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Pepe Escobar | Ocidente terá que aceitar ouro russo e petroyuan chinês

Entre médio e longo prazo, novo sistema financeiro vai enfraquecer programa de Bretton Woods, descrito por especialistas de mercado como já podre por dentro
Pepe Escobar
The Cradle
Líbano

Tradução:

A União Econômica Eurasiana, UEE, liderada pela Rússia, e a China acabam de confirmar que trabalham no projeto de um mecanismo para um sistema financeiro e monetário independente que contornará as transações em dólares.

Era evento esperado há longo tempo, mas finalmente começam a ser reveladas algumas linhas-chaves das novas fundações do mundo multipolar.

Na sexta-feira, após reunião por videoconferência, a UEE e a China decidiram os termos iniciais para projetar o mecanismo para um sistema monetário e financeiro internacional independente. A UEE da qual são membros Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Belarus e Armênia, está estabelecendo acordos de livre comércio com outras nações eurasiáticas, e vai progressivamente se interligando à Iniciativa Rota e Franja (também chamada “Iniciativa Cinturão e Estrada” e “Rotas da Seda”), concebida pela China.

Entre médio e longo prazo, novo sistema financeiro vai enfraquecer programa de Bretton Woods, descrito por especialistas de mercado como já podre por dentro

Wikimedia
Vladimir Putin e Xijiping presidentes de Rússia e China

Para todos os fins práticos, a ideia vem de Sergei Glazyev, principal economista independente da Rússia, ex-conselheiro do Presidente Vladimir Putin e Ministro da Integração e Macroeconomia da Comissão Econômica da Eurásia, o órgão regulador da UEE.

O papel central de Glazyev na elaboração da nova estratégia econômica/financeira russa e eurasiática foi examinado aqui. Glazyev anteviu – anos-luz antes dos demais ‘especialistas’ – o aperto financeiro que o ocidente tentaria contra Moscou.

Muito diplomaticamente, Glazyev atribuiu o desabrochar da ideia aos “desafios e riscos comuns associados à desaceleração econômica global e às medidas restritivas contra os estados da UEE e a China”.

Tradução: dado que a China também é potência eurasiática, como a Rússia, os dois países têm de coordenar suas estratégias para contornar o sistema unipolar norte-americano.

O sistema eurasiático será baseado em “uma nova moeda internacional”, muito provavelmente com o yuan como referência, calculado como um índice das moedas nacionais dos países participantes e dos preços das commodities. A primeira minuta do projeto desse sistema já será discutida até o final do mês.

O sistema euro-asiático está destinado a se tornar séria alternativa ao dólar norte-americano, dado que a UEE pode atrair não apenas as nações que aderiram à “Iniciativa Rota e Franja” (o Cazaquistão, por exemplo, é membro de ambos os grupos), mas também os principais atores da Organização de Cooperação de Xangai (SCO), bem como da Associação das Nações do Sudeste Asiático, ANSA (ing. ASEAN). 

Os atores da Ásia Ocidental – Irã, Iraque, Síria, Líbano – inevitavelmente se interessarão.

Entre médio e longo prazo, a disseminação do novo sistema se traduzirá no enfraquecimento do sistema de Bretton Woods – o qual até os atores/estrategistas sérios do mercado americano admitem que está podre por dentro. O EUA-dólar e a EUA-hegemonia enfrentam mares tempestuosos.

Mostre-me aquele ouro congelado

Enquanto isso, a Rússia tem um sério problema a resolver. No último fim de semana, o Ministro das Finanças Anton Siluanov confirmou que metade do ouro e das reservas estrangeiras da Rússia foram congelados por sanções unilaterais. Difícil é entender que os especialistas financeiros russos tenham posto grande parte da riqueza da nação onde ela podia ser facilmente acessada – e até confiscada – pelo “Império das Mentiras” (copyright Putin).

De início não estava muito claro o que Siluanov dissera. Como poderia Elvira Nabiulina do Banco Central e sua equipe deixarem que metade das reservas estrangeiras e até mesmo o ouro fosse armazenado em bancos e/ou cofres ocidentais? Ou seria alguma tática de sorrateira de Siluanov, para desviar atenções?

Ninguém está mais ricamente equipado para responder essas perguntas, do que o inestimável Michael Hudson, autor da recente edição atualizada de Super Imperialism: The Economic Strategy of the American Empire (Super Imperialismo: A Estratégia Econômica do Império Americano).

Hudson foi bastante franco: “Quando ouvi pela primeira vez a palavra ‘congelado’, pensei que significasse que a Rússia não gastaria, para apoiar o rublo, as suas preciosas reservas de ouro, tentando resistir a um ataque de estilo Soros, que viesse do Ocidente. Mas agora a palavra ‘congelado’ parece significar que a Rússia teria enviado seu ouro para o exterior, para fora de seu controle”.

“Mas me parece que, pelo menos em junho passado, todo o ouro russo permanecia na Rússia. Ao mesmo tempo, teria sido natural ter mantido títulos e depósitos bancários nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, porque é onde ocorrem a maior parte das intervenções nos mercados mundiais de câmbio” – acrescentou Hudson.

Essencialmente, tudo continua no ar: “Minha primeira leitura pressupunha que a Rússia estivesse fazendo algo inteligente. Se foi inteligente mover ouro para o exterior, talvez estivesse fazendo o que outros bancos centrais fazem: ‘emprestá-lo’ a especuladores, por um pagamento de juros ou taxa. Até que a Rússia diga ao mundo onde pôs o seu ouro, e por quê, não podemos entender coisa alguma. Estaria no Banco da Inglaterra – mesmo depois que a Inglaterra confiscou o ouro da Venezuela? Estaria no Fed de Nova York – mesmo depois que o Fed confiscou as reservas do Afeganistão”?

Até o momento, não se ouviu qualquer esclarecimento adicional, nem de Siluanov, nem de Nabiulina. Cenários giram em torno de uma série de deportações para o norte da Sibéria, por traição à pátria. Hudson acrescenta elementos importantes ao enigma:

“Se [as reservas] estão congeladas, porque a Rússia está pagando juros que vão vencendo sobre sua dívida externa? Pode ordenar que o ‘congelador’ pague – e livra-se da culpa por calote. Pode falar do congelamento, pelo banco, da conta bancária do Irã no Chase Manhattan, conta da qual o Irã procurou pagar os juros sobre sua dívida em dólar. Pode insistir que qualquer pagamento feito pelos países da OTAN seja liquidado antecipadamente com ouro físico. Ou pode jogar paraquedistas no Banco da Inglaterra, e recuperar ouro – espécie de Goldfinger, em Fort Knox. 

Importante é que a Rússia explique o que aconteceu e como foi roubada, se for esse o caso, como aviso a outros países”.

Para aumentar o suspense, Hudson não deixaria de piscar o olho para Glazyev: “Talvez a Rússia deva nomear alguém que não seja pró-Ocidente, para o Banco Central”.

O petrodólar que vira o jogo

É tentador ler nas palavras do Ministro das Relações Exteriores russos Sergey Lavrov na cúpula diplomática em Antalya na última quinta-feira uma confissão velada de que Moscou pode não ter estado totalmente preparada para a pesada artilharia financeira enviada pelos americanos:

“Resolveremos o problema – e a solução será deixar de depender de nossos parceiros ocidentais, sejam governos ou empresas que estejam agindo como ferramentas de agressão política ocidental contra a Rússia, em vez de perseguir os interesses dos próprios negócios”. Faremos com que nunca mais nos encontremos em situação semelhante, e que nem algum Tio Sam nem seja quem for possa tomar decisões que visem a destruir nossa economia. Encontraremos uma maneira de eliminar essa dependência. Já deveríamos ter feito isso há muito tempo”.

Portanto, “há muito tempo” começa agora. E um de seus apoios será o sistema financeiro eurasiático. Enquanto isso, “o mercado” (como no casino especulativo americano) “acha” (opiniões de seus próprios oráculos) que as reservas de ouro russo – as que ficaram na Rússia – não conseguem suportar o rublo.

Não é essa a questão – em vários níveis. Os oráculos auto-fabricados, submetidos a décadas de lavagem cerebral, acreditam que o Hegemon dita o que “o mercado” faz. Não. Isso é mera propaganda. O fato crucial é que no novo paradigma emergente, as nações da OTAN representam, no máximo, 15% da população mundial. A Rússia não será forçada a praticar a autarquia porque não precisa fazê-lo: a maior parte do mundo – como vimos pela robusta lista de nações não sancionadoras – está pronta a fazer negócios com Moscou. O Irã mostrou como se faz isso. 

Os comerciantes do Golfo Pérsico confirmaram ao The Cradle que o Irã está vendendo nada menos que 3 milhões de barris de petróleo por dia, mesmo agora, ainda sem acordo assinado JCPOA(Acordo para o Joint Comprehensive Plan of Action, que está atualmente em negociação em Viena). O petróleo é re-rotulado, contrabandeado e transferido de petroleiros na calada da noite.

Outro exemplo: a Indian Oil Corporation (IOC), enorme refinaria, acabou de comprar 3 milhões de barris de petróleo Urals russo, da intermediária Vitol, para entrega em maio. Não há sanções para o petróleo russo – pelo menos, ainda não.

O plano redutor de Washington, Mackinderesco, é manipular a Ucrânia como peão descartável para atacar, até fazer da Rússia terra arrasada, e depois atingir a China. Essencialmente, é dividir-e-controlar para esmagar, não apenas um, mas dois competidores da Eurásia que estão avançando em passos largos, como parceiros estratégicos abrangentes.

Na opinião de Hudson: “A China está na mira, e o que aconteceu com a Rússia é ensaio geral para o que pode acontecer com a China. Nessas condições, quanto antes falir, melhor. Porque agora a vantagem é maior”.

Toda a tagarelice sobre a “quebrar os mercados russos”, o fim dos investimentos estrangeiros, a destruição do rublo, “embargo comercial total”, expulsão da Rússia da “comunidade das nações”, e assim por diante –, tudo isso é para a torcida zumbificada. O Irã enfrenta a mesma coisa há quatro décadas, e sobreviveu.

Por justiça poética histórica, como Lavrov queria, agora acontece que Rússia e Irã estão prestes a assinar um acordo muito importante, que provavelmente será equivalente à parceria estratégica Irã-China. Os três principais nós de integração da Eurásia vão aperfeiçoando em movimento a interação entre eles; e podem, sem demora, passar a utilizar um sistema monetário e financeiro novo e independente.

Mas há ainda mais justiça poética a caminho, girando em torno da derradeira mudança de jogo. E veio muito mais cedo do que todos nós pensávamos.

A Arábia Saudita está considerando aceitar o yuan chinês – não dólares americanos – pelo petróleo que vende à China. Tradução: Pequim disse a Riad que essa é a ‘onda’ da hora. O fim do petrodólar está próximo – e é o prego derradeiro, no caixão do indispensável Hegemon.*******

O jornal Pagina12, de Buenos Aires, adota a versão Iniciativa de la Franja y la Ruta. Parece-nos boa solução. E, supondo que a tradução esteja certa, ‘ajeitamos’ para “Iniciativa Rota e Franja” que, em todos os casos é melhor que “Iniciativa Cinturão e Estrada”, que nada significa em português. Que ‘cinturão’?! [Nota dos Revisores].

Tradução: Vila Mandinga [Tradução automática, por Google Translator, corrigida e revista, para finalidades acadêmicas, sem valor comercial.]


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Pepe Escobar Pepe Escobar é um jornalista investigativo independente brasileiro, especialista em análises geopolíticas e Oriente Médio.

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