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Carolina Vásquez Araya*
A série interminável de assassinatos de mulheres —que nos agride diariamente pela imprensa e pelas reportagens policiais— é uma das grandes pendências para as autoridades que assumem o poder na Guatemala em janeiro do ano que vem.
Esta realidade soma-se ao tráfico de pessoas e à violência contra crianças e adolescentes, em um sólido pacote de delitos aparentemente amparados pelos próprios órgãos de investigação e justiça que deveriam combatê-los. A altíssima taxa de impunidade e a escassa capacidade das forças da ordem para combatê-los não apenas demonstram sua ineficiência, como também falam de uma espécie de indiferença frente a essas terríveis demonstrações de crueldade e sadismo.
Enquanto as gangues competem para ver quem comete o crime mais selvagem, muitas vezes escolhendo suas vítimas —mulheres, na maioria das vezes— entre vizinhas ou totalmente desconhecidas que cruzaram seu caminho, o Estado reduz suas contribuições e seu interesse pelas instâncias que poderiam contribuir na luta contra este flagelo.
Há pouco, em uma conversa com Norma Cruz, fui informada da situação por que passa a Fundação Sobreviventes. Patética, desprovida de apoio, com uma raquítica contribuição do Estado, que, por interesses obscuros limita-o ou atrasa-o, esta Fundação foi durante anos um dos poucos espaços onde se luta por justiça em casos de feminicídio, travando uma batalha feroz para estabelecer e manter o único refúgio existente no país para as vítimas de violência doméstica, dando apoio legal para evitar a impunidade quase inerente aos delitos contra mulheres.
Por outro lado, a Secretaria Presidencial da Mulher sofreu todo tipo de manipulações através dos anos, transformando-se finalmente em uma entidade que responde a interesses políticos, perdendo assim a essência de sua função, que é trabalhar pelo desenvolvimento deste importante setor da população. Uma entidade cujo alcance já deveria tê-la transformado em um ministério, com tudo que isso representa em termos de poder de decisão e capacidade técnica para transformar o estado de exclusão no qual se encontra esta maioria cidadã.
O governo eleito nas urnas tem obrigação absoluta e prioritária de abrir para as mulheres todos os espaços que lhes foram subtraídos por meio de artifícios legais, acordos entre setores de poder, ciladas partidárias e outros truques tão torpes quanto destrutivos. A mulher guatemalteca foi a grande sacrificada nesta história de dominadores e dominados, restos de um colonialismo estéril. Chegou o momento de retribuir com oportunidades de desenvolvimento sua grande contribuição à economia, seu papel fundamental como guardiã das novas gerações e sua qualidade de forjadora de valores.
A força da mulher guatemalteca é uma dessas qualidades que, como uma perversa ironia, coloca-a em risco de morte por opô-la a um machismo baseado no monopólio do poder. Um poder que, compartilhado, poderia ser o poderoso motor capaz de transformar esta sociedade em uma autêntica democracia.
*Colabora com Diálogos do Sul, de Manágua, Guatemala – Tradução de Ana Corbisier