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“Você não compra com dinheiro, compra com o tempo que teve que trabalhar para ganhar aquele dinheiro. O único valor que existe acima da terra é a vida”1 (José Pepe Mujica)
A discussão em torno a superação da pobreza passa, necessariamente, pela valorização e valoração do trabalho. Em um contexto de globalização financeira, a precarização da mão-de-obra é determinada a partir da ofensiva sobre os direitos trabalhistas, com mais exigências feitas aos trabalhadores, sem que isso corresponda a maiores ganhos, melhores condições de trabalho ou ainda menor jornada. Uma das facetas mais cruas de tal precarização se define com a terceirização, sobretudo das chamadas atividades-fim2 .
Por Vanessa Martina Silva (*)3
Considerado um dos maiores intelectuais latino-americanos, Ruy Mauro Marini3 alertou, ainda nos idos dos anos 1990, que a terceirização, decorrente do processo de divisão internacional do trabalho e de acumulação de capital pelas matrizes das empresas transnacionais, implica em “demissão dos trabalhadores e sua posterior recontratação através de pequenas empresas prestadoras de serviços, o que as exime de gastos pelo conceito de prestações sociais” .
Apesar de esse ser um cenário desenhado por Marini nos anos 1990, o liberalismo econômico implantado no Brasil pelos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) não foi capaz de levar o cenário de liberalização da economia aos extremos do recomendado pelo Consenso de Washington. Assim, muitas das leis trabalhistas, conquistadas em meados dos anos 1950 no governo de Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954), permaneceram vigentes, como a proibição da terceirização da atividade-fim.
Acontece que, com o golpe parlamentar vivido em 2016, o objetivo de concluir as transformações neoliberais do capitalismo ganhou força e o governo do presidente Michel Temer (2016 – ) conseguiu aprovar a terceirização de todas as atividades. Seu governo trabalha com uma agenda de desmontes de outros direitos trabalhistas, com o argumento de deixar o país “mais competitivo no cenário global” para que as empresas aqui possam atuar.
Assim, fica patente que o grande tema de nossa era é, como definiu Marini, a luta dos trabalhadores para se livrar da “orgia à qual o capital está entregue”. Ele observa que
“a solução de todos os problemas enfrentados atualmente pelos povos de todo o mundo passa, necessariamente, pela luta de classes e, em particular, pela disposição que tenham para tomar em suas mãos as rédeas da política econômica, ou seja, assumir a direção do Estado”.
Assim é como também entende Mujica: “a concentração de riqueza é uma concentração de poder político”. Desta forma, é preciso tomar sim o Estado, é preciso que os trabalhadores se apoderem da democracia, não como retórica eleitoral, mas como elemento detonador do processo de ganho cultural e político-social. É nosso trabalho que está enriquecendo as classes altas, então cabe a nós colocar em marcha a “revolução democrática radical” proposta por Marini.
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1) Aula magna do curso Internacional “América Latina: ciudadanía, derechos e igualdad, da Clacso. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ddHgqJPMefs
2) É considerada atividade-fim aquela que é imediatamente ligada ao objetivo direto da empresa. Exemplo: uma escola não pode terceirizar os educadores, porque esta é a atividade-fim da mesma, mas pode terceirizar a contabilidade, a segurança, porque essas são atividades-meio.
3) Texto adaptado da atividade desenvolvida no marco do curso Internacional “América Latina: ciudadanía, derechos e igualdad, da Clacso.
4) Extraído do texto Proceso y tendencias de la globalización capitalista
América Latina, dependencia y globalización. In Ruy Mauro Marini y Márgara Millán (coords.), La teoría social latinoamericana, t. iV: Cuestiones contemporáneas, México, unam, fcPys, cela,1996, pp. 49-68. Tradução livre.
(*) é jornalista. Uma das fundadoras do Diálogos do Sul