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Paulo Cannabrava Filho*
De acordo com as regras do jogo, a presidenta Dilma Rousseff foi afastada do governo por um prazo máximo de 180 dias para que o Senado decida sobre seu afastamento ou permanência no poder. Nesse ínterim assume o vice-presidente, Michel Temer, em caráter interino, ou seja, provisório. Se negado o impedimento, ele volta a ser vice e Dilma volta a ser presidenta.
Se é interino, provisório, a presidência interina, pela lógica, não poderia alterar nem a orientação geral impressa pelo governo, nem o número de ministérios e seus ministros, posto que ao regressar, a presidenta teria de encontrar as coisas como deixou. É como quando ela viaja para o exterior: o vice assume, ela volta e é como se nada tivesse acontecido. Por isso o vice é eleito na mesma chapa que o presidente, para que não haja descontinuidade nas ausências.
Contudo e apesar disso, Temer assumiu e nas primeiras horas, mudou a estrutura ministerial, mudou inclusive algo tão sensível na orientação de um governo como é a política externa. Atua como se fosse um novo governo. Ignora a possibilidade real e constitucional de que Dilma possa reassumir o posto para o qual foi eleita. Se não é golpe como diz o agora chanceler José Serra, por exemplo, ele não deveria assumir, nem mudar a linha no ministério das Relações Exteriores a não ser depois de concluído o processo de impedimento.
Dilma disse reiteradas vezes que lutará até o fim para provar sua inocência, por ter certeza de ter sido vítima de uma armação jurídico-parlamentar. E não está sozinha nessa interpretação. Organismos multinacionais, organizações relacionadas com o Direito e com Direitos Humanos, jurisconsultos e expressivos meios de comunicação conservadores dão razão à nossa presidenta e estão preocupados com a insegurança jurídica institucionalizada no Brasil. Não é por menos, insegurança jurídica destrói uma democracia.
O governo Temer, atua como um novo governo porque encara como definitivo o afastamento da presidenta. Criou um fato jurídico e administrativo novo. Passou por cima das leis e da própria Constituição que jurou respeitar.
O que há de novo?
Atua como um novo governo, porém, será de fato novo?
O que fica claro é que se trata de uma briga mesquinha por poder. Isto não está bem porque não sou eu quem está lá. Nepotismo, corrupção, revanchismo e servilismo caracterizam a equipe do governo Temer e todo os que participam da armação jurídico-parlamentar para afastar Dilma e o PT do governo. O servilismo é dos que querem regressar a política de obediência aos interesses dos Estados Unidos e das transnacionais.
O WikiLeaks denunciou que Temer foi informante de Washington. Esse site não inventa nada, eles mostram as trocas de mensagens. É bem provável que o bom relacionamento tenha começado quando Temer foi secretario da Segurança em São Paulo. Aliás, o foi por duas vezes. Em 1984 no governo de Franco Montoro e em 1992 no governo de Fleury Filho. Na primeira, os agentes e militares assessores estadunidenses estavam espalhados por todos os organismos de segurança, policial e militar, por todo o país. Quanta gente nessa área foi aliciada?
E então a gente fica sabendo que a presidenta Dilma firmou com o presidente Obama um acordo de cooperação na área de segurança e militar, envolvendo áreas muito sensíveis. Um verdadeiro atentado à soberania. Não é possível construir um regime estável na América Latina com a presença em massa de agentes desestabilizadores a serviço da expansão da hegemonia de Estados Unidos. Se no aspecto da soberania era ruim com Dilma, muito pior será com Temer e sua equipe.
Sobre isso, leia também: Pra que servem os acordos Dilma / Obama?
Golpe brando
A técnica de golpe brando no lugar de intervenções pela força tem sido adotada após o fracasso das invasões armadas. Honduras em 2009 e Paraguai em 2012 foram ensaios bem-sucedidos. Os processos de Venezuela e Brasil, que são mais complicados, pela complexidade, se prolongam. Mas o papel exercido pelo Judiciário, pelo Legislativo e pela mídia são os mesmos.
O judiciário, até as mais altas instâncias, deixou claro que já tinha um juízo formado, ou seja, prejulgou culpa. Prejulgamento que animou os parlamentares a fazer a festa do impeachment.
Além disso, o Judiciário concedeu liminar proibindo a presidenta de falar à Nação pela televisão. Outra liminar impediu o ex-presidente Lula de assumir a Secretaria do Governo para auxiliar a presidenta no impasse político criado no parlamento. Condução coercitiva e prisão preventiva, pressão para obter delação, também violam a Constituição que garante a presunção da inocência, o segredo de justiça.
Domingo, 17 de abril, dos 513 deputados, 367 aprovaram o impedimento, 137 votaram contra e sete se abstiveram. O mundo, estarrecido, viu o que é a realidade do “baixo clero” que compõe a maioria da Câmara de Deputados. O espetáculo, conduzido por Eduardo Cunha, sabidamente envolvido em desvios de verba e corrupção ativa e passiva, além de liderar a Frente Parlamentar Evangélica. Dos 513, 303 são investigados em uma ou outras das operação da Polícia Federal contra corrupção. Na Comissão Especial que aprovou autorizar o processo de impeachment, 37 dos 65 membros estão sendo investigados. No Senado, na Comissão Especial, oito estão envolvidos. Como convencer quem viu esse espetáculo que se tratava de um processo legal? Retrato vergonhoso de uma republiqueta.
O novo governo. Novo?
O que muda? Pelo visto é mais do mesmo. O governo Temer, longe de ter uma equipe de notáveis como se anunciara, tem um grupo de premiados pelo trabalho realizado em prol da derrubada do governo.
O ministério parece montado para ficar tudo em família, para aqueles que se esforçaram para garantir a posse de Temer. Dos 23 ministros, 19 são ou foram parlamentares, nove são deputados e três senadores, todos envolvidos em algum malfeito, oito processados na Operação Lava Jato. Todos homens, e só agora depois da gritaria há uma mulher. 78% são milionários, 38% donos de emissoras de radio, latifundiários.
Sarney Filho, filho do senador José Sarney, clã que por 40 anos delapidou o Estado do Maranhão, ganhou o ministério do Meio Ambiente. Jader Barbalho foi premiado com o ministério da Integração Nacional dado a seu filho Helder Barbalho. Jorge Picciani, do Rio de Janeiro, colocou seu filho Leonardo Picciani no ministério de Esportes. Fernando Bezerra colocou seu primogênito, Fernando Filho, nas Minas e Energia. No Ministério da Saúde, Ricardo Barros, parece ter merecido o posto por sua fé.
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, era o Secretario de Segurança do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB. Tem um belo currículo como advogado do PCC (Primeiro Comando da Capital) e também do deputado Eduardo Cunha. Como secretario de Alckmin autorizou repressão violenta contra estudantes que ocuparam escolas e contra manifestantes que protestavam nas ruas.
Outro do PSDB é o José Serra, senador autor do projeto que acaba com o monopólio da Petrobras no pré-sal, teve papel atuante na conspiração para o afastamento da presidenta e é o atual ministro das Relações Exteriores. Já disse a que veio em nota repudiando as críticas dos organismos de integração regional.
Eduardo Cunha, embora afastado da presidência da Câmara, que conduziu com maestria o processo de impeachment, talvez tenha sido o mais aquinhoado. Além de ter o amigo na Justiça, colocou dois de seus assessores: Gustavo do Vale Rocha como subchefe para assuntos Jurídicos da Casa Civil; Carlos Henrique Sobral, chefe de Gabinete do ministro Secretário de Governo, Geddel Vieira Lima. Também conseguiu que fosse eleito pelos deputados seu amigo Artur Lira, PP/AL, para presidir a Comissão de Orçamento, das mais importantes, pois maneja os gastos da federação. E ainda pretende colocar o carioca do PSC, André Moura como líder do governo.
A intenção do novo governo era extinguir simplesmente o Ministério da Cultura, como fez Fernando Collor quando presidente. Diante dos protestos do mundo artístico e criativo, o governo voltou atrás, mas nem tanto. Em vez de ministério, voltou a ser secretaria como no tempo de Fernando Henrique, que também nenhuma importância deu ao setor.
Interessante e bastante esclarecedor os ocupantes do ministério da Agricultura. Sai Katia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que foi deputada e senadora da bancada ruralista; entra Blairo Maggi, ex-governador do Mato Grosso e até bem pouco tempo considerado o rei da soja por ter as maiores extensões de terra semeadas com essa cultura. Perdeu o reinado para outro Maggi, Iraí, que associado a capitais argentinos, bateu recorde mundial de produção de soja por um único dono.
Mais emblemático é o que ocorre na área econômica. Aí sim, não muda absolutamente nada, nem o discurso. O foco é ajuste fiscal a qualquer preço, ou seja, literalmente, é mais do mesmo. Apenas sai um reserva e entra um titular. Sai Joaquin Levy, um Chicago’s boy autêntico, entra Nelson Barbosa, vindo de Nova York; sai este, volta Henrique Meirelles, que antes de assumir o comando no governo Lula morava nos Estados Unidos, na direção do Bank Boston. Para o Banco Central, saiu Alexandre Tombini, formado em Illinois, entra Ilan Goldfajn, formado pelo MIT de Massachusets, já serviu tanto ao Banco Mundial, como ao FMI e além de ser sócio e economista chefe do Banco Itaú.
A mídia eufórica aplaude a ata qualificação da equipe. Sim, de fato, são todos qualificados pra serem banqueiros e raciocinam como banqueiros e são obcecados pela questão fiscal. Desde o governo Fernando Henrique é o mercado financeiro quem dá as cartas e estabelece as regras do jogo para a política econômica. Eles não abrem mão da Fazenda nem do Banco Central. O resto pode ser dividido.
O BNDES, importante porque financia o desenvolvimento, volta para as mãos de Maria Silvia Bastos, que dirigiu a instituição na presidência de Fernando Collor. Privatista, também dirigiu a CSN.
Projeto de 30 anos de poder
O PMDB é de fato o maior partido e não se governa sem ele. Fernando Henrique, Lula, Dilma, todos se deram conta disso. Agora o PMDB é hegemônico no governo. E conta com o apoio do PSDB para as questões estratégicas. Agora estão em perigo imediato além da Petrobras/Pre-sal, o Banco do Brasil e a Caixa. Na realidade é a soberania do país que está em jogo.
Euforia desmedida na mídia que vê em tudo isso como resultado do fim da era petista, o fim da liderança de Lula. Alias, vários membros do judiciário, têm repetido o refrão do Sergio Moro: agora é Lula. O procurador Janot deixou claro: o alvo agora é Lula, diretamente, e já mandou denúncia para o STF com base em delação de Delcídio e outros.
Lembro-me que o projeto do PSDB, já explícito na campanha para eleger Fernando Henrique Cardoso presidente, era manter-se no poder por 30 anos. O Serjão (Sergio Mota) que coordenou a campanha nunca escondeu isso. Compraram meio Congresso Nacional para aprovar a emenda da reeleição para dar mais quatro anos a FHC. Tiveram todo o dinheiro do mundo para realizar seus planos. Contudo, não fizeram o sucessor porque não souberam enfrentar a crise nem aproveitar o tempo para criar uma base de apoio popular. O país quebrou e um pouco por raiva o povo colocou Lula no poder.
E Lula não só se reelegeu como elegeu por duas vezes sua sucessora. De repente, o sonho de 30 anos no poder parece que estava para ser realizado pelo partido errado. Não dava mais para suportar. Nem para esconder a angústia, o ciúme raivoso. Para acabar com o sofrimento fizeram pacto até com o diabo (Cunha, Baixo Clero, CIA, NSA) e com juízes aéticos. O que é pior, paralisaram o país.
O PT não optou pelo suicídio político como pretendem os arautos do retrocesso na grande mídia. Apenas não teve competência ou vontade para ser PT nem para capturar o poder. Já disse aqui mais de uma vez que nem Lula nem Dilma capturaram o poder. Perdeu o rumo como PT quando aceitou ser executor de um projeto neoliberal.
Não há dúvida de que o PT tem condições para se reconstruir. A perda foi enorme mas há muita gente capaz e com disposição para empreender um recomeço. E há um enorme contingente de jovens ansiosos por mudanças.
Levante Popular da Juventude, Frente Brasil Popular são alguns dos muitos movimentos que estão mobilizando o povo para a resistência. Não reconhecem Temer como presidente. Alguns optaram pelo caminho do enfrentamento. Outros propõem novas eleições e também há os que pregam uma nova Constituinte exclusiva para as reformas necessárias.
Toda essa força, principalmente a emanada da juventude, precisa ser encaminhada para a formação de uma grande Frente de Salvação Nacional. Mais importante que ruir o presente é construir o futuro, é saber que país queremos e como queremos conduzir esse país. Uma frente em torno de um Projeto Nacional estratégico, de curto médio e longo prazo e um plano de governo para viabilizar a realização desse Projeto Nacional. Fora disso estamos condenados a regressar ao tempo de D. João VI.
*Jornalista editor de Diálogos do Sul