ateu e eu, cristão; ele, boêmio nas horas vagas e eu, frade: ele, diretor de redação e eu, repórter da Geral; ele, notívago e eu, matutino; ele apolítico e eu, de esquerda. No entanto, da convivência brotou a empatia e logo uma cumplicidade que se prolongou até a transvivenciação dele, a 10 de fevereiro de 2020.

Éramos os dois celibatários. De costume, saíamos muito tarde do jornal, que rodava de madrugada para chegar às bancas na hora do almoço. De bar em bar na noite paulistana, nossos papos avançaram da redação ao coração e, em seguida, à revolução. Convenci Jorge a ingressar como apoio na resistência à ditadura. Apresentei-o a Carlos Marighella, que Jorge tantas vezes transportou e hospedou. Isso estreitou a nossa amizade.

Poucos entendiam como um colecionador de revistas de mulheres nuas podia estar tão próximo de um frade estudante de antropologia e filosofia. A fachada de Jorge era o disfarce perfeito: por detrás do boêmio apreciador de uísque escondia-se o militante que imprimia à “Folha da Tarde” um tom crítico à ditadura e, nas horas vagas, costurava a rede de apoio à luta armada.

Em 1969, me transferi para o Rio Grande do Sul a pedido de Marighella com a missão de organizar o esquema de fronteira que tiraria do Brasil perseguidos políticos. Antes de dar fuga a sequestradores do embaixador americano, o primeiro a fazer uso do meu esquema foi Jorge. Marighella o encarregara de ir a Cuba levar uma mensagem a Fidel e aprender a operar a imprensa clandestina.

Em Montevidéu, Jorge caiu. Trazido preso para o Brasil, não cedeu às pressões. Queriam detalhes de nossas ligações. Jorge calou-se na tortura. O amor foi mais forte que a dor. Foi solto antes de minha prisão, em novembro de 1969. Então foi a minha vez de ser pressionado para falar de Jorge. Como ele, ative-me às relações profissionais. Se um tivesse falado do outro, talvez não estivéssemos vivos. Por isso, anos mais tarde, ao lançar “Batismo de sangue”, dediquei-o “a Jorge, que no afeto venceu o medo.”  O sobrenome dele só aparece na dedicatória a partir da edição de 2000.

Considero-me o irmão que Jorge não teve. Talentoso, era um ressuscitador de jornais, como fez com a “ Última Hora”, “O Diário Popular” e “O Dia”. Discreto, não se exibia nem frequentava colunas sociais. Mantinha-se distante do poder, seja ele político ou financeiro. Ético, jamais transgredia sua escala de valores. E era de uma fidelidade ímpar às amizades que colheu na vida.

Agora, o Amor o arrebatou desta vida. Tinha 87 anos.

(*) Frei Betto é escritor, autor de “Típicos tipos, coletânea de perfis literários” (Garamond), entre outros livros.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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