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Frei Betto | Se queremos viver a Quaresma segundo Jesus, devemos dar um pouco de nós

A penitência mais significativa, que agrada a Deus e ao próximo, é se empenhar no socorro aos mais pobres
Frei Betto
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Quaresma é um período de 40 dias. Na Bíblia, os números não são aleatórios. Guardam significado. O 7, por exemplo, equivale ao nosso 8 deitado (¥), símbolo do infinito. Nossos pecados, disse Jesus, serão “perdoados, não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete” (Mateus 18,21-22). A misericórdia de Deus é infinita.

Nos textos bíblicos encontramos muitas aplicações do número 40, que simboliza o tempo de Deus. O dilúvio durou 40 dias e 40 noites (Gênesis 7,17). Moisés tinha 40 anos quando feriu um egípcio e se viu obrigado a fugir (Êxodo 2,12 e 15).

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Antes de receber as tábuas da lei, ele jejuou durante 40 dias e 40 noites (Deuteronômio 9,9). Quarenta anos mais tarde teria liderado a libertação dos hebreus da escravidão no Egito. A travessia dos hebreus pelo deserto – o êxodo –, rumo a Canaã, teria durado 40 anos (Êxodo 16,35). O profeta Elias “caminhou 40 dias e 40 noites até o Monte Horeb, a montanha de Deus” (1 Reis 19, 8). 

Como informa Marcos, após a ressurreição Jesus permaneceu 40 dias em companhia dos discípulos.

A Igreja instituiu a Quaresma – que se inicia na Quarta-feira de Cinzas e culmina no Domingo de Ramos – como tempo litúrgico que precede a Semana Santa e nos prepara para a Páscoa, a celebração da ressurreição de Jesus, a mais importante festa cristã. 

Assim como os hebreus demoraram 40 anos para cruzar o deserto após se libertarem da opressão no Egito, e Jesus jejuou durante 40 dias antes de iniciar a sua militância, a Igreja recomenda aos cristãos, nesses 40 dias de Quaresma, assumirem uma postura penitencial

A penitência mais significativa, que agrada a Deus e ao próximo, é se empenhar no socorro aos mais pobres

Franciscanos
Engana-se quem julga que “sacrifício” na Quaresma é apenas deixar de comer carne bovina, suína ou avícola

Penitência não significa reconhecer as culpas. É muito mais do que isso. É fazer a travessia para um compromisso maior com atitudes de solidariedade. Postura amorosa e engajamento de justiça. Por isso, todos os anos, desde 1964, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lança na Quaresma a Campanha da Fraternidade. A cada ano adota uma motivação temática diferente. Este ano é a fome. 

Dados do governo revelam que temos hoje no Brasil 33,1 milhões de pessoas desnutridas, e 125 milhões em insegurança alimentar, ou seja, comem hoje sem saber se poderão repetir amanhã.

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A penitência mais significativa, que agrada a Deus e ao próximo, é se empenhar no socorro aos mais pobres. E, se possível, de modo menos assistencialista possível e mais estruturante. É obvio que dar um prato de comida a quem tem fome é importante, por suprir a mais elementar necessidade do ser humano: alimentar-se. Contudo, melhor que indicar o caminho é oferecer o transporte. Age de modo estruturante quem cede um lote em área de sua propriedade para uma família sem-terra; consegue um trabalho para um desempregado; matricula na escola a criança analfabeta; apoia uma politica governamental que beneficia os excluídos etc.

Quaresma é também tempo de reabastecimento espiritual: oração, meditação, reflexão da Palavra de Deus, leituras espirituais, participação litúrgica. Sem reforçar a espiritualidade corremos o risco de desanimar ou ficar indiferente diante das necessidades do próximo.

Engana-se quem julga que “sacrifício” na Quaresma é apenas deixar de comer carne bovina, suína ou avícola, embora se farte de peixes e outros quitutes. Isso é descarado farisaísmo. Se queremos realmente viver a Quaresma na dinâmica da espiritualidade de Jesus devemos dar um pouco de nós. Do nosso tempo, da nossa vida, das nossas posses. 

A parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Por isso, neste ano proponho, como ação quaresmal, associada à proposta da Campanha da Fraternidade, a solidariedade, em forma de recursos financeiros, ao povo Yanomami, que padece desnutrição e doenças em decorrência do fato de seu território, na Amazônia, ter sido invadido pelo garimpo ilegal. Quem quiser participar veja minha Carta de Quaresma no site: freibetto.org

E Deus lhe pague!

Frei Betto| É autor de 73 livros, editados no Brasil e no exterior, incluindo “Um homem chamado Jesus” (Rocco). Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org. Ali os encontrará a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.


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Frei Betto Escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras); “Batismo de sangue” (Rocco); e “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros 74 livros editados no Brasil, dos quais 42 também no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org. Ali os encontrará a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio.

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