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Governo chileno corta bolsas e coloca em xeque permanência de estudantes no exterior

Ficou demonstrado o pouco compromisso das autoridades governamentais com o desenvolvimento, a inovação e o progresso do Chile
Coletivo Ideia Chile
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Assim como aconteceu no Brasil com os cortes em bolsas de estudo e no Equador, com o corte de 100 milhões de dólares para universidades “devido à pandemia”, no Chile, o Ministério de Ciências, Tecnologia, Conhecimento e Inovação “celebra” seu primeiro ano de vida com cortes de programas e suspensão de benefícios para pesquisadores e pesquisadoras. 

A pasta quer encerrar programas de especialização internacional, deixando sem benefícios bolsistas no exterior. O governo chileno assume uma irresponsável política em relação à pesquisa nacional. O Ministério, que deveria ser um estimulador da pesquisa nacional, parece estar mais focado em fazer alarde de suas mínimas políticas e empenhado em reduzir os investimentos em formação humana em seus primeiros níveis.

Este ano, em 27 de abril, o Ministério de Ciência, Tecnologia, Conhecimento e Inovação decidiu encerrar diversos programas públicos de especialização, como Bolsas Chile —programa de bolsas para que residentes no Chile, de todas as áreas de conhecimento, possam fazer uma pós-graduação no estrangeiro.

Ficou demonstrado o pouco compromisso das autoridades governamentais com o desenvolvimento, a inovação e o progresso do Chile

Wikimedia Commons
Antes tínhamos bolsas e não Ministério, agora temos Ministério e não temos bolsas.

Além disso, suspendeu também outros projetos, como os programas de pesquisa associativa e pesquisa aplicada à indústria. O encerramento destas iniciativas implicou no corte de 26 bilhões de pesos (R$ 183,6 milhões), reorientando-se estes recursos para “programas sociais e saúde”, segundo informou o Ministério em um comunicado. 

Nos meses seguintes, foi possível observar o Governo do Chile adquirir armamento policial e câmaras de vigilância pagando por eles grandes somas de dinheiro, enquanto durante o tempo de pandemia atribuiu-se um pequeno fundo de 2,3 bilhões de pesos para pesquisa sobre a Covid-19, o que constitui apenas 8% dos cortes nos programas de estudo. 

Durante os meses de pandemia, foi solicitado, formalmente, por meio de recursos de parlamentares (ofícios), uma prestação de contas ao Ministério sobre os montantes cortados. Desta instituição não se soube, até hoje em que foram gastos os recursos cortados. 

Bolsistas no exterior

Por outro lado, os bolsistas de doutorado no estrangeiro que, devido às dificuldades decorrentes da pandemia, não puderam terminar suas teses devido ao fechamento de laboratórios, de universidades e falecimento de alguns orientadores, estão à beira da perda do financiamento, já que seus convênios com ANID terminavam em setembro. 

Nesse sentido, segundo Adrián Oyaneder, porta voz dos Bolsistas Afetados no Estrangeiro, “desde maio deste ano, fizemos saber às autoridades pertinentes as dificuldades que enfrentamos como bolsistas afetados pela pandemia e pelas medidas de confinamento tomadas em cada país. Diante disso, foi-nos dito que seriam buscados mecanismos para dar-nos extensões. O tom das autoridades sempre foi de relativa boa vontade, mas, na semana passada, soubemos que não haveria extensões. No fundo, jogaram com nosso tempo; esperamos seis meses e nada do que foi prometido foi cumprido. Desde agosto muitos bolsistas já estão sem benefícios, pois a bolsa cobre até 48 meses de estudo; isso causou grandes dificuldades, pois devemos pagar elementos básicos, como aluguéis e alimentação”. 

Ele completa ainda que “também, ao não dispor de suporte econômico, nossa possibilidade de solicitar extensão de vistos também fica particularmente dificultada, dado que a única forma de obtê-la é mediante a demonstração de recursos suficientes para auto sustentar-se. Muitos bolsistas são o sustento econômico de suas famílias no estrangeiro, o que significa que, para alguns, esta situação é ainda mais crítica. Nos sentimos enganados, e consideramos que a postura de total hermetismo assumida pela Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento e pelo Ministério da Ciência é, sem dúvida, desumana: não querem ouvir nem saber do nosso desespero. Já estamos em outubro e, com o passar dos dias, mais bolsistas serão confrontados com a difícil situação de não ter bolsa. Este problema migratório e econômico irá se expandir de uma ou outra forma, como um vírus que, diferentemente da Covid-19 poderia ter sido controlado e erradicado a tempo”.

1 ano e nada a comemorar

Referindo-nos a estas duas problemáticas, na mesma semana em que o Ministério de Ciências nacional comemora um ano de existência, este anuncia tanto o encerramento do programa Bolsas Chile em 2021 como a negativa de prorrogar por seis meses as bolsas no estrangeiro. E anuncia, ainda, uma redução de 1 bilhão de pesos no financiamento de programas de pós graduação nacionais. 

Estes cortes contrastam, por outro lado, com notícias de aumento de orçamento nas pastas de segurança, compra de armamento policial e gastos desnecessários em tempos de pandemia.  A situação coincide com o caso equatoriano, onde foram aumentados em cerca de 100 milhões em 2019 os gastos com Defesa. 

Esta situação é grave, pois evidencia a mínima prioridade dos governos de direita da região com relação à formação humana em seus diversos níveis. Neste sentido, apesar da crise de direitos humanos que o país enfrentou, o governo decide manter sua agenda repressiva: O projeto de Lei de Orçamento para 2021 considera recursos de 1,766 trilhões para o Ministério do Interior, financiando instituições e iniciativas encarregadas de garantir segurança e proteção às famílias chilenas. 

Entre as iniciativas priorizadas que foram consideradas estão os planos de investimento em ambas polícias (Polícia de Investigações e Carabineiros do Chile), que incluem a renovação de 390 furgões policiais e 18 projetos que continuam em execução, como o Laboratório de Criminalística na Polícia de Investigações. Adicionalmente, foram considerados mais de 30,744 bilhões de pesos para investimento em infraestrutura nos quartéis policiais.

Sem dúvida que um descaso em formação humana reduz as possibilidades de muitos pesquisadores e pesquisadoras contribuírem em áreas de especialização que não existem no país e em benefício da mudança social, apoiando políticas públicas que estão defasadas com relação às convenções e tratados internacionais (em matéria, por exemplo, de sustentabilidade, interculturalidade ou igualdade de gênero). Torna-se necessário relevar a importância da formação humana para o desenvolvimento dos países e a consciência crítica das sociedades, assim como seu desenvolvimento científico e tecnológico. 

Ficou demonstrado o pouco compromisso das autoridades governamentais com o desenvolvimento, a inovação e o progresso do Chile, mediante o abandono do potencial humano especializado. Antes tínhamos bolsas e não Ministério, agora temos Ministério e não temos bolsas. 

Coletivo Ideia Chile (Em Campanha “Contra o corte”)

Tradução de Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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