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Google patrocinou sites de Fake News, mas se diz defensor do jornalismo para atacar PL 2630

Alvo da crítica é todo o PL, mas em particular o artigo 38 que obriga plataformas a remunerarem empresas jornalísticas pelo uso de seus conteúdos
Renata Mielli
Mídia Ninja
São Paulo (SP)

Tradução:

E segue o vale tudo para tentar colocar a sociedade contra o projeto de Lei 2630, que cria dispositivos de regulação de plataformas como Google, Youtube, Facebook e outras.

O ataque da vez vem do Google. Os milhões de brasileiros que acessaram o site do Google Brasil se depararam com o seguinte link: Saiba como o projeto de lei 2630 pode obrigar o Google a financiar notícias falsas.

Com fake news, Google e Facebook tentam barrar lei que regula atividade de big techs

Ao clicar no link, o internauta era direcionado para uma página do Blog do Google Brasil, onde está um conteúdo assinado pelo seu presidente, Fábio Coelho, argumentando que o PL 2630 “pode acabar promovendo mais notícias falsas no Brasil, e não menos”.

O alvo da crítica é todo o PL, mas em particular o artigo 38 que cria uma obrigação para que as plataformas remunerem as empresas jornalísticas pelo uso de seus conteúdos.

O artigo é polêmico, mas a despeito disso o que é preciso esclarecer em primeiro lugar é o fato de que, na verdade, o Google, não precisa de lei nenhuma para “financiar notícias falsas”.

Ele já é um dos maiores financiadores da desinformação através de anúncios do Google Adsense. Sobre este fato, não há sequer uma linha no texto do presidente do Google Brasil.

Alvo da crítica é todo o PL, mas em particular o artigo 38 que obriga plataformas a remunerarem empresas jornalísticas pelo uso de seus conteúdos

Captura de Tela
Google usa sua dominância de mercado para estampar em sua home desinformação sobre o PL 2630 e tentar interferir no debate regulatório

Anúncios via Google Adsense, o pote de ouro da desinformação

O modelo de negócios das Big Techs, e particularmente das plataformas da empresa Alphabet – dona do Google, baseia-se na escala gerada por viralização orgânica ou patrocinada, determinada por palavras chaves, que alimentam um sistema online de leilões de publicidade para direcionar conteúdo de forma segmentada, com base no perfil de cada usuário, e maximizar a monetização da plataforma e do canal/página que recebe o anúncio.

Esse mecanismo gera distorções no debate público, porque favorece sites e páginas que publicam seus conteúdos a partir da busca de cliques, usando manchetes, fotos, leads e recursos chamativos, que abusam de elementos morais/emocionais, que buscam capturar a atenção do internauta por choque, reflexo e gerar um clique, compartilhamento ou reação ao conteúdo.

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Dessa forma, o Google através de seus anúncios publicitários via o sistema Google Adsense despeja milhões de reais em sites como Terça Livre – suspenso pela Justiça brasileira – Jornal da Cidade Online e muitos outros.

Além disso, existem estratégias de publicação de conteúdos que modulam os mecanismos de funcionamento de seus algoritmos de indexação de resultados de busca, definidos pelo Search Engine Optimization (SEO), para beneficiar a disseminação de contéudos de desinformação. Isso para não falar dos algoritmos de de recomendação de conteúdos no caso do YouTube.

A pesquisa Follow the Money: How the Online Advertising Ecosystem Funds COVID-19 Junk News and Disinformation, publicada em 2020 pela Universidade de Oxford [1] mostra como o sistema de publicidade e de indexação do Google geraram receita para sites de desinformação sobre a pandemia e contribuíram para dar mais visibilidade aos seus conteúdos. “A plataforma de publicidade mais popular em ambos os conjuntos [jornalismo profissional e conteúdo tóxico e de desinformação] foi o Google. Mais da metade dos anúncios em sites profissionais e de conteúdo tóxico e desinformação são fornecidos pelo Google: 59% dos domínios de notícias profissionais e 61% dos domínios de notícias tóxicas e desinformação usaram anúncios do Google”.

Aqui no Brasil, o Google tem gerado receita para os sites de desinformação através do Google Adsense e também intermediando as receitas de publicidade do governo. Reportagem de agosto de 2020 publicada pelo The Intercept Brasil mostrou como o governo Bolsonaro entregou mais de R$ 11 milhões ao Google de sua verba de publicidade para a plataforma transformar em anúncios que foram parar em sites de extrema direita e de propagação de desinformação. Parte considerável desse dinheiro – até 68%, segundo o próprio Google – vai parar no bolso dos editores dos sites que os veiculam pelo sistema AdSense. “A CPMI das fake news já identificou dois milhões de anúncios publicitários do governo que foram parar em site de “conteúdo inadequado” por meio do AdSense. Dezenas de sites de fake news foram beneficiados com esse dinheiro”, diz a reportagem.

A CPMI das Fake News apontou que entre os que receberam recursos de publicidade com anúncios do governo federal feitos pelos Adsense estava o canal no Youtube “Terça Livre”, do blogueiro Allan dos Santos.

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Outra reportagem que abordou o tema foi da agência de checagem Aos Fatos, mostrado como alguns sites lucraram com desinformação durante a pandemia.

O Google usar o seu poder econômico para publicar anúncios em jornais de todo o Brasil, e sua dominância de mercado para estampar na sua home uma desinformação sobre o PL 2630 e tentar interferir no debate regulatório brasileiro é gravíssimo.

Mas e o PL 2630 e seu artigo 38?

Como dito no início, o artigo 38 do Projeto de Lei tem sido um dos mais polêmicos desde que apareceu pela primeira vez em uma das versões do relatório do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). O propósito do dispositivo, de acordo com o parlamentar, é exatamente o de fortalecer o jornalismo e valorizar o conteúdo jornalístico, numa perspectiva de que a melhor maneira de combater a desinformação é oferecer para a sociedade mais informação de qualidade.

Austrália, Espanha, França, Canadá e outros países vem criando leis para que as plataformas remunerem o jornalismo. O debate é fundamental, uma vez que a publicidade que financiava a mídia antes dessas empresas terem assumido a dominância de mercado que elas possuem, migrou massivamente para as Big Techs. É fundamental reequilibrar essa assimetria de mercado para valorizar a produção de conteúdo jornalístico.

Então, qual a polêmica em torno do artigo? A questão é que no Brasil não existe uma regulamentação da atividade jornalística, e sem uma definição do que é um veículo jornalístico ou um conteúdo jornalístico a aplicação desse dispositivo, além de bastante frágil, pode trazer mais concentração de mercado, remunerando apenas os grandes e tradicionais meios de comunicação – como Globo, Record, SBT, Folha de São Paulo, O Globo, Estadão etc – e prejudicando todo um conjunto de veículos pequenos e médios, nativos digitais ou não.

Além disso, detalhes necessários sobre como será o processo de remuneração, como garantir que não só a empresa, mas o jornalista autor do conteúdo seja remunerado, como trazer transparência para impedir as assimetrias citadas acima não são possíveis de serem feitas dentro de um projeto de lei que tem um escopo por si só complexo e que não tem o objetivo de tratar de forma específica desse tema.

Mas, é importante reconhecer que a nova versão do relatório apresentada nesta semana pelo deputado, incorporou novos incisos para detalhar um pouco mais o artigo, trazendo salvaguardas para deixar mais explícito o seu objetivo. Todas as questões que trazem insegurança com relação a este artigo foram resolvidas? Não. Mas, não há nada no artigo que vá obrigar o Google a financiar site de desinformação. Esse é um argumento de má fé, para colocar a sociedade contra o projeto e tirar o foco do motivo real pelo qual o Google e Cia. estão nessa campanha para tentar impedir a sua aprovação: que é o fato de o PL avançar, como poucos países fizeram, em obrigações de transparência sobre a atividade dessas plataformas, e tantos outros comandos que vão, ainda que de forma muito inicial, impor regras e acabar com a discricionariedade e a falta de compromisso com o interesse público que estas empresas demonstram.

[1] Pequisa publicada pelo The Computational Propaganda Project (COMPROP), which is based at the Oxford Internet Institute, University of Oxford.

Renata Mielli é jornalista.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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