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Guerra civil e religião única: projeto neofascista que ascendeu com Trump não foi derrotado

Um segmento significativo de republicanos considera que poderia ser necessária uma “guerra civil” e opinam que “a violência poderia ser justificada para salvar nosso país”
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

“Nunca foi imprevisível nosso futuro, nunca dependemos tanto de forças políticas que não são confiáveis para seguir as regras do senso comum e do auto interesse – forças que parecem pura loucura”. Hannah Arendt (citada por sua discípula Samantha Rose Hill em um comentário sobre os tempos que vivemos nos Estados Unidos).

Cada vez é mais difícil explicar que o país que se proclama como o farol democrático do mundo (o mesmo cujo governo costuma julgar quase todos os dias outros povos por suas supostas falhas democráticas e, ao mesmo tempo, se recusa a aceitar seu passado histórico de intervenções e invasões antidemocráticas ao redor do mundo) agora está disposto em pôr em xeque sua própria versão de democracia. O projeto neofascista que chegou ao poder com Trump não foi derrotado.

A atualidade brutal de Hannah Arendt

Isso apesar de o ex-presidente e sua gente estarem sob investigação por promover nada menos que uma intentona de golpe de Estado — algo sem precedentes neste país. Mas o que ocorreu em 6 de janeiro com o assalto ao Capitólio instigado por Trump não acabou aí, mas essa insurreição, em parte armada, continua hoje em dia.

De fato, vários dos autores intelectuais desse assalto estão se recusando a cooperar com a investigação oficial do Congresso sobre o que aconteceu nesse dia. Em 12 de novembro, um deles, Steve Bannon foi formalmente acusado de desacato à ordem de comparecer diante do Congresso, mas tudo indica que usará isso para seus fins políticos. 

Trump e seus aliados não deixaram de proclamar, dia após dia, que a eleição presidencial foi “roubada” (algo que a maioria dos republicanos opina) e o ex-presidente convoca a todo “patriota real” a se somar ao seu movimento para “salvar a América” de Biden e “da esquerda radical”.  

Em comícios e reuniões há cada vez mais ameaças de violência — algo nutrido durante 4 anos por Trump — contra democratas, imigrantes e minorias e todo e qualquer opositor.  Fala-se de resistência armada à “tirania” das autoridades que se atrevem a ordenar o uso de máscaras e promovem vacinas. Há ameaças de morte contra integrantes de juntas escolares e contra legisladores; duplicaram as ameaças de violência contra legisladores federais progressistas. 

Um segmento significativo de republicanos considera que poderia ser necessária uma “guerra civil” e opinam que “a violência poderia ser justificada para salvar nosso país”

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Projeto neofascista que chegou ao poder com Trump não foi derrotado

Guerra civil

Alguns assessores de segurança agora recomendam aos legisladores não realizar atos públicos. Por outro lado, um segmento significativo de republicanos considera que poderia ser necessária uma “guerra civil” — quase 3 de cada 10 dos que creem que a eleição foi “roubada” opinam que “a violência poderia ser justificada para salvar nosso país”.

Ou seja, para Trump e seus seguidores o 6 de janeiro não marcou o fim da presidência de seu líder, mas só o início de uma reconquista — quase a qualquer custo — do poder neste país.

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Há uma ofensiva para efetivamente minar o direito ao voto das minorias; legislativos estaduais sob controle republicano estão redesenhando distritos eleitorais para garantir suas maiorias, e há esforços encabeçados por republicanos para proibir certos conceitos e livros – sobre raça, identidade sexual, história e mais — nas escolas públicas em estados como o Texas (onde o legislador já elaborou uma lista de 850 livros) e Wisconsin.

Outros, como o ex-assessor de segurança nacional de Trump, o general Michael Flynn, está advogando para que se tenha uma só religião nos Estados Unidos (a cristã). 

Muito disso brota dos escombros de 40 anos do modelo neoliberal estadunidense, e os políticos direitistas têm sido muito hábeis em gerar divisões entre os mais afetados por meio de velhas manobras racistas, xenofóbicas e anti-imigrantes e com isso, outra vez, os prejudicados percebem como seus inimigos os mais prejudicados ainda.

O futuro desta democracia agora depende cada vez mais das forças democratizadoras deste país — os defensores dos direitos civis e sociais, sobretudo os jovens e os imigrantes que têm sido as vanguardas das lutas pela justiça ao longo da história dos Estados Unidos — e seus aliados ao redor do mundo. 

Marc Ribot & Tom Waits.  Bella Ciao

David Brooks, correspondente de la jornada em Nova York

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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