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João Vicente Goulart, Trajano Ribeiro e Daniel Cunha*
Existe uma contenção natural no ato de criticar alguém que mesmo hipoteticamente está reconhecendo um erro. O jornal O GLOBO no editorial do dia 01 de setembro de 2013 abre a semana que antecede a comemoração do dia da independência admitindo que cometeu um erro ao apoiar o golpe militar de 1964 sem, contudo proceder com isenção e explicar ao país de que modo errou e atentou contra a soberania nacional.
Se for um pedido de desculpas à nação, carece de sinceridade e humildade inerentes àqueles que de fato reconhecem que erraram. O reconhecimento de um erro por qualquer pessoa é um fato louvável quando possui conteúdo. Dá para recriar alguns chavões típicos das manifestações: “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” e por aí vai. Grande parte ou a maioria de nós recusaria tal ato de penitência pobre em substância.
As Organizações Globo continuam a ignorar o que a desclassificação de documentos pelo Departamento de Estado Norte Americano está revelando acerca da amplitude do patrocínio externo na ruptura da ordem constitucional e interna brasileira. Os documentos desclassificados demonstram que o presidente Kennedy tinha pleno conhecimento de que o comunismo no Brasil era inexpressivo, mas que a bandeira de combate ao comunismo seria usada para atacar os nacionalistas e derrubar o governo Jango.
O editorial do jeito que foi construído é antes de nada uma tentativa de justificar o erro para resgate de imagem comercial do que uma tentativa honesta de dar credibilidade aos compromissos inerentes à profissão dos jornalistas de levar informação em vez de propaganda ao público.
Justificar o erro apontando o dedo para outros meios de comunicação dizendo que eles também erraram agrava a postura adotada pelo O GLOBO, pois revela a falta de compromisso com seu ato de penitência e cria uma espécie de abaixo-assinado pró- golpe sem consulta aos demais jornais citados, a saber: “O Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo”, Jornal do Brasil” e Correio da Manhã”.
Esta é uma das desinformações contidas no editorial. O que será que os outros jornais têm a dizer sobre isso? Pode-se duvidar até da boa fé do editorial quando as Organizações Globo omitem diversos fatos hoje notórios: que o citado cabo Anselmo era agente da CIA, que as manifestações populares citadas foram organizadas por um capelão norte americano, o Padre Peyton, que foram produzidos 200 filmes de propaganda pró-golpe militar entre 1962 e 1964 com financiamento da CIA, que quase duzentos parlamentares tiveram sua eleição financiada pela CIA em 1962, que a quarta frota americana estava na costa brasileira e outras inúmeras omissões contidas no cerne do artigo.
O Instituto Presidente João Goulart vai entregar a Comissão Nacional da Verdade a cópia integral da CPI do IBAD de 1963 presidida pelo falecido Deputado Ulisses Guimarães. Por força do conteúdo dos documentos liberados pelo Congresso Nacional, estima-se que 85% (oitenta e cinco) da imprensa estava comprometida com a propaganda pró-golpe financiada pela agência norte americana (CIA).
A desinformação fica mais evidente com a ausência de explicações sobre o erro, uma vez que o editorial é uma defesa da postura adotada pelo jornal o GLOBO!
Pergunta-se porque foi errado apoiar o golpe? Onde está o erro?
Da leitura do editorial, as Organizações Globo justificam a adesão ao golpe por conta de sua adesão na divisão ideológica: “No Brasil, ela (a Guerra Fria) era aguçada e aprofundada pela radicalização de João Goulart, iniciada tão logo conseguiu, em janeiro de 1963, por meio de plebiscito, revogar o parlamentarismo.”
O governo de João Goulart tinha uma agenda de modernização do país. Jango reuniu um ministério de notáveis e as justificativas do editorial distorcem a dinâmica da História, uma vez que a decisão norte americana de derrubar o governo Jango mediante o golpe foi tomada pela Casa Branca em janeiro de 1962, um ano antes do plebiscito de 1963.
O fato é que se pode constatar que as manifestações de rua tiraram as Organizações Globo da zona de conforto em defesa do “status quo” criado pelo golpe militar. A própria Rede Globo ao divulgar o conteúdo das entrevistas do ex-agente norte americano Snowden mostra a verdadeira face da potência hegemônica que atualmente justifica a espionagem com base na prevenção do terrorismo, quando na verdade busca vantagens comerciais.
As Organizações Globo ao admitirem um erro precisam entender qual foi este erro. Um exemplo da necessidade de reflexão é perceber que o Brasil por conta do golpe militar de 1961 e dos poderes conferidos ao primeiro ministro do parlamentarismo, perdeu um acordo de cooperação econômica assinado em Pequim. Acordo que os Estados Unidos reeditou dez anos depois e que cujo volume assombroso explica e dimensiona parte das perdas resultantes da ditadura militar sob a batuta norte americana! Perdemos o privilégio de fornecer produtos para um mercado de 800 milhões de consumidores.
Talvez o maior contrato comercial da História humana até Nixon visitar a China, até hoje a nação mais favorecida no comércio bilateral com os Estados Unidos. Este fato, por si, lança luz sobre o desprezo contido nas correspondências diplomáticas chinesas acerca do Brasil, repercutindo a opinião de De Gaulle sobre o país após o golpe militar: Este país não é sério!
A verdade é que, historicamente, o presidente João Goulart propôs uma agenda nacional e uma reforma capitalista. O governo brasileiro foi impedido de transformar o Brasil na 4ª. Potência mundial e o papel do Estadista João Goulart deverá ser reconhecido, pois o mesmo evitou o principal objetivo estratégico norte americano em 01 de abril de 1964, uma guerra civil e sangrenta que dividiria este país continental que possui a vocação para liderar a América Latina e estabelecer profundos laços com o continente africano. O editorial divulgado pelas Organizações Globo carece de humildade para explicar o ERRO. Sem dúvida apoiar o golpe foi um ERRO, mas continua errando ao tentar justificar tal apoio promovendo a desinformação.
As Organizações Globo precisam entender que a máxima do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels de que “Uma mentira repetida mil vezes se torna verdade!” perde força neste novo milênio. A Era da Informação está despindo o esquema profetizado pelo autor de 1984, George Orwell, onde “A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa!”
O pior é que passaram quase 50 anos e o editorial não tem uma sugestão séria de arrependimento. Este golpe militar patrocinado pelos Estados Unidos e apoiado pelas Organizações Globo cassou as medalhas ganhas em combate por um herói legalista da 2ª. guerra e treinou milhares de torturadores com o apoio de agentes da CIA. Para aqueles que como Simon Wiesenthal se perguntam até onde vai os “limites do perdão” é duro não se precaver como fez o caçador de nazistas, e não desconfiar destes gigantes corporativos da mídia que à beira da morte, agonizam diante do poder da internet.
E agora, José?
A nossa sociedade evoluiu e espera de nós atitudes coerentes com nossa história, com nossas posturas políticas, com a inflexibilidade de caráter que levou Jango a colocar o Brasil na frente de seus interesses pessoais, levando-o ao exílio e a sacrifícios pessoais que a saudade da pátria lhe impunha na vida do desterro, na morte ainda suspeita, mas acima de tudo na unidade do povo brasileiro.
Não somos os mesmos, nem a Globo é. Mas está na hora da reconciliação com a história e diante desta súbita manifestação de reconhecimento do erro histórico, esperamos nos novos editoriais desse jornal uma postura mais digna e respeitosa para com aqueles que lutaram pela liberdade, pela legalidade, pela democracia e tombaram no caminho da luta contra a ditadura.
O país é outro e deve avançar com a reforma do Estado brasileiro, nos trilhos democráticos e de conquistas sociais que há 50 anos esperamos e não mais podemos esconder.
*Instituto Presidente João Goulart.