Pesquisar
Pesquisar

Greve geral, massacre por ação estatal, mortos e presos ilegais: entenda o que está acontecendo na Colômbia

Ação popular e denúncia internacional fizeram governo Iván Duque recuar da reforma tributária, mas povo segue nas ruas por garantia de direitos, vacina, educação e renda básica
Pietro Alarcón
350
São Paulo (SP)

Tradução:

Desde o dia 28 de abril a Colômbia vive uma greve geral com uma multitudinária participação nas ruas e rodovias. Até o momento, as organizações sociais registram, com provas documentais e imagens, que: 

  • pelo menos 17 pessoas foram mortas pela repressão aos protestos; 
  • há mais de 10 jovens desaparecidos; 
  • oito casos de violência sexual contra mulheres, cujos autores são agentes do Estado; 
  • ocorreram 503 detenções arbitrárias e 
  • mais de 40 agressões diretas contra defensores de direitos humanos que exerciam seu trabalho de fiscalização da ação policial e do exército.

O que pode motivar tamanha indignação em um país a ponto de fazer com que, desafiando os riscos da aglomeração em tempos de crise sanitária, o povo inunde as ruas numa avalanche de mobilizações e protestos?  E a que se devem essas ações e que razões têm os agentes estatais que parecem ter certeza de que contra suas condutas só haverá impunidade?

A gênese de todo este processo está no fato de que o governo de Ivan Duque pretende, pela terceira vez, impor uma reforma tributária que agride milhões de colombianos e colombianas. O projeto, denominado Lei de Solidariedade Sustentável, tinha como eixo taxar 73% das pessoas físicas e 23% das empresas.

Entretanto, ao invés de fazer com que aqueles que têm mais lucros paguem mais, determina que as maiores fortunas somente serão taxadas em 1% e 2%, enquanto todo aquele que receba a partir de 640 dólares deverá pagar uma carga tributária supostamente para atender o déficit fiscal e poder combater a crise do sistema de saúde. 

Lembremos que o mínimo salarial no país mal atinge os 260 dólares e que este déficit não é responsabilidade do povo, senão precisamente de um governo torpe e que em lugar de reorientar o gasto público entregou o gerenciamento da saúde ao capital financeiro.

Paralelamente a essa medida, o Imposto de Valor Adicionado (IVA) aumentará em 19% os produtos da cesta básica, incluindo gás, água e luz, serviços funerários, computadores e internet. Tudo isto num país no qual foram demitidas 5,4 milhões de pessoas entre 2020 e o 2021. O desemprego oscila ente 15,9 e 17% e as pessoas na economia informal somam 5,7 milhões. Um país no qual o governo não publica com transparência o número de falecidos e vacinados pela covid e no qual 19% das famílias carecem de recursos para atender suas necessidades mais elementares. 

Ação popular e denúncia internacional fizeram governo Iván Duque recuar da reforma tributária, mas povo segue nas ruas por garantia de direitos, vacina, educação e renda básica

@EEColombia2020
Colombianos marcham em protesto contra a reforma tributária de Iván Duque, na Colômbia

O governo, que prometeu “quebrar em pedaços” os acordos de paz, se omite ante os assassinatos de 57 defensores de direitos humanos no ano, 33 chacinas contra comunidades populares, indígenas e afro-descendentes e mais de 400 lideranças assassinadas desde sua assinatura, em 2016.

Há um descontentamento acumulado que começou a se mostrar em novembro de 2019, que amadureceu na expectativa durante todo o ano 2020 ante uma pandemia que impactou as formas de resistência e ação popular articuladas no âmbito nacional, mas que ante a proposta de reforma tributária se expressou através de ações populares legítimas.

Perante a situação, o governo de Duque, ao invés de atender às reivindicações e às vozes que exigiam a retirada imediata da reforma fiscal, reagiu com violência e repressão dos órgãos da polícia. E logo, ante a persistência da mobilização cidadã, no dia primeiro de maio, declarou a militarização das cidades com ordens de disparar, isso é, determinou que as forças armadas agissem nas ruas contra povo. 

O presidente, sem nenhuma vergonha nem decência, tomou uma decisão criminosa, que só demonstra o autoritarismo do regime político que hoje encabeça.

No entanto, a ação popular, as denúncias ante organismos de direitos humanos e a resistência organizada dentro e fora do país obrigaram o governo a recuar e, no domingo, 2 de maio, o presidente ordenou a retirada da proposta de reforma tributária que tramitava no Congresso. Um dia depois, renunciou o Ministro da Fazenda, um dos arquitetos da proposta.  

Contudo, não é possível imaginar que o presidente e os grandes grupos industriais e financeiros cederão na tentativa de impor os elementos da reforma a partir de outro projeto.

Assim o entende o movimento social, que continua nas ruas, exigindo um plano nacional de emergência que atenda aos problemas urgentes como a lentidão da vacinação e a ineficácia do sistema de saúde; a criação de um sistema de renda básica universal, que alivie a situação dos trabalhadores e que a crise econômica seja paga pelos ricos e não por aqueles que menos ingressos têm na injusta distribuição da riqueza que, historicamente, há no país.

Há mais de um motivo para defesa do protesto legítimo e também motivos mais que suficientes para uma justa denúncia internacional contra os perpetradores dos crimes e atentados contra os colombianos e colombianas que apenas exigem dignidade e futuro.  


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na Tv Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Pietro Alarcón É doutor em Direito. Professor da PUC/SP. Assessor do Comitê Permanente de Colômbia para a Defesa dos Direitos Humanos (CPDH).

LEIA tAMBÉM

Com Trump, EUA vão retomar política de pressão máxima contra Cuba, diz analista político
Com Trump, EUA vão retomar política de "pressão máxima" contra Cuba, diz analista político
Visita de Macron à Argentina é marcada por protestos contra ataques de Milei aos direitos humanos
Visita de Macron à Argentina é marcada por protestos contra ataques de Milei aos direitos humanos
Apec Peru China protagoniza reunião e renova perspectivas para América Latina
Apec no Peru: China protagoniza reunião e renova perspectivas para América Latina
Cuba luta para se recuperar após ciclone, furacão e terremotos; entenda situação na ilha (4)
Cuba luta para se recuperar após ciclone, furacão e terremotos; entenda situação na ilha