Pesquisar
Pesquisar

Há 38 anos, Thomas Sankara realizava a revolução de Burkina Faso. Confira nas páginas da Cadernos de Terceiro Mundo

Apesar das breves conquistas e da tentativa de desenvolvimento econômico e social, o governo de Sankara desagradou, é claro, aqueles grupos contrários a qualquer tipo de emancipação ou melhoramento do nível de vida das camadas populares
Gabriel Rodrigues Farias
Diálogos do Sul Global
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Nesta semana, mais precisamente nesta quarta-feira (4), completaram-se 38 anos da posse de Thomas Sankara como presidente da República do Alto Voga. Nascido em 1949, Sankara foi um militar, revolucionário marxista e uma das grandes lideranças políticas do Pan-Africanismo. 

Um ano depois de sua posse como chefe de Estado, em 4 de agosto de 1984, ele mudaria o nome do país para Burkina Faso, o que significa ‘’Terra das pessoas íntegras’’ nas duas línguas originárias mais faladas na região (mossi e diúla).

O governo revolucionário de Sankara tinha como característica a tentativa de erradicar as principais mazelas oriundas do colonialismo francês e do capitalismo periférico, tais como a extrema pobreza, as desigualdades sociais e o sistema corrupto. 

Durante seu governo, foram implementados programas que tinham como objetivos reduzir a mortalidade infantil, aumentar as taxas de alfabetização e ampliar a participação das mulheres na vida política e social do país, chegando ao ponto de abolir práticas tribais tradicionais como mutilações genitais e casamentos forçados.

Vale destacar o sucesso que seu governo teve nas campanhas de vacinação infantil. Apesar das breves conquistas e da tentativa de desenvolvimento econômico e social, o governo de Sankara desagradou, é claro, aqueles grupos contrários a qualquer tipo de emancipação ou melhoramento do nível de vida das camadas populares. 

Em 15 de outubro de 1987, somente quatro anos após a sua chegada ao poder, Sankara foi morto em um Golpe de Estado chefiadas pelas forças reacionários do país com colaborações de potências imperialistas do Atlântico Norte.

Mesmo com o seu breve governo e com sua morte prematura, Sankara continua sendo um símbolo de resistência e de luta emancipatória no continente africano e de outros povos oprimidos no Sul Global. 

Nesse sentido, vamos reproduzir, logo abaixo, o Obituário que a revista Cadernos do Terceiro Mundo fez para o líder burquinense na edição de novembro de 1987.

Segue o texto:

No dia 15 de outubro, a república de Burkina Faso viu as suas esperanças de erradicar a pesada herança colonial seriamente ameaçadas por um confuso golpe de estado, o quinto após a sua independência. 

O capitão Thomas Sankara foi assassinado logo depois de ter sido derrubado do poder pelo seu velho amigo e auxiliar direto, o também capitão Blaise Campaore. Sankara assumiu o governo em 1983 quando, junto com jovens oficiais de tendência nacionalista, derrubou o presidente Jean Baptiste Ouedraogo. 

Começou então uma revolucionária experiência política na qual o novo governo colocou como principal objetivo a busca da autonomia, tanto política como econômica. Quando tomou o poder, Sankara, um oficial paraquedista, tinha pouco mais de 35 anos e teve quase toda a sua carreira marcada por uma grande identificação com os camponeses pobres. 

Quando era comandante da guarnição de Po, no sul do país, Sankara criou unidades mistas de soldados e camponeses para realizar tarefas agrícolas de emergência, como a luta contra a seca e socorro às populações famintas.


Veja também:
Da reforma agrária ao direito das mulheres: conheça os legado de Thomas Sankara

Sankara organizou, também, os Comitês de Defesa da Revolução (CDR), entidades de base encarregadas não só de dar apoio ao movimento que ele iniciou, mas também de executar tarefas administrativas. Era o embrião de um partido do governo. Só que na montagem dos CDRs, o jovem capitão desprezava os métodos políticos tradicionais preferindo usar um sistema mais próximo da disciplina e hierarquia militares, que ele achava mais eficiente e menos complexo.

Para criar hábitos novos no país, dentro de uma preocupação quase obsessiva com a busca da autonomia, a cerveja à base de malte e cevada foi substituída pela feita a partir do sorgo, um produto local. 

Também foi reduzida a importação de trigo para a produção de pão branco, dando preferência a cereais produzidos na região. O estímulo dado pelo governo permitiu elevar a produção agrícola num país que durante os últimos 30 anos viu a sua área destinada a cultivas alimentares reduzir-se a um terço, em consequência da prioridade dada às plantações de algodão destinado à exportação. 

Na safra de 1986, foram colhidas 1,58 milhão de toneladas de cereais, a maior produção dos últimos dez anos. Em Burkina Faso, a agricultura de auto-subsistência contribui com apenas dois quintos do PNB, mas ocupa 90% da população. Dos 27,4 milhões de hectares de terras disponíveis no país, apenas 9 milhões são cultiváveis economicamente e 2,1 milhões efetivamente usados.

Sankara pretendia romper o histórico isolamento de Burkina, um país sem acesso ao mar, através da construção de uma ferrovia ligando o porto de Abidjan, na Costa do Marfim, à capital burquinabense, Ouagadougou, ao mesmo tempo em que deu prioridade ao ambicioso projeto de construção de uma grande represa perto da fronteira com Gana, para favorecer a irrigação e produzir energia elétrica. 

Por isso, Sankara passou a adotar uma cuidadosa estratégia diplomática para neutralizar governos vizinhos conservadores e hostis como a Costa do Marfim, Togo e Niger. 

Seus grandes aliados na região eram Gana e Benin, além de ter as simpatias dos demais governos nacionalistas da África. O golpe do dia 15 de outubro lançou dúvidas sobre o futuro de Burkina. 

O capitão Blaise Campaore, 36 anos de idade, há muito tempo era o mais próximo assessor de Sankara. Aparentemente não havia grandes divergências entre os dois, mas o fato do golpe ter provocado a morte do presidente e de mais de uma dezena de auxiliares do capitão Sankara levanta dúvidas sobre as reais intenções do novo governo. 

O golpe foi repudiado por quase todos os países nacionalistas da África, onde Sankara era muito popular, em particular pela sua luta contra a interferência estrangeira. ‘’

Memória

A Diálogos do Sul é a continuidade digital da revista fundada em setembro de 1974 por Beatriz Bissio, Neiva Moreira e Pablo Piacentini em Buenos Aires:

A recuperação e tratamento do acervo da Cadernos do Terceiro Mundo foi realizada pelo Centro de Documentação e Imagem do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ, fruto de uma parceria entre o LPPE-IFCH/UERJ (Laboratório de Pesquisa de Práticas de Ensino em História do IFCH), o NIEAAS/UFRJ (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e as Relações Sul-Sul) e o NEHPAL/UFRRJ (Núcleo de Estudos da História Política da América Latina), com financiamento do Governo do Estado do Maranhão.


Textos publicados originalmente na página Revista Cadernos do Terceiro Mundo – Acervo Digitalizado

‘’Thomas Sankara e o Governo Revolucionário de Burkina Faso’’ por Ken Blackman.

CADERNOS DO TERCEIRO MUNDO. Rio de Janeiro: Terceiro Mundo, ano 10, n. 105, nov. 1987, p. 4

As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na Tv Diálogos do Sul

 

   

Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:







As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gabriel Rodrigues Farias

LEIA tAMBÉM

Sanchez-Begona-esposa-Espanha
Convocação de Sánchez a depor no caso contra sua esposa alimenta pressão da extrema-direita
Netanyahu_Congresso_EUA
Atos contra Netanyahu no Congresso dos EUA expõem declínio da narrativa sionista
Malnutrition in Zamzam camp, North Darfur
Guerra no Sudão: Emirados Árabes armam milícias, afirma investigação; Espanha dificulta asilo
estudo-Lancet-palestinos
186 mil palestinos assassinados: Lancet divulga estudo alarmante sobre vítimas em Gaza