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George Kent | Os benefícios da fome no mundo

A maioria das pessoas trabalha pela comida; é principalmente porque as pessoas precisam de alimentos para sobreviver que trabalham tão duro
George Kent
Onu News
Bruxelas

Tradução:

Às vezes falamos da fome no mundo como se fosse um flagelo que todos queremos ver abolido, comparando-o com a peste ou a aids. Mas esta visão ingênua nos impede de compreender o que provoca e mantem a fome. A fome tem um grande valor positivo para muitas pessoas. De fato, é fundamental para o funcionamento da economia mundial. As pessoas famintas são as mais produtivas, especialmente onde há necessidade de mão de obra.

Nós, nos países desenvolvidos, às vezes vemos gente pobre à beira da estrada erguendo cartazes que dizem “Trabalhará em troca de comida”. Na realidade, a maioria das pessoas trabalha pela comida. É principalmente porque as pessoas precisam de alimentos para sobreviver que trabalham tão duro, mesmo que produzindo alimentos para si mesmas na produção em nível de subsistência, ou vendendo seus serviços a outros em troca de dinheiro. Quantos de nós venderíamos nossos serviços se não fosse pela ameaça da fome?

Mais importante ainda, quantos de nós venderíamos nossos serviços tão barato se não fosse pela ameaça da fome? Quando vendemos nossos serviços por um preço baixo, enriquecemos outros, aqueles que são donos das fábricas, das máquinas e das terras e, em última instância, das pessoas que trabalham para eles. Para aqueles que dependem da disponibilidade de mão de obra barata, a fome é a base de sua riqueza.

A maioria das pessoas trabalha pela comida; é principalmente porque as pessoas precisam de alimentos para sobreviver que trabalham tão duro

PxHere
Talvez a maioria das pessoas que trabalham sejam escravas da fome?

O pensamento convencional é que a fome é causada por trabalhos mal pagos. Por exemplo, um artigo informa sobre “Os escravos do etanol do Brasil: 200.000 cortadores de cana migrantes que impulsionam o auge das energias renováveis”. Embora seja correto que a fome é causada por trabalhos mal pagos, devemos entender que a fome ao mesmo tempo causa postos de trabalho mal pagos para ser gerada. Quem teria estabelecido operações massivas de produção de biocombustíveis no Brasil se não soubesse que havia milhares de pessoas famintas suficientemente desesperadas para aceitar os horríveis trabalhos que ofereceriam? Quem construiria qualquer tipo de fábrica se não soubesse que muitas pessoas estariam disponíveis para aceitar trabalhar por salários baixos?

Grande parte da literatura sobre a fome fala da importância de assegurar que as pessoas estejam bem alimentadas para que possam ser mais produtivas. Isso é uma bobagem. Ninguém trabalha mais duro do que as pessoas com fome. Sim, as pessoas bem alimentadas têm uma maior capacidade para a atividade física produtiva, mas as pessoas bem alimentadas estão muito menos dispostas a realizar tal trabalho.

A organização não governamental Free the Slaves define os escravos como pessoas que não podem abandonar seus trabalhos. Calcula-se que há cerca de 27 milhões de escravos no mundo, incluindo aqueles que estão literalmente presos em salas de trabalho e retidos como trabalhadores em condições de servidão no Sul da Ásia. No entanto, não incluem as pessoas que poderiam ser descritas como escravas da fome, isto é, aquelas que podem deixar seus trabalhos mas não têm nada melhor para fazer. Talvez a maioria das pessoas que trabalham sejam escravas da fome?

Para aqueles de nós no topo da escala social, acabar com a fome em nível mundial seria um desastre. Se não houvesse fome no mundo, quem araria os campos? Quem colheria nossas verduras? Quem trabalharia nas fábricas de processamento? Quem limparia nossos banheiros? Teríamos que produzir nossa própria comida e limpar nossos próprios banheiros. Não é de estranhar que as pessoas do topo não se apressem em resolver o problema da fome. Para muitos de nós, a fome não é um problema, mas uma vantagem.

George Kent é professor no Departamento de Ciências Políticas da Universidade do Havaí. Trabalha em temas de direitos humanos, relações internacionais, paz, desenvolvimento e meio ambiente, com um enfoque especial em nutrição e infância. Escreveu vários livros; o último é Freedom from Want: The Human Right to Adequate Food.
Publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Tradução de Ana Corbisier.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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