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Guatemala: Vice-presidente minimiza culpa por violência contra as mulheres

Ao vice-presidente da Guatemala parece a coisa mais natural do mundo, algo que atinge mais de 51% da população
Carolina Vásquez Araya
Cidade da Guatemala

Tradução:

O vice-presidente da Guatemala disse textualmente durante uma entrevista “A história julgará a cada um de nós nos afazeres da sua vida. Até como nos comportamos em casa. Quantas vezes deixamos o olho roxo à esposa ou a esposa ao esposo. Porque todos atacam os homens, mas as mulheres às vezes são agressivas e não ficam quietinhas”.

Sua afirmação correu imediatamente pelas redes sociais, onde foi objetivo de fortes críticas. No entanto, não faltou quem defendesse o funcionário, aduzindo que sua malfadada frase tinha sido tirada do contexto. Para aclarar as coisas, vamos dar-lhe o entorno que merece.

“A violência contra as mulheres tem se manifestado de forma contínua na história da Guatemala e a violência de gênero tem sido perpetuada como uma ferramenta de subordinação e controle da vida e do corpo das mulheres, sustentada por um cultura patriarcal e conservadora, e um sistema frágil de segurança e respostas judiciais que geram impunidade”. (ONU Mulheres).

Seguindo nessa linha e de acordo com dados recolhidos pela mesma organização na Guatemala, durante o último semestre de 2018 foram registradas mais de 50 mil gravidezes em meninas e adolescentes como reflexo da violência à qual estão expostas, a maioria das vezes dentro de casa e por incesto cometido por seus pais, irmãos, tios ou pessoas próximas à família. 

Ao vice-presidente da Guatemala parece a coisa mais natural do mundo, algo que atinge mais de 51% da população

Reprodução
Mulheres maias velam pelas meninas mortas

A violência de gênero e aquela exercida em casa, isso que ao vice-presidente da Guatemala parece a coisa mais natural do mundo, se produz contra mais de 51% da população, e a pobre resposta do Estado ante as violações, o abuso econômico, social e trabalhista, assim como ao feminicídio que atinge cifras espantosas, converteram a Guatemala em um dos países de maior risco para a vida e a integridade física e psicológica das mulheres. Por isso, naturalizar a violência doméstica, como pretendeu essa alta autoridade do governo, tem implicações de enorme alcance moral. 

O problema com as expressões vertidas por representantes da máxima autoridade é a forma como impactam amplos setores da cidadania. O assédio e a violência no entorno doméstico são taras sociais que é preciso erradicar através da educação, de uma legislação capaz de sancioná-las e uma administração de justiça com enfoque de gênero e com capacidade para condenar os agressores e proteger as vítimas. Nesse mesmo sentido, a aberrante decisão de utilizar uma lei como a Lei contra o Feminicídio e Outras Formas de Violência contra a Mulher, elaborada para amparar as mulheres vítimas de violência, como parapeito contra investigações por supostos delitos cometidos por Sandra Torres, candidata a presidente, vem socavar a solidez de um sistema que, bem utilizado, é capaz de salvar a vida de tantas mulheres ameaçadas por um sistema patriarcal que as marginaliza. 

Não há frase inocente quanto vem de uma autoridade, pois reflete uma postura e uma linha de pensamento; por isso a necessidade imperiosa de analisar cuidadosamente a quem se vai conceder um voto de confiança nas próximas eleições. Guatemala não merece a pobre qualidade de funcionários como aqueles que a submeteram durante tantas décadas ao saque, à miséria e à desnutrição de suas novas gerações com um cinismo cruel; mas, sobretudo, à perpetuação de uma violência cujos níveis se comparam com aqueles das nações africanas sumidas em conflitos bélicos. O país se enfrenta como nunca a uma necessidade imperiosa de mudança e depuração de suas mais importantes instituições e a cidadania tem em suas mãos o voto, com o poder de gerar o salto para o futuro. 

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Carolina Vásquez Araya Jornalista e editora com mais de 30 anos de experiência. Tem como temas centrais de suas reflexões cultura e educação, direitos humanos, justiça, meio ambiente, mulheres e infância

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