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Fujimorismo saiu de uma cloaca

Gustavo Espinoza M.

Tradução:

Gustavo Espinosa M*

gustavo espinoza perfil dialogos do sulEstava bem assessorado o presidente Ollanta Humala quando, recentemente, em uma coletiva à imprensa, respondendo a perguntas de correspondentes estrangeiros, assegurou que o fujimorismo saiu de uma cloaca. Para ter certeza de ter utilizado devidamente o vocábulo, o ex comandante provavelmente consultou a Academia Peruana da Língua, porque, sem dúvida, valeu-se da expressão mais precisa e em seu mais cabal sentido.

O Dicionário Geral Ilustrado da Língua Espanhola editado em Barcelona, com prólogo de Ramón Menéndez Pidal e versão corrigida e ampliada por Samuel Gili Gaya, registra que cloaca “é o conduto subterrâneo por onde correm as águas sujas, ou as imundices dos povos”.

humala Presidente Humala

Com tão transparente definição, seguramente a imensa maioria dos peruanos coincidirá em admitir que o fujimorismo é certamente uma excrecência das cloacas, como assegurou, com gesto altivo, o mandatário nacionalista.
Não se trata de um adjetivo orientado a desqualificar, nem degradar a ninguém. Foi a utilização precisa de um vocábulo substantivo, porque o fujimorismo é uma das imundices produzidas pelo povo em uma determinada etapa de sua crise.
Não esqueçamos, em efeito, que Alberto Fujimori apareceu, em 1990, como o candidato do ‘no-shock”.
Quando representando o Fredemo, Mario Vargas Llosa ofertava o Apocalipse, e ameaçava os peruanos com fechar as empresas públicas, despedir milhões de trabalhadores, eliminar postos de trabalho aos borbotões, dissolver os programas assistenciais, liquidar com pensões de aposentadorias e desemprego, destruir os direitos trabalhistas e acabar com os benefícios reconhecidos por lei. Ele argumentava que era indispensável um “programa de shock” para sair dos sete mil por cento de inflação a que nos tinha levado o primeiro governo do aprista Alan Garcia. O “chinito” (Fujimori, candidato) assegurava simplesmente que ele “não faria isso”.
Assumiu sua gestão na presidência em 28 de julho de 1990, sob a batuta do Fundo Monetário e do Banco Mundial, e, conduzido pelos serviços secretos dos Estados Unidos, que o cooptaram desde o início, em 8 de agosto desse mesmo ano, sob a inspiração de seu ministro de Economia, Juan Carlos Hurtado Miller, lançou o “schock” que então caiu como uma verdadeira martelada sobre a cabeça dos peruanos.
Aos que dizem, esporadicamente, que “a esquerda apoio Fujimori” nessa circunstância, cabe lembrar-lhes que a única foz que se levantou contra desse chamado “programa reativador” foi a CGTP, que convocou uma Greve Nacional em 16 de agosto e que, ainda que realizada a meias, concluiu numa confusão na Praça Dos de Mayo, quando a pressão policial procurou dispersar os dirigentes, na época encabeçados por Valentin Pacho e Pedro Huilca, impedindo que protestassem.
O que veio depois, é mais conhecido: a guerra suja, o extermínio das populações originárias, a esterilização forçada de mulheres, a institucionalização da tortura, desaparecimento forçado de pessoas, execuções extrajudiciais; o estabelecimento de tribunais secretos, juízes sem caras e sentenças anônimas e iníquas; a criação de grupos de extermínio – Colina, por exemplo- e o castigo a todos os segmentos da sociedade: médicos, professores, trabalhadores, camponeses, mulheres e jovens; tudo isso foi o pão cotidiano durante dez anos.
Poucas vezes a perversidade se fez tão patente em política do que naqueles anos, em que três de cada quatro vítimas da violência integravam populações originárias, vivam em zonas rurais ou simplesmente tinham o quéchua como idioma.
Despovoar as aldeias era a ordem ditada e cujo cumprimento devia ser assegurado por doze mil oficiais das Forças Armadas lançados à luta com o propósito genocida de acabar com os povoados. E tudo isso sob o pretexto de “pacificar o país e acabar com a subversão:. Foi essa a “escola de fascistização” pela qual passaram as forças armadas, de cima à baixo, obedecendo a Cia.
A estes elementos gráficos de decomposição, ha que acrescentar o fato de que, paralelamente, os máximos expoentes do regime: Fujimori, seus ministros e colaboradores próximos, além da cúpula militar de então, liderada por Nicolás Hermoza, Elesván Bello, Antonio Ibárcena, e os generais Chacón, José Villanueva, Cesar Saucedo, Vçtor Malca y outros. Amealharam imensas fortunas roubando desde verbas orçamentárias até lingotes de ouro, passando por cento pela “aquisição de armas”, o contrabando e outros procedimentos dolorosos ainda não suficientemente revelados.
A tudo isso se somou o manejo nauseabundo de uma imprensa “amarela” e uma TV “lixo”, ambas compradas com dinheiro público, e encarregadas de jogar lama e pedra sobre a honra e o prestígio de personalidades da vida peruana como Gustavo Mohme Lloma, paradigma de decência e dignidade.
Que a perversidade do regime de então não teve contemplação é confirmado pelas centenas de pessoas inocentes condenadas a prisão perpétua ou a longos anos de cárcere por “terrorismo”, pelo único fato de que foi acusada como tal por outras, capturadas de surpresa e submetidas a torturas inauditas a fim de “indicar” os supostos “senderistas”.
A clausura e as torturas a que foi submetida Susana Higushi, por ordem de seu esposo e mandatário Alberto Fujimori, os fios elétricos atados a suas articulações, sua destituição e substituição por sua filha, a hoje candidata Keiko Fujimori. Não foi nada mais que tirar a tampa da panela de pressão em que estavam encerrados todos os vícios e degradações do regime de então, o mais nefasto da história social do Peru.
Tudo isso é o que representa hoje Keiko Fujimori que, aliada com Alan Garcia encarna a Máfia que busca obsessivamente voltar à condução do Estado com o propósito de “vingar” a condenação a que a justiça enquadrou seu pai.
É curioso: quando Humala falou da “cloaca”. Keiko assegurou que ele tinha “injuriado” a seu país utilizando uma “linguagem chavista”.
Recordemos: nunca Hugo Chávez fez alusão direta a Fujimori, talvez por pensar em não se imiscuir em assuntos claramente peruanos. Mas, por outro lado, fez Carlos Andrés Pérez, que fora presidente da Venezuela. Aludindo a ambos disse que eram “sapos de um mesmo saco” e referindo-se especificamente a Garcia qualificou-o com inegável precisão como “ladrão de quatro costados”. Certeiro, o comandante, sem dúvida.
Em outras palavras, a “linguagem chavista” foi contra a AGP e não contra Fujimori. Se Keiko deplora é porque caracterizou a quem é hoje seu “melhor aliado”. Sente-se no dever de defende-lo. Poderia ser seu garantia de vitória em 1016.
Na Espanha, a cantora e artista Isabel Pantoja, acusada por delitos menos e sentenciada dois anos de cárcere. Finalmente aceitou ser presa com um mínimo de dignidade e decoro. Enquanto que aqui, Alberto Fujimori derrama lágrimas todo dia pedindo que deixem voltar a sua casa, quando ele mesmo não foi capaz de devolver um só centavo de tudo que roubou impunemente.
O “chinito” não está numa prisão. Não esteve nunca. Desde o início foi instalado no Centro Recreacional da Polícia, na fazenda Barbadillo, onde se dedica a cultivar flores que ele mesmo semeou. Alí recebe desde visitas pessoais até políticas e desenvolve uma campanha aberta e sediciosa, aplicando sua própria estratégia.
É de se recordar também, não faz muito, proibiram-lhe o uso de um telefone celular, que ele usava para mandar ‘declarações exclusivas” que seu amigo Raul Vargas transmitia pela Radio Programas do Peru. O fato o deixou a beira da histeria o acusou as autoridades de “tramar sua morte a conta-gotas, fazendo que uma a uma morram seus neurônios”.
Pode-se discordar do presidente Humala, pode-se inclusive questionar sua gestão argumentando uma e outra variante política e até sua própria inconsequência. Porém, não se pode negar que esta sua declaração em torno da “cloaca” foi sua melhor definição dos fatos em seus três anos na condução do Estado. Um acerto a toda prova.
*Colaborador de Diálogos do Sul – de Lima, Peru
 
 
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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