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"Future-se é ruim do ponto de vista pedagógico e econômico", diz professor do IFRN

Hugo Manso questionou a eficácia da gestão do Ministério da Educação e classificou o projeto Future-se como “sem futuro”.
Pedro Torres
Saiba Mais
São Paulo (SP)

Tradução:

“Hoje eu perdi o meu crachá e quando fui refazer, o instituto disse que não havia mais suporte nem o cordão que usa para sustentar o cartão”. Foi assim que Hugo Manso, professor do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, iniciou a entrevista à agência Saiba Mais, mostrando como os cortes feitos pelo Ministério da Educação, em maio, já estão se manifestando até nos pequenos serviços das instituições. O também diretor de comunicação do Sinasefe (Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação) questionou a eficácia da gestão do Ministério da Educação e classificou o projeto Future-se como “sem futuro”. 

Não somente o cordão e suporte para o crachá está em falta no IFRN. O instituto com 28 mil alunos distribuídos pelos 21 campi no Estado enfrenta uma crise muito maior e que chegou até no abastecimento dos bebedouros. O fornecimento de água mineral no campus Central, em Natal, foi suspenso. O motivo? A falta de dinheiro: com os cortes anunciados em maio, o IFRN perdeu 27 milhões nos recursos repassados pela União, um corte de 38% no orçamento destinado ao funcionamento da instituição.

“São coisas simples, mas que já revelam os impactos desses cortes na instituição, que nem água mineral está mais comprando para abastecer os bebedouros, devido à falta de dinheiro no orçamento”, afirma Hugo Manso. “Daqui a pouco, o nosso jardim não receberá mais manutenção. Nós temos 113 trabalhadores terceirizados, que trabalham mantendo a limpeza básica do campus. Não haverá orçamento para manter esses contratos. Como vamos manter o jardim bonito?”, questiona o professor, revelando a preocupação com o funcionamento básico da instituição – ameaçada de não ter orçamento para manter as atividades já a partir de setembro.

Hugo Manso é professor de mecânica do IFRN, no campus Natal Central, desde 1991, na época, o antigo Cefet. Formado em Engenharia Mecânica e mestre em Educação, Hugo já foi vereador de Natal, candidato ao Senado Federal, foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e luta na defesa dos Direitos Humanos, do Direito à Cidade, da Educação Básica e Tecnológica, Cultura, Ciência e Tecnologia. Atualmente é diretor de Comunicação do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe Natal).

Hugo Manso questionou a eficácia da gestão do Ministério da Educação e classificou o projeto Future-se como “sem futuro”.

Eupildio Junior (Tribuna do Norte)
Hugo Manso, professor do IFRN e diretor de comunicação do Sinasefe

“Busquem o mercado para te financiar”

Anunciado pelo Ministério da Educação em julho, o programa Future-se é uma iniciativa do Governo Federal que estabelece às Universidades e Institutos Federais a implementação de modelos de negócios para angariar financiamento fora da União, por meio, por exemplo, de empresas e organizações privadas. 

“Em maio nós fomos às ruas, com mobilizações grandes no Brasil inteiro, mas, em vez de ouvir a população que era contra os cortes na Educação, a resposta de Governo foi formalizar os contingenciamentos. Eles deram o corte e disseram ‘se vire’; depois, disseram como precisávamos nos virar, com uma nova legislação que muda 16 leis”.

A mudança citada pelo professor está no programa do Future-se, posto em consulta pública até 15 de agosto, até seguir para votação no Congresso Nacional, e sugere alterações na redação de leis como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, além de mexer em legislações econômicas, sobretudo naquelas que exigem da União o repasse de recursos suficientes para que essas instituições funcionem.

O projeto, segundo ele, é uma ameaça à autonomia e um perigo para o IFRN, Ufersa e UFRN, no Rio Grande do Norte, instituições que serão postas para ambientar suas políticas numa lógica “empreendedora, em busca de financiamento do mercado econômico, para conseguirem funcionar”.

“É um projeto muito perigoso porque descaracteriza o ensino, a pesquisa e a extensão. A ideia da educação ser pública e gratuita é porque você tem que oferecer oportunidade iguais para para todos, e quem financia isso é o Estado, com o dinheiro dos impostos. Na hora que você diz às Universidades e Institutos irem à luta em busca de financiamento no mercado, a tendência são as empresas não terem dinheiro nem interesse para financiar tudo isso”, denuncia Hugo, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, em Natal.

Encabeçado pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, o texto foi tratado com preocupação por profissionais da área, que criticam os interesses por trás da proposta alinhada com as diretrizes do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro. 

O ‘Future-se’ se ambienta num modelo onde as instituições comercializam, por exemplo, nomes e estruturas de prédios públicos dentro dos campi e reúne recursos por meio da iniciativa privada, que seria responsável por doar a um fundo de participação que promoveria o financiamento das Universidades e Institutos. O dinheiro obtido junto às empresas somaria-se aos repasses feitos pela União – que seriam reduzidos – para consolidar um fundo que não se sabe se será único para essas instituições. 

“O que eles estão dizendo [com a proposta]? ‘Não haverá mais esse investimento [da União]; procure a iniciativa privada’”, alerta o sindicalista: “Mas vamos supor: imagine uma empresa privada como a Ford, a Volkswagen, elas vão investir na Universidade? É possível. Mas ela vai investir numa coisa que ela tem interesse e que ela controle”, completa. 

“O ‘Future-se’ é ruim do ponto de vista pedagógico e econômico porque ou você está numa área e desenvolve uma pesquisa que promova interesse a uma empresa para receber financiamento, ou você tem dinheiro para financiar os próprios estudos. A ideia do filho do pedreiro virar engenheiro morre. A ideia da filha de um terceirizado do IFRN ser uma estudante do campus morre”, finaliza.

“A tendência das Ciências Humanas será atrofiar”

A obtenção de financiamento por meio de fundos de iniciativa privada reverbera em um outro aspecto denunciado pelos especialistas: o sucateamento das Ciências Humanas. A área, de acordo com o professor, seria amplamente afetada com a implementação do ‘Future-se’, que questiona: “qual empresa vai se interessar por investir numa pesquisa que estude a história das populações indígenas que viveram no Rio Grande do Norte há 300 anos? A lógica principal é o Estado, a União, deixar de ‘gastar’ com a Educação. O que vai acontecer é que alguns cursos vão atrofiar e outros poderão sobreviver. A tendência das Ciências Humanas será atrofiar. Não vai ter empresa que se interesse por esse financiamento. São áreas que promovem estudos reflexivos, de interesse público e acadêmico, e que necessitam dos investimentos da sociedade como um todo, por meio do Estado, para que as pessoas tenham a possibilidade de pensarem, refletirem e conhecer a própria história”, alerta Hugo.

Em relação aos interesses das empresas privadas, haverá iniciativas que promovam o financiamento. No entanto, como alerta o professor, novamente esses projetos estariam submetidos aos critérios e importância estabelecidos diretamente pelas iniciativas que não as Instituições. 

“Imagine uma empresa chinesa que chegue no Estado e queira capacitar 200 pessoas em mandarim. Ela irá investir na formação dessas pessoas, mas quando tiverem concluído, não haverá mais projeto, ou seja, financiamento. Uma instituição como a UFRN precisa de cursos de línguas para formar academicamente a sociedade, mas isso não deve ser condicionado a interesses privados. A Universidade é um campo para pesquisa, e só se desenvolve pesquisa e inovação se houver financiamento que não esteja restrito a interesses privados”, afirma o professor, que é professor do IFRN (antigo Cefet) desde 1991.

Dia Nacional de Lutas e Greves

Em resposta a projetos como o ‘Future-se’ e às outras pautas encabeçadas pela equipe de Jair Bolsonaro, especialmente em relação à Educação e à Previdência, um ato está marcado para o próximo dia 13 de agosto, quarta-feira. A mobilização será nacional e foi convocada por estudantes e trabalhadores do setor e suas entidades, a exemplo do Sinasefe, como um Dia Nacional de Greves e Atos pela Educação, a data foi incorporada por todas as centrais sindicais, sindicatos de outras categorias e movimentos sociais.

Uma das reivindicações da mobilização, marcada para todas as capitais brasileiras, também é lutar contra o avanço da reforma da Previdência, que foi aprovada esta semana em segundo-turno na Câmara dos Deputados e agora segue para o Senado Federal. O destino da aposentadoria dos atuais 91,2 milhões de trabalhadores, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), está nas mãos de 49 senadores necessários para aprovar a reforma, que na opinião do professor Hugo Manso é uma ‘maldade dupla’ tanto a esses trabalhadores quanto aos jovens que ainda estão por chegar no mercado.

Nas críticas à reforma, especialmente no que ela afetará na Educação, o professor denuncia o esgotamento do trabalhador que precisará passar mais anos contribuindo à Previdência e, consequentemente, trabalhando; e a impossibilidade de renovação dos postos de trabalho já afetados com a crise de desemprego que desola o país. 

“O que a reforma da Previdência também está fazendo de perverso à Educação é remeter toda uma geração a um sobre-esforço. Isso impede que uma nova entre e renove os ambientes de trabalho”, denuncia o sindicalista, que também alerta para os números de desempregos no país. Atualmente, o Brasil possui uma população de 13 milhões de desempregados, representando 12% da sociedade, além de que houve um aumento na taxa de informalidade, registrando 11,5 milhões de cidadãos – todos dados do IBGE divulgados este ano.

“É necessário que o trabalhador com 30 anos de serviço se aposente primeiramente para ele poder viver, porque o trabalho é exaustivo, senão ele morre trabalhando; e, segundo, para renovar os postos de trabalho. Se eu entro para trabalhar no Instituto aos 30 e saio com 60, um jovem de 30 anos assumirá o meu lugar. Mas se eu só sair aos 70, demora mais 10 anos para renovar esse posto. O rendimento é fragilizado, não há renovação. É uma maldade dupla: faz mal ao trabalhador que permanece, e faz mal ao jovem trabalhador que não entra no mercado do trabalho”, finaliza o professor.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Pedro Torres

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