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Grécia: A resposta de Tsipras à chantagem

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Niko Schvarz*

No 741831O primeiro ministro grego Alexis Tsipras acaba de propor a seu povo, na sexta-feira 26 de junho, a realização de um referendum, que se realizará domingo 5 de julho, para decidir sobre o ultimato e chantagem a que pretendem submeter a seu pais as autoridades da ‘troika” (Fundo Monetário Internacional, União Européia e Banco Central Europeu) depois do fracasso das prolongadas negociações em busca de um  acordo para impedir que a Grécia caia em default na data limite de 30 de junho.

Esta decisão foi referendada pelo gabinete grego por unanimidade e também pelo Parlamento. A mensagem através da qual Tsipras se dirigiu ao povo é um modelo de democracia, simbolicamente proferida no berço da democracia. Como tal foi acolhido em toda Europa, e particularmente nos países vítimas dos mesmos planos de austeridade (como Espanha, Portugal, Irlanda). Em muitos países se tem desenvolvido nos últimos dias grandes manifestações em solidariedade ao povo grego, com a convicção de que o desenlace da batalha em curso contra a política de austeridade determinará não somente o futuro da Grécia, mas também o dos países europeus em luta por mais democracia e igualdade.

As negociações entre Grécia e seus credores europeus se estenderam de forma intensa até o último momento, perto à data de vencimentos dos prazos. Mais ainda: nas últimas instâncias, por exemplo na terça-feira 23 de junho, informava-se que “Grécia e o Eurogrupo se aproximam de um acordo”,  e nesse sentido citavam expressões da chanceler alemã Angela Merkel e do presidente da União Européia, Jean Claude Juncker, que davam como feito que se conseguiram um acordo com Grécia no transcorrer da semana, que segundo o Eurogrupo na proposta grega tinha uma boa base de entendimento e que o acordo sobre o alívio da dívida grega, firmado pelo Eurogrupo em fins de 2012, poderia ser aplicado.

Coincidentemente, o chefe do governo italiano Mattteo Renzi se mostrava otimista considerando que estavam reunidas todas as condições favoráveis para um acordo que beneficiasse todas as partes, enquanto o presidente francês François Hollande frisou que se estava fazendo de tudo para que o acordo fosse global e duradouro. Já a essa altura o tempo urgia, posto que Grécia deveria reembolsar ao FMI, em 30 de junho, uns 1.5 bilhões de euros, mas para isso necessitava receber os 7.2 bilhões de euros correspondentes a última parcela da assistência financeira de seus credores. Tsipras declara então que o FMI tinha uma “responsabilidade criminal’ pelas medidas de austeridades impostas à Grécia e que mergulharam o país em seis anos de recessão e já nesse momento anunciou que essas medidas deviam ser julgadas não só pela Grécia mas por toda Europa.

Na instância final, as negociações se frustraram. A “troika’ disse não. Contra todos os prognósticos, e contra o interesse comum, se fechou a porta. Nessas condições, Tsipras anuncia sua decisão de apelar ao povo para resolver o diferendo. Seu breve discurso é um exemplo de alcance universal.

Dirigiu-se a seus queridos compatriotas e de cara definiu os campos: “Durante os últimos seis meses o governo grego esteve travando batalha em meio de condições criadas por uma asfixia econômica sem precedentes para por em prática nosso mandato de 25 de janeiro (data das últimas eleições). Foi um mandato para negociar com nossos sócios com a missão de colocar fim à austeridade e restaurar a prosperidade e a justiça social em nosso país.

O objetivo era conseguir um acordo viável que respeitasse tanto a democracia como as normas europeias e conduzisse a uma saída definitiva da crise. Em todo este período de negociações nos pediram que adotássemos os acordos de resgate que tinham sido acordados com anteriores governos a pesar de tinham sido condenados de forma rotunda pelos gregos nas recentes eleições. Porém, em nenhum momento nos pensamos em ceder. Isso teria sido o mesmo que trair vossa confiança.

Depois de cinco meses de duras negociações, nossos sócios apresentaram ante ontem desgraçadamente no Eurogrupo uma proposta, um ultimato à República Helênica e ao povo grego. É um ultimato que contraria os princípios fundadores e os valores da Europa, o valor de nossa estrutura comum europeia. Se pediu ao povo grego que aceitasse uma proposta que soma novas cargas insuportáveis à população e socava a recuperação da sociedade grega e de sua economia, não só mantendo a desesperança mas ampliando ainda mais os desequilíbrios sociais.

Tsipras acrescenta que as propostas das instituições europeias incluem medidas que levariam a uma maior fragmentação do mercado de trabalho, cortes nas aposentadorias, novas reduções dos salários do setor público e um aumento do IVA em alimentos, restaurantes e turismo, com a eliminação das deduções fiscais nas ilhas. No entendimento dele essas normas violam o direito fundamental ao trabalho, a igualdade e a dignidade das pessoas, e tem como objetivo “a humilhação de todo o povo grego”. Colocam de manifesto, especialmente por parte do Fundo Monetário Internacional, “uma austeridade dura e de castigo”.

Diante disso, agora é mais necessário que nunca que as principais forças europeias dêem um passo adiante e tomem iniciativas através das quais traçar uma linha firme com relação à crise grega, em uma crise que também afeta a outros países europeus e que ameaça o futuro da unidade europeia.

O referendo, uma mensagem de dignidade para o mundo

Sobre estas bases, lança sua proposta ao povo grego nestes termos: “Assumimos hoje uma responsabilidade histórica em favor das lutas do povo heleno  de proteção da democracia e de nossa soberania nacional. É uma responsabilidade diante do futuro de nosso país. E essa responsabilidade nos obriga a responder a este ultimato com a vontade do povo grego”. A proposta consiste em celebrar um referendo para que o povo grego decida em forma soberana o que tem sido decidida de forma unânime pelo gabinete ministerial, e logo pelo Parlamento, decidindo dessa forma a realização do referendo no próximo domingo dia 5 de julho. A pergunta é si se aceita ou se rechaça a fórmula das instituições europeias.

A decisão foi comunicada ao presidente da França e à chanceler da Alemanha e ao presidente do Banco Central Europeu. Ainda no sábado 27 Grécia solicitou as instituições da União Europeia uma extensão de uns poucos dias do programa de resgate da dívida “para que o povo grego possa decidir, sem pressões nem coerções, como dita a Constituição de nosso país e a tradição democrática da Europa”.

Em sua evocação final, Tsipras se dirige a seus queridos compatriotas nestes termos: “Diante desse ultimato e chantagem, convoco para que decidam em forma soberana e com orgulho, como dita a história da Grécia, sobre a aceitação  dessa proposta de austeridade estrita e humilhante, que não oferece nenhum fim à vista nem opção que nos permita recuperamos social e economicamente. Diante dessa dura austeridade autocrática devemos responder com democracia, serenidade e determinação. Grécia, o berço da democracia, deve enviar uma clara mensagem democrática à Europa e à comunidade internacional. Estou pessoalmente comprometido a que se respeite o resultado da vontade democrática do povo, seja a que for. Estou completamente seguro que o voto estará a altura da história de nosso país e enviará uma mensagem de dignidade a todo o mundo”.

Reitera, em resposta a versões tergiversadas que o lugar da Grécia está na Europa que este continente é o lugar comum de seus povos onde não há donos de convidados. que “Grécia é e continuará sendo uma parte indispensável da Europa e Europa será uma parte indispensável de Grécia”. E reitera sua convocação a que se pronunciem no referendo “por nós, pelas gerações futuras e pela história dos gregos”.

A batalha das Termópilas

Precisamente, falando da história grega, nestes dias e recorda, como exemplo de resistência, a batalha das Termópilas, no ano 450 antes de nossa era, ou seja, há 25 séculos, contra o poderoso exército persa comandada por Xerxes, em que as tropas sob o comando de Leónidas recusaram a rendição e lutaram até o último suspiro. Um monumento relembra estes fatos, bem como as palavras do historiador Heródoto: “Aqui se mantiveram até o fim aqueles que ainda tinham espadas, usando-as e os outros resistindo com unhas e dentes”. Como Artigas com os cães selvagens.

*Colaborador de Diálogos do Sul, de Montevideu, Uruguai


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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