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ToggleO mundo viu, estarrecido, na noite do dia 1º de setembro, as imagens do atentado contra a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner. As cenas mostravam um homem se aproximando da vice com uma arma e apontando diretamente para o rosto dela. Ele tenta atirar duas vezes, mas a arma falha. Ao fugir, é pego primeiro por apoiadores de Cristina que estavam em frente à sua casa, protestando contra o pedido de prisão feito contra ela pelo Ministério Público argentino, por causa de uma acusação de desvio de dinheiro público
A imprensa argentina logo divulgou o nome do responsável pelo atentado: Fernando André Sabag Montiel, de 35 anos. Cidadão brasileiro, filho de pai chileno e mãe argentina, Fernando mora na Argentina desde 1993. Na primeira imagem do atirador divulgada pela imprensa, um detalhe chama a atenção. Fernando tem tatuado no cotovelo um símbolo nazista que ficou conhecido mundialmente por ser usado pelo Batalhão Azov, agrupamento neonazista da Ucrânia: o sol negro.
Atentado a Cristina Kirchner: ódio contra vice-presidenta e peronismo atinge nível extremo
Logo após a divulgação do nome e da nacionalidade de Fernando pela imprensa, houve uma movimentação entre os brasileiros para tentar estabelecer uma conexão entre o atirador e o presidente Jair Bolsonaro. As redes sociais publicaram prints de postagens bolsonaristas feitas por uma conta de um brasileiro com o nome semelhante ao de Fernando. Nada disso, contudo, se mostrou real.
As contas verdadeiras de Fernando no Facebook e Instagram — o perfil no Twitter tem poucas interações e seguidores — não mostram qualquer interesse na política brasileira. Suas fotos e curtidas revelam que ele se alinha ideologicamente com o que pesquisadores da extrema-direita conhecem como “hitlerismo esotérico”.
No caso do jovem brasileiro, ele parece estar ligado a uma linha do hitlerismo esotérico criada pelo esotérico e escritor argentino Luis Felipe Cires Moyano Roca, mais conhecido como Nimrod de Rosario.
FotoMontagem | Ponte Jornalismo
Fernando André Sabag Montiel e o sol negro | Foto: Redes sociais
Orden de Caballeros Tirodal de la República Argentina
Moyano fundou em 1985 uma ordem esotérica chamada Orden de Caballeros Tirodal de la República Argentina (OCTRA). O nome Tirodal vem da junção dos nomes das runas Tyr e Odal, e o símbolo da ordem é um bindrune — união de duas ou mais runas em um só desenho para fins místicos.
É importante salientar que as runas não são usadas somente por neonazistas, mas o uso desse tipo específico, conhecidas como runas Armanen, denota afiliação a esses ideais. Armanen Futhark (1) é o alfabeto rúnico de 18 singos criado pelo místico alemão Guido Von List. Ele dizia que os símbolos teriam sido reveladas a ele em uma visão e eram mais antigas que o Elder Futhark — alfabeto rúnico com 24 caracteres, considerado o mais antigo por estudiosos da área.
As runas Armanen foram adotadas por organizações Völkisch [termo guarda-chuva que abarca diversas organizações de cunho nacionalista que pensavam a sociedade a partir da raça alemã] como símbolo de ancestralidade germânica e pelas Schutzstaffel (SS), que usavam a runa Sig, representando o raio solar, como símbolo.
O Sol Negro também usa esses símbolos: é formado por 12 runas Sig dispostas em forma de círculo para representar a roda solar. A primeira representação conhecida do Sol Negro é um mosaico no castelo de Wewelsburg, que foi ocupado durante a guerra e transformado em um tipo de quartel-general das SS por seu líder, Heinrich Himmler.
Apesar da reconhecida proximidade de Himmler e outros membros da SS com o ocultismo, não há registros de que isso tenha influenciado ideologicamente a organização como um todo. A criação do mito do Sol Negro (2) se deu no pós-guerra, pelas mãos do ex-oficial das SS Wilhelm Landig. Foi de Landig que partiu a ideia de usar o sol negro como uma fonte mística de energia que seria capaz de regenerar a raça ariana.
Uma forma de reconhecer as runas do alfabeto Armanen é pelas suas linhas grossas pretas e, no caso da runa Odal, o uso de serifas — o que não ocorre em outros alfabetos.