A Guatemala é um país em plena destruição: suas instituições, cooptadas pelas máfias; sua infraestrutura, abandonada com fins de privatização; seu patrimônio natural, entregue à agroindústria, à mineração, e as hidroelétricas sem respeito pelas consultas às populações afetadas; suas crianças e adolescentes condenados a uma vida de fome e privações; suas fronteiras administrados pelo narcotráfico; e suas instâncias jurídicas, políticas e empresariais afundadas na corrupção mais abjeta. Poucos países caíram tão fundo em tão breve tempo.
Quando finalmente a tolerância cidadã terminou por colapsar impulsionando os guatemaltecos a sair às ruas para manifestar seu repúdio pelas aberrações cometidos por seus representante no Congresso orquestradas pelo presidente e seu círculo imediato – todo o aparato repressivo se pôs em marcha para esmagar esta primeira tentativa de exercício cidadão. Premunidos de toda classe de recursos para deixar bem clara sua intenção de chegar até as últimas consequências, a polícia e os agentes antimotins não tiveram o menor reparo em agredir a manifestantes pacíficos com uma violência excessiva e totalmente injustificada.
elnorte.com
Manifestantes ocupam e incendeiam Congresso da Guatemala em protesto contra presidente Alejandro Giammattei.
Tal como tem acontecido em outros países, o governo guatemalteco utilizou os estratagemas já conhecidos de infiltrar seus membros das forças de segurança para cometer atos de vandalismo e imputá-los aos manifestantes. Ainda que seja inegável a possibilidade de que alguns grupos tenham se excedido em sua maneira de agir, resulta mais que óbvio que fatos maiores – como a queima do edifício do Congresso – já haviam sido planejados desde os setores oficiais. Tudo isto acompanhado pelo coro obediente de alguns adeptos, que começaram de imediato a condenar em redes sociais a vandalização do patrimônio como se a destruição de um edifício tivesse maior relevância que a de sua institucionalidade e da vida de seus habitantes.
O presidente da Guatemala já havia enfrentado um processo por execução extrajudicial. Salvou-se pela vontade de um sistema judicial corrupto, assim como se salvaram de condenações outros atores políticos e empresários capazes de financiar generosamente sua impunidade. No entanto, sua débil natureza e sua dívida com seus financiadores na cúpula empresarial, o induzem a agir como um pequeno ditador, sem reparo algum em violar o marco constitucional com o único objetivo de desfrutar um poder que não lhe corresponde, já que o povo lhe manifestou seu rechaço de maneira explícita.
Este presidente sofre de um medo patológico. Não há outra explicação para sua conduta irracional. É tal sua incapacidade que tem evitado toda forma de diálogo e consenso, continuando de maneira descarada uma rota de decisões erráticas e o aproveitamento de seu poder para enriquecer-se pessoalmente e permitir que seu círculo mais próximo utilize o Estado como uma caixa de caudais à sua disposição. Diante dessa realidade, era lógico que a cidadania agisse para exigir o veto a um orçamento da Nação orientado para a quebra econômica e moral. Essa exigência foi respondida com um nível de violência policial poucas vezes visto em centros urbanos.
Agora lhe cabe à cidadania pôr as coisas em seu lugar e recuperar os espaços perdidos durante muitos anos de passividade e tolerância. Os argumentos de alguns interessados em deslegitimar os protestos não devem deter o fluxo da história, porque essa porta recém aberta não deve ser fechada até recuperar a democracia perdida.
Só o medo de perder provoca ações tão desesperadas.
*Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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