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A modéstia não figura entre as qualidades dos corruptos.
Carolina Vásquez Araya*
“Sobre a injúria, a ofensa” reza o ditado quando se deseja aludir aos extremos del descaramento em atos contra a dignidade humana. Assim há de sentir-se a cidadania guatemalteca quando observa o desfile de indivíduos cuja posição de poder e privilegio lhes facilitou o acesso aos fundos públicos, do quais dispuseram da maneira mais descarada. Bem trajados e pulcros, o olor das loções francesas podem ser sentido a través do televisor.
O espetáculo que deixa perplexa a opinião pública nacional e internacional –pelo inesperado e extensão de seus alcances- é material abundante para fazer comparações entre os déficits financeiros dos organismos estatais – hospitais, escolas, programas de alimentação – e o esbanjamento obsceno em custosos presentes para o casal presidencial defenestrado, cuja ambição vai além do imaginável.
Os contrastes vão muito além disso. Atendendo a pressões das instituições religiosas – cuja passividade ante os desmandos dos governantes dá o que pensar – os programas destinados e prover mulheres e adolescentes de métodos de planejamento de gravidez e outros conhecimentos em saúde sexual e reprodutiva, foram sistematicamente postos de lado nas políticas públicas, quando não eliminados totalmente.
Isto não apenas significou um incremento de meninas e adolescentes grávidas, mas é também um fator de descriminação ao comprometer o futuro de um amplo setor da população cujo destino fica marcada por uma maternidade não desejada, produto de violações poucas vezes investigadas.
A partir dessas políticas restritivas por razões doutrinárias, obrigam-se as vítimas a conservar gravidezes produtos de atos de violência sexual, mesmo que representem um perigo de morte, sem lhes dar qualquer opção de reparação dos danos físico, emocional e social derivados do fato. Para isso não há recursos.
Ao observar a prepotência de alguns acusados na sala de vistas da Corte Suprema de Justiça, é possível avaliar o nível de influência desses personagens sinistros em uma estrutura desenhada e construída com o único objetivo de servir a seus interesses particulares, sem qualquer consideração pelo estado do Estado.
Ou seja, suas posições de poder não apenas os levaram aos mais altos cumes do enriquecimento ilícito, mas em proporção direta aprofundaram as carências de uma cidadania abandonada a uma sorte marcada pelo violência em sistema criado para mantê-la alheia às decisões dos centros de poder político e econômico.
Neste cenário também está presente o destino de milhares de homens, mulheres e crianças inocentes, assassinadas por estruturas criminosas cujo papel é criar instabilidade e caos. Assim, os ataques cotidianos à segurança das pessoas contribuem para consolidar propostas de setores cujo papel na história do país tem se caracterizado pelo sequestro das liberdades fundamentos e dos direitos humanos.
A vigilância cidadã é vital para resgatar a governabilidade e reestruturar suas instituições, atualmente em crise de credibilidade. Essa tarefa titânica não pode ser realizada sem a participação dessa massa crítica de cidadãos cuja visão por fim começa a clarear por força de denúncias e escandalosos revelações.
Este jogo de contrastes entre a ostentação de uns e a miséria de outros deve ser o ponto de partida para dar um giro rotundo aos afazeres políticos, evitando ações orientadas a um regresso ao mesmo ponto zero.
*Colaboradora de Diálogos do Sul, da Cidade da Guatemala