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O Programa Alimentar Mundial (PAM) organizou em Guiné Bissau, uma consulta nacional para a apresentação e validação da Estratégia Fome Zero e a questão que hoje é encarada, é que não se pode projetar políticas públicas para determinados grupos sociais sem que tais não tenham participado no processo.
Por Enfamara Cassamá, para Revista Perspectiva das Nações Unidas
No dia 29 de junho, o Programa Alimentar Mundial (PAM) organizou em Bissau, uma consulta nacional para a apresentação e validação da Estratégia Fome Zero. A elaboração da estratégia foi lançada publicamente a 31 de janeiro de 2018 na presença do secretário-geral do Ministério da Economia e Finanças, em representação do ministro desta tutela. Visou apoiar o Governo na moldura de uma estratégia e um roteiro para o alcance da Meta 2, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030.
Várias dezenas de pessoas, entre representantes de diversas associações, ONU, várias direções-gerais do Estado, deputados da nação, crianças do Parlamento Infantil, as forças da Defesa e Segurança, especialistas de diversos ramos das ciências sociais e humanas presenciaram o ateliê de um dia no Hotel Azalai.
Para se modelar um olhar mais perpicaz sobre o evento, Perspetivas avistou-se com o sociólogo guineense, Miguel de Barros, investigador e coordenador adjunto da Equipa Técnica Nacional – Fome Zero, que realizou o estudo.
Perspetivas – Você esteve no encontro organizado no Azalai onde participaram quase todas as forças vivas da nação guineense para discutir e validar o documento Fome Zero até 2030. No que é que consiste esse tal documento?
Miguel de Barros: A elaboração da Estratégia Fome Zero é uma demanda que os Estados em vias de desenvolvimento assumiram na caminhada de (concretização) do Objetivo Fome Zero até o ano 2030 e que o sistema das Nações Unidas, através de sua agência, neste caso, o PAM – Programa Alimentar Mundial, assumiu o compromisso que vai prestar assistência aos países que se encontram nesta situação de atingir essa meta até 2030. A Guiné-Bissau, a par de outros países africanos, tem estado a avançar com tal processo desde a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mas, sobretudo, para poder responder ao eixo 2 desse objetivo, que advoga exatamente o fim da fome no mundo.
Neste sentido, foi feita a escolha de um conjunto de técnicos nacionais das áreas das ciências sociais e humanas, mas também outros ligados às questões de saúde e de nutrição para lidarem no sentido de ver como podem assistir o Governo da Guiné-Bissau a possuir uma visão baseada naquilo que são os desafios da realidade local, quais são os constrangimentos, quais são as potencialidades capazes de permitir a mobilização de esforços exatamente de concretização dessa ideia de chegar a 2030 pelo menos com metas bem definidas e os resultados que podem também ser alcançados.
Então, esta questão de Fome Zero até 2030, assenta-se sobretudo na visão de que, para se acabar com a fome, é preciso garantir a segurança alimentar e nutricional baseado na melhoria do sistema educativo orientado para questões da educação alimentar e nutricional, mas também, reforçando toda a componente do aumento das capacidades de produção local, em particular, a agricultura familiar camponesa e, igualmente, de mobilizar o próprio Governo e seus agentes na criação de um ambiente favorável do ponto de vista institucional que permitam com que as instituições dêem respostas, que as leis sejam favoráveis, mas também, que se articule com a própria sociedade civil, com o setor privado no aumento desse potencial, e, ainda, vai permitir criar as condições de seguimento desse processo através de parcerias que possa fazer não só ao nível nacional como também no internacional, neste caso, através da cooperação Sul-Sul e triangular, e ao mesmo tempo esse processo vai permitir a que o país adote um comportamento que vai beneficiar os cidadãos guineenses na valorização do seu potencial natural e cultural existente, que devem estar aos serviços da sua segurança alimentar e nutricional.
Então, para se chegar a esse compromisso, a essa visão, foi preciso organizar a recolha da informação, do ponto de vista metodológico além de estudos de outros processos que aconteceram noutros países, caso por exemplo, do Brasil, que é o campeão nesse processo, mas, também, foi considerada a necessidade de se falar com especialistas na matéria e a organização de sessões públicas no sentido de uma auscultação de todos quanto constituem alguma sensibilidade, incluindo os atores que intervêem na área de segurança alimentar.
Vocês fizeram, sim, as consultas indo em direção a todos os atores. Agora é a vez desta sessão de validação do documento estratégico.
Efetivamente, os trabalhos foram lançados no final de janeiro deste ano e de lá a esta parte, entre março a maio, decorreu todo um processo de consulta. Por exemplo, foram auscultados jornalistas pelo papel que os órgãos de comunicação social jogam na educação de massa, foram auscultados jovens, redes juvenis – visto ser a camada maioritária da nossa população, foram ouvidas organizações das mulheres, devido ao fato de as mulheres serem atores mais importantes de todo o sistema produtivo, desde a preparação dos terrenos de lavoura até a confecção de alimentos, foram ouvidas as crianças através Parlamento Infantil…
Com certeza, a presença delas nesta sessão impressiona e clama uma certa seriedade do processo.
Sim, aliás, a questão que hoje é encarada, é que não se pode projetar políticas públicas para determinados grupos sociais sem que tais não tenham participado no processo. É que, as vezes, ignoramos ter a presença das crianças, não lhes atribuímos o estatuto de que elas também podem ter suas ideias, seus pensamentos. Mas, as questões que elas colocam são extremamente pertinentes. Por exemplo, a sessão que tivemos com o Parlamento infantil durante um dia inteiro foi muito importante, elas falaram das suas prioridades, seus objetivos e como entendem que o Estado da Guiné-Bissau deve melhorar o acesso ao alimento e garantir uma nutrição saudável para as crianças. Então, isto sucedeu com as crianças, mas aconteceu também com o setor privado, com as ONG’s, com instituições públicas, todas as direções-gerais estão envolvidas neste processo…
Inclusive os militares…
Sim, também com os militares, porque nós temos tido bastante engajamento em termos de apoio orçamental nas despesas do efetivo da Defesa e Segurança, mas também, este efetivo tem capacidades de produção. Então, era importante perceber quais são os níveis de consumo, quais são as perspectivas de consumo e como é que isso acaba por corresponder com a capacidade interna de o serviço da Defesa e Segurança dar resposta à melhoria das nossas capacidades produtivas.
Depois de todas essas consultas em Bissau, o processo foi alargado às regiões. Por exemplo, na região do Norte, as consultas decorreram em Canchungo, onde não só juntou todas essas sensibilidades, mas também a Administração local, o Governo local, o poder tradicional, as autoridades religiosas, grupos de camponeses, associações locais e comunitários e grupos não-formais. Todos participaram. No Leste, a consulta teve lugar em Bafatá, onde foi garantida essa participação e no Sul, aconteceu em Buba, na região de Quínara, onde se juntaram todos esses elementos.
Depois, acertamos encontros com alguns especialistas ligados à questão de segurança alimentar e nutricional para saber como é que enquadram uma visão de médio e longo prazo relativamente à capacidade de a Guiné-Bissau dar resposta à segurança alimentar e nutricional. Foi na base disso que depois elaboramos aquela estratégia que tem eixos estruturantes e analisamos o fato de como é que a questão político-institucional deve ser resolvida a curto e médio prazo, a questão de como é que a capacidade produtiva deve ser resolvida, como é que a capacidade de transformação local de produtos deve ser resolvida, por que é que há lacunas e limitações na nossa capacidade de resposta à questão da segurança alimentar e nutricional, como é que podemos aproveitar o nosso potencial natural, como alguns mitos e tabus condicionam a própria questão de segurança alimentar e nutricional, como é que deve haver o aproveitamento de toda a nossa biodiversidade e serviço do ecossistema em prol da melhoria da segurança alimentar e nutricional, como se deve montar um sistema de vigilância e de fiscalização e controle alimentar, como se deve monitorizado todo este processo da estratégia, mas também, qual é o modelo de governança em que a própria estratégia deve repousar. Estes são os eixos analisados no estudo e, agora, juntamos todos os atores auscultados ao nível central e regional para que tenham acesso ao documento, opinem sobre ele, para verem os mais prioritários entre os eixos abordados ou aqueles que deveriam ser encarados a longo prazo.
E a partir daqui, o nosso desafio é a incorporação de todas as contribuições numa estratégia, a qual começará depois a ser discutida com as instituições governamentais e da cooperação os mecanismos da sua implementação.
O que foi deixado claro nas auscultações é que o presente documento não vai ter a mesma sorte que os outros documentos estratégicos que o país teve, onde o Governo apenas se serviu dele para ir pedir contribuições dos parceiros. Neste, o Governo deverá ter uma contribuição efetiva, por exemplo, no aumento do Orçamento-geral do Estado que pode reservar 10% para o setor agrícola e em que o orçamento para a nutrição chegue a 3%. E deste, se pode deduzir que temos um programa nacional que é transversal, que toma em conta não só a possibilidade de alcançar um objetivo como este, mas também em que o próprio esforço interno já tem um elemento de contribuição, que é já um ponto de partida, o qual serve de elemento de estímulo para os outros darem sua contribuição àquilo que é o compromisso do país…
Quer dizer, eu já dei mostras de meu esforço interno, agora é a vossa vez.
Sim, é exatamente isso. Então, a partir daqui, entendemos que deveria haver uma requalificação daquilo que é a elaboração do Orçamento-geral do Estado. Isto, para que dê mostras de que, quando se diz a agricultura é uma prioridade, que isso não tenha a ver são com um setor, mas que englobe tudo, por exemplo, a fruticultura, horticultura, a transformação dos produtos agro-silvo-pastoris, ver a questão das pescas, de acessibilidade, a qualidade alimentar e que isso permita a que aquilo que consumimos seja da nossa capacidade de produção e também, aquilo que consumimos seja aquilo que o nosso sistema educativo concede como informação mais adequada, onde as pessoas possam melhorar a sua condição nutricional. E daqui, podemos aumentar a possibilidade de termos uma vida mais longa, aumentaríamos até as capacidades daqueles estudam e aumentaríamos também as potencialidades de o país gerir sua economia gerando empregos.
Agora, a terminar, quem é que têm para dar força ao presente documento na fase de validação, o Parlamento? O Governo?
Há um elemento que não lhe referi no início: no processo das auscultações participaram cinco comissões especializadas da ANP. A auscultação dos deputados aconteceu no Palácio Colinas de Boé e os mesmos participaram na restituição do documento. Nós quisemos, numa primeira instância, que este modelo de auscultações fosse inclusivo.
Assim que o documento estiver pronto, dentro do mecanismo da própria governança, a própria ANP é parte do processo. Depois da concretização dos elementos essenciais, a coordenação da equipa técnica desenvolveu uma agenda de advocacia como forma de demonstrar a cada instituição qual o eixo mais estratégico para ela mesma assumir a sua pilotagem. E isso vai suceder a partir de julho próximo até ao final do ano para permitir uma apropriação nacional do documento.
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Imagem: Reprodução da Revista Perspectiva das Nações Unidas.