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Homofobia: quatro mulheres trans e travestis foram assassinadas em apenas 28 dias no Ceará

Rede de Observatórios da Segurança mapeou mortes ocorridas em Fortaleza; pesquisadoras criticam a desumanização dos corpos trans e desrespeito policial
Caê Vasconcelos
Ponte Jornalismo
Fortaleza

Tradução:

Quatro mulheres trans e travestis foram mortas em Fortaleza, capital do Ceará, em menos de 30 dias. Os crimes aconteceram entre 12 de julho e 10 de agosto de 2020. Quem levantou as informações foi a Rede de Observatórios da Segurança do Ceará.

A maquiadora e cabeleireira Soraya Oliveira, 35 anos, foi a primeira vítima, em 12 de julho. Ela foi encontrada morta na Lagoa da Maraponga, com ferimentos de arma de fogo. O corpo de Ediberto dos Santos Brasileiro, 39 anos, foi encontrado junto ao corpo dela.

Em 3 de agosto, uma travesti não identificada foi encontrada morta a facadas em Bonsucesso. O corpo estava a 700 metros de uma unidade do BPMA (Batalhão de Polícia de Meio Ambiente).

Cinco dias depois, em 8 de agosto, outro caso. Uma travesti adolescente de 15 anos, também não identificada, foi encontrada morta a tiros na Grande Lisboa.

A adolescente foi morta na mesma região em que Dandara dos Santos, 42 anos, em fevereiro de 2017. A sua morte ganhou repercussão internacional por mostrar a face da transfobia (ódio ou aversão causados pela identidade de gênero) no país: o crime foi gravado e divulgados em redes sociais.

O quarto caso aconteceu em 10 de agosto, no centro de Fortaleza. A travesti Letícia Costa, 30 anos, foi encontrada morta a tiros. Não há informação sobre os suspeitos nem a motivação do crime.

Rede de Observatórios da Segurança mapeou mortes ocorridas em Fortaleza; pesquisadoras criticam a desumanização dos corpos trans e desrespeito policial

Foto: Reprodução/Facebook
Soraya Oliveira é uma das quatro pessoas mortas no Ceará nos últimos 30 dias

Dossiê Trans

Segundo os dados do Dossiê Trans, uma pesquisa organizada pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e pelo IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação), foram 124 assassinatos em 2019, enquanto em 2018 o número foi de 163. O Ceará ocupou a segunda posição do ranking, com 11 mortes, atrás apenas de São Paulo, que concentrou 21 casos.

Para Ana Letícia Lins, pesquisadora do Observatórios da Segurança do Ceará, o que mais chama a atenção é a quantidade de mortes em um período tão curto. A forma que a mídia local abordou os casos, para a pesquisadora, também é “chocante”.

“Os jornais locais divulgaram que era ‘um corpo masculino’. Nos choca porque as matérias estão atreladas aos boletins que a Secretaria da Segurança Pública lança”, explica. “A pessoa já passou pela situação de violência e, mesmo em sua morte, ela é desumanizada. Isso também aconteceu com a Letícia, que, logo após o nome dela, foi divulgado o nome antigo”, critica. 

Se políticas públicas eficazes não forem feitas, argumenta Ana, “o Ceará vai continuar sendo um local de genocídio dessas pessoas”. “Elas precisam de uma atenção diferenciada se não continuaremos com casos como o de Dandara e o de Soraya. O Ceará vai continuar sendo um local de genocídio dessas pessoas”.

Dália Celeste, pesquisadora do Observatório da Segurança de Pernambuco, que tem como foco de pesquisa os temas gênero, raça, etnia e sexualidade, destaca a desumanização dos corpos trans nos assassinatos: “É um extermínio escancarado”.

“Precisamos olhar a forma com que essas execuções são realizadas. O processo de higienização e o crime de ódio que reflete muito na forma que somos assassinadas. Não basta uma facada, que já pode matar, mas os assassinos colocam o ódio contra aquele corpo, com muitos tiros e muitas facadas”, argumenta. 

Isso, aponta Dália, é sintomático da transfobia. “O trans feminicídio [assassinato de mulheres trans ou travestis pelo fato de serem mulheres trans, ou travestis] não é pelo fato de ter problemas de desejar e se envolver com ela, mas os homens [cisgêneros, que se reconhecem no gênero de nascimento] têm vergonha de desejar um corpo que, socialmente, foram ensinados a odiar. Vivemos em uma sociedade que foi ensinada a odiar nossos corpos e julgar que eles são executáveis”.

Dália explica que as estatísticas são prejudicadas toda vez que a mídia noticia assassinatos de pessoas trans com o gênero e nome que elas não reconhecem. Isso porque essa base de dados é levantada por ONGs a partir da análise de reportagens.

“Mulheres trans, travestis e homens trans estão morrendo, mas ficamos sem os levantamentos, porque estão sendo enterrados esses corpos com a morte da identidade”, completa. 

O tratamento dado nos registros policiais também é determinante. “Para além desses corpos serem agredidos, quando vão fazer a denúncia nas delegacias também precisam lidar com o desrespeito com a sua identidade de gênero, por isso há muita dificuldade de essas pessoas fazerem as denúncias”, explica. 

Para Dália, as mortes de mulheres trans e travestis já estão naturalizadas. “Enquanto as outras siglas lutam pelo direito de amar, a gente luta pelo direito de existir, a gente luta para ter o nosso nome. Não deveríamos passar por isso”, conclui.

Outro lado

A reportagem questionou a SSPDS (Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social) do Ceará e a Polícia Civil sobre as políticas públicas em relação à população trans, a forma com que os registros policiais são feitos, se respeitam os nomes sociais, e como estão as investigações dos quatro casos.

Em nota, a pasta informou que desenvolve uma série de iniciativas em atenção às políticas públicas para o público LGBT+, como campo para o nome social, orientação sexual e identidade de gênero no registro de boletim de ocorrências e atendimento nas Delegacias de Defesa da Mulher em casos de violência doméstica contra mulheres transsexuais ou travestis.

A SSPDS também frisa na nota que realiza seminários temáticos e ministra disciplinas para capacitar os servidores que atuam com grupos vulneráveis.

A pasta também afirma que às quatro mortes são apuradas pela Polícia Civil. A morte de Letícia Costa é investigada pela 4° delegacia do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).

O assassinato da travesti de 15 anos, ainda não identificada, morta no dia 8 de agosto, é investigado 2° delegacia do DHPP.

As investigações da travesti morta em 3 de agosto estão a cargo da do 27° Distrito Policial. E a 9° delegacia do DHPP cuida das investigações da morte de Soraya de Oliveira Santiago.

Caê Vasconcelos | Ponte Jornalismo


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Caê Vasconcelos

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