Os ataques contra os Tribunais, na Guatemala, constituem uma forma de suicídio, institucional e coletivo. A Guatemala é um exemplo desta dura realidade; um país onde foram firmados os Acordos de Paz e antes que a tinta secasse já se haviam amarrado os compromissos para neutralizar seus efeitos.
Um país cujas estruturas políticas, militares e empresariais têm sido protagonistas das piores atrocidades contra a cidadania – e muito especialmente contra os povos originários – e onde qualquer tentativa de impor normas, administrar justiça e reparar os erros históricos que têm levado esse país à ruína está condenado a ser combatido pelo Estado e seus aliados, até a total anulação.
O exemplo de alguns líderes mundiais como Nelson Mandela, Martin Luther King ou Mahatma Gandhi nos deixou grande ensinamentos. Um deles é que a busca da justiça e da paz não está isenta de violência.
Perseguidos e encarcerados por pregar ideias contrárias ao sistema estabelecidos, sua força moral os sustentou durante anos de perseguições e campanhas de desprestígio por parte dos círculos de poder.
Dois deles – Gandhi e Luther King — foram assassinatos em um inútil e tardio afã de os calar. Dessa capacidade de resistência, dessa solidez intelectual e humana surgiu a mensagem destes pensadores, cuja essência transformou de forma radical a maneira de ver o mundo e deixou para a posteridade a mensagem de que o respeito aos direitos humanos das grande maiorias é o único caminho possível para a paz e o desenvolvimento.
Flickr
Uma grande porcentagem de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza implica em um processo de catarse
A resistência pacífica foi, coincidentemente, uma das estratégias utilizadas por estes três personagens da história do século XX. Dela emanou a certeza de que sem perseverança, sem uma consciência clara do porquê da luta e sem a convicção de qual é o caminho correto para transformar as condições de vida, não há esperança de mudança.
Mas, além disso, constituiu todo um exemplo para as futuras gerações de respeito à importância de buscar a paz através da verdade como única maneira de conseguir a reconciliação.
Nesse caminho para o entendimento, todos as sendas passam pela justiça. Por isso um sistema elaborado para favorecer a uns poucos em desfavor do resto da população, interpor-se-á de maneira inevitável na busca da paz.
Para restabelecer o império da justiça, o conhecimento é básico. A busca da verdade em países sufocados pela violência passada e presente, com uma história de conflito bélico e uma grande porcentagem de seus habitantes vivendo abaixo da linha da pobreza, implica em um processo de catarse, revelação e recuperação da identidade alterada por décadas de silêncio e repressão.
No entanto, a consecução destes objetivos se chocará frontalmente com a resistência feroz daqueles que sustentam em suas mãos as rédeas do poder político e econômico, ao considerar como uma ameaça a participação da população em processos de mudanças inclusivas, capazes de abrir as estruturas de poder para garantir uma autêntica democracia.
O risco dessa democratização das instituições que conformam a base do sistema, com as Cortes de Justiça à cabeça, os leva a cerrar fileiras contra qualquer tentativa de mudança e, de passagem, a criar mecanismos destinados a deslegitimar esses esforços.
Só a justiça garante a possibilidade de realizar processos radicais e profundos de transformação social. Significa a plena aceitação dos direitos dos outros, a reivindicação de seu lugar na sociedade, o respeito às diferenças e o combate à injustiça. Não há outro modo de alcançá-los a não ser com ações contundentes para exigir e defender sua integridade.
Só um sistema sólido de justiça pode nos conduzir à paz.
Carolina Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul desde a Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Veja também