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Donald Trump (Foto: Reprodução / Facebook)

Gaza, China, Otan: como “America First” de Trump deve impactar urgências globais

A ideia de que Trump pode reverter a política exterior dos EUA é de longa data e deve, de fato, reconfigurar a atuação do país em temas como emergência climática e América Latina
Annabelle Timsit, Kelsey Ables, Adela Suliman
Sur y Sur
Montevidéu

Tradução:

Ana Corbisier

Donald Trump está regressando à Casa Branca e o mundo todo está buscando entender como seu segundo mandato voltará a sacudir os temas globais.

Os partidários de Trump dizem que sua imprevisibilidade é uma característica de sua política exterior, para dissuadir os maus atores e avançar nos problemas mais intratáveis do mundo. Richard Grenell, o ex-diretor de inteligência nacional de Trump que afirmou buscar um cargo como secretário de Estado em um segundo mandato, disse recentemente a Financial Times: “Claro que o outro lado quer previsibilidade. Trump não é previsível”.

Os aliados dos Estados Unidos também estão lutando para prever o que vem por aí, já que Trump promete reverter, com seu enfoque de “America First”, o que ele vê como uma falta de respeito para com os Estados Unidos no cenário global. A história de Trump de reverter a política exterior dos Estados Unidos é de longa data. Desestimar os abusos dos direitos humanos e acomodar-se aos ditadores está levando alguns líderes ao limite. Isto é o que uma presidência de Trump poderia significar para alguns dos temas mais importantes para os povos de todo o mundo.

Israel poderia se encorajar e ampliar a guerra no Oriente Médio

Trump pediu em linhas gerais o fim da guerra entre Israel e Gaza, mas não foi explícito sobre o que vê como o caminho para um cessar-fogo. Em particular, ofereceu seu apoio ao primeiro-ministro israelense, Benjamim Netanyahu, nas ofensivas do país contra o Hamas em Gaza e o Hezbollah no Líbano, convidando-o em um recente telefonema a fazer o que tem que fazer.

Muitos em Israel festejaram os movimentos do primeiro mandato de Trump para relocalizar os Estados Unidos. Levar a Embaixada de Tel Aviv para Jerusalém e reconhecer os Altos do Golã como parte de Israel – decisões que indiciam os palestinos e destroem décadas de política exterior estadunidense. Um segundo mandato poderia permitir esforços de Israel para avançar ainda mais agressivamente, sem nenhuma restrição, disse ao diário The Washington Post Brian Katulis, membro sênior da política exterior dos Estados Unidos no Instituto do Oriente Médio.

“Não creio que o cessar-fogo [em Gaza] seja sua prioridade”, disse James Carafano, um membro do think tank de direita Heritage Foundation, que fez parte da primeira equipe de transição presidencial da administração Trump. “Sua prioridade é a defesa de Israel”, acrescentou Carafano, e provavelmente não limitará Israel de nenhuma maneira em como responde ou ameaça o Irã, o Hezbollah ou o Hamas.

Confira nossa seção especial: Eleições nos EUA

Trump assinou os Acordos de Abraão em 2020, um conjunto de tratados que normalizam as relações entre Israel e quatro estados árabes: Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos. Disse que planeja ampliar os acordos quando voltar à presidência, afirmando que todo o mundo quer estar neles. As tentativas do presidente Joe Biden de ampliar os acordos se estancaram devido à guerra em Gaza, e a Arábia Saudita exige um caminho viável para um estado palestino antes de assinar.

Aliados se preparam para uma redução do apoio dos EUA à Otan

Em seu primeiro mandato, Trump adotou um enfoque mais contraditório com a aliança militar transatlântica Otan, criticando os membros em razão da dependência financeira que possuem em relação aos EUA, conforme afirmou. Sugeriu em campanha que estimularia a Rússia a atacar os países da Otan que não aumentassem seus gastos de defesa e que poderia considerar deixar a aliança de 75 anos originalmente concebida para enfrentar a União Soviética.

Os responsáveis políticos europeus não acreditam que Trump se retire, ainda que seu ex-assessor de segurança nacional John Bolton disse ao The Post que nunca perdeu a esperança de sair. Mas poucos pensam que manterá o status quo. Trump pediu que se reavaliasse o propósito e a missão da Otan. Enquanto isso, em Bruxelas, os membros da aliança modificaram silenciosamente a organização assinando promessas de defesa por uma década, aumentando seus gastos em defesa e preparando uma estratégia sobre como adaptar o grupo a um cético na Casa Branca.

Europa se preocupa com a ajuda à Ucrânia e possíveis concessões à Rússia

Tanto Trump como seu vice-presidente que entra, o senador JD Vance, de Ohio, expressaram um profundo ceticismo quanto à ajuda financeira dos Estados Unidos à Ucrânia. “Cada vez que [o presidente ucraniano Volodymyr] Zelensky vem a este país, leva 60 bilhões de dólares: é o melhor vendedor da história”, disse Trump este ano. Washington deu mais de 64 bilhões de dólares em ajuda militar desde o início da operação russa, em 2022, quando começou a maior guerra terrestre no continente europeu desde 1945. Já a União Europeia e o Reino Unido deram juntos cerca de 57 bilhões de dólares. A ajuda econômica e humanitária eleva ainda mais as contribuições.

No entanto, em particular, muitos no governo de Zelensky preveem aumento dos aportes financeiros com Trump, queixando-se de que a atual Casa Branca é demasiado cautelosa para evitar a escalada com a Rússia e que seus pedidos de armas mais poderosas e restrições mais permissivas a seu uso se atrasaram ou foram rejeitados. Alguns admitiram, no entanto, que se preocupam com a possibilidade de Trump pressionar a Ucrânia para fazer concessões territoriais, questão à qual a administração de Zelensky é firmemente contra e impulsionaria novas divisões na Europa.

Trump também se jactou de poder resolver o conflito, que agora enfrenta seu terceiro ano, antes de assumir o cargo em 20 de janeiro. Não deu nenhum plano detalhado. O Kremlin permaneceu alheio quanto a quem quer na Casa Branca, mas os meios de comunicação estatais russos foram esmagadoramente elogiosos a Trump, que promoveu uma relação muito boa com o presidente russo Vladimir Putin e pode ter falado com ele até sete vezes desde que deixou o cargo.

Ainda assim, os observadores indicam que a Rússia sentiu que não ganhou muito com a administração anterior Trump, que marcou o início de uma série de duras sanções contra Moscou e disputas pelo oleoduto Nord Stream.

Normas democráticas poderiam ser desafiadas

Durante a campanha, Trump continuou elogiando ditadores e zombando abertamente das normas democráticas, sugerindo que os militares poderiam ser utilizados em solo estadunidense contra aqueles que ele chama de “inimigos internos”. Sua retórica, que inclui ameaças à imprensa livre e ações prévias como a retirada do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, poderia ter um efeito terrível a nível internacional, com a liberdade global em declínio em todo o mundo, dizem os especialistas.

Rachel Beatty Riedl, diretora do Centro para a Democracia Global da Universidade de Cornell, advertiu que uma segunda presidência de Trump provavelmente daria coragem e apoio aos líderes autocráticos, indicando suas relações com o primeiro-ministro nada liberal da Hungria, Viktor Orban, que cooptou os tribunais, e com Putin, que alguns acusam de silenciar críticos e manter o controle do poder por meio de supostas pseudo-eleições. Trump costuma propagandear sua capacidade de forjar relações como uma força.

À medida que Pequim se torna cada vez mais enfático em suas palavras e ações em relação a Taiwan, Russell Hsiao, diretor-executivo do Global Taiwan Institute, mostrou declarações de Trump este ano que suscitam dúvidas sobre sua vontade de chegar à defesa da democracia da ilha e sua enganosa afirmação de que Taipei precisa pagar aos Estados Unidos pela defesa.

Trump, que elogiou o norte-coreano Kim Jong Un, fez comentários similares de que a Coreia do Sul deveria pagar pela defesa estadunidense contra uma Pyongyang nuclearizada, o que despertou preocupação em Seul.

EUA poderiam voltar a retirar-se do acordo climático global

Os políticos que buscam fazer frente à mudança climática a nível mundial, já que o calor extremo pode tornar inabitáveis partes da Ásia e da África em algumas décadas, temem que os esforços possam se estagnar com Trump. O republicano zombou da mudança climática, considerando-a um engano, e retrocedeu ou eliminou mais de 100 resoluções projetadas para proteger a terra, o ar e a água dos Estados Unidos na última vez em que foi presidente. Desta vez, Trump comprometeu-se a reverter imediatamente dezenas de regras e políticas ambientais de Biden e deter a promulgação de novas, além de pediu aos diretores gerais petroleiros que investissem um bilhão de dólares em sua campanha.

Palestina e eleições nos EUA: o papel “democrata”, da Nakba ao genocídio televisionado em Gaza

Em um documento de campanha, Trump comprometeu-se a sair uma vez mais do histórico acordo climático de Paris, o principal foro para que as nações se dirijam ao planeta que se aquece, argumentando que supunha uma carga injusta para os Estados Unidos. Sua retirada do acordo para a redução das emissões de carbono causou alarme mundial entre cientistas e especialistas climáticos. Biden se reincorporou depois de sua eleição em 2020.

China se prepara para o aumento do conflito pelo comércio

Para um segundo mandato, Trump ameaçou intensificar os ataques econômicos a Pequim e está considerando medidas que provavelmente desencadeariam uma guerra comercial global. Trump lançou publicamente a ideia de promulgar uma taxa de 10 a 20% em quase todas as importações, além de discutir em particular um aumento significativo de taxas sobre as importações chinesas de até 60%.

Economistas de ambos os partidos dizem que isto poderia impulsionar enormes disrupções nas economias dos Estados Unidos e do mundo, superando várias vezes o impacto das guerras comerciais no primeiro mandato de Trump. Os defensores do enfoque de Trump dizem que as taxas podem ajudar a devolver os empregos manufatureiros aos Estados Unidos, mas no passado, alguns especialistas descobriram que resultaram em perdas líquidas de empregos.

Uma análise do Peterson Institute for International Economics indicou que seu plano poderia custar à família estadunidense média mais de 2.600 dólares ao ano. Wu Xinbo, diretor do Centro de Estudos Americanos da Universidade de Fudan, disse que tais movimentos prejudicariam os laços comerciais entre os dois países. Na China, as taxas elevadas poderiam resultar em exportações reduzidas, aumento do desemprego, desaceleração do crescimento econômico, redução do PIB e moeda chinesa mais fraca. Também aumentariam as opiniões negativas sobre os EUA entre o público chinês.

América Latina desconfia da possível maior deportação da história

Como as pesquisas mostraram os votantes desaprovando amplamente o manejo da fronteira com o México por parte da administração Biden, assegurá-la foi central na campanha de Trump, que atacou repetidamente os imigrantes. Propôs agressivamente políticas para limitar a imigração legal em seu primeiro mandato e sua plataforma de 2024 indica que voltaria a fazê-lo. Durante a campanha, Trump prometeu levar a cabo a maior operação de deportação na história dos Estados Unidos. As autoridades estadunidenses carecem da capacidade de deter e deportar milhões de imigrantes, mas Trump disse que usará tropas da Guarda Nacional.

De volta à Casa Branca, Trump vai dizimar obstáculos para garantir reinado sem limites

Os Estados Unidos e o México, em particular, poderiam sentir efeitos devastadores como resultado de deportações massivas, segundo um artigo escrito em parte por pesquisadores do Centro de Integração e Desenvolvimento da América do Norte na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. O documento indica que os dois países são altamente interdependentes devido à intensa migração, às remessas e às relações comerciais.

Justo antes das eleições, Trump disse que imporia taxas ao México, o maior sócio comercial dos Estados Unidos no ano passado, de entre 25 e 100%, a menos que o México tome mais medidas para deter a emigração para o norte.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Annabelle Timsit
Kelsey Ables
Adela Suliman

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