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Honduras: uma velha receita fora de moda

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

Paulo Cannabrava Filho*

Paulo-Cannabrava-Filho.-Perfil-DiálogosEm Honduras se repete uma velha receita muito utilizada no século passado e bem provada pelos países latino-americanos, particularmente pelos brasileiros.  As elites oligarcas, com os pés no país e a cabeça nos Estados Unidos, articulam seus pares no Congresso e os comandos militares. Os militares dão o golpe e o congresso declara vaga a presidência da república e coloca uma raposa velha no poder e tudo volta a ser como dantes no quartel de Abrantes.

Em 1961 aplicaram a receita no Brasil. Jânio Quadros presidente renunciou, o presidente do Congresso declarou vaga a presidência mas, coisa rara, as forças armadas estavam divididas, uma parte preferiu a legalidade e frustrou o golpe. Em 1964 repetem com precisão a mesma receita. O mesmo Auro de Moura Andrade presidindo o Congresso declara vaga a presidência da república e levamos mais de 20 anos para nos livrar da ditadura.

O golpe contra o presidente hondurenho Manuel Zelaya Rosales seguiu a risca esse roteiro. A impressão que se tem é a de que os gorilas da Cia não entenderam que o mundo está mudando  e que o novo presidente Obama não conseguiu ainda controlar o aparato de inteligência de seu país e os oficiais do Comando Sul. Ou então, todo seu discurso é pra inglês ouvir e está conivente com a truculência. É mais provável essa segunda hipótese quando se vê a presença até do Mossad, o terrível serviço de inteligência de Israel, em postos estratégicos do governo Obama. Para provar o contrário Obama terá que desmobilizar essas forças. Conseguirá?

Nas repúblicas bananeiras da América Central perde-se a conta de quantas vezes aplicaram essa receita. E Honduras é um caso especial. Desde o início do século XX lhe é imposta uma situação de quase colônia dos Estados Unidos. Quase colônia porque eles mantêm lá as instituições do estado como se fora independente. Mas não é. Além da presença militar os Estados Unidos impuseram aos hondurenhos o Tratado de Livre Comércio no contexto da Alca – Área de Livre Comércio das Américas – e com isso vieram as maquilas.

Durante o século passado os Estados Unidos mantiveram umas 14 bases militares em território hondurenho. Os oficiais das forças armadas e da polícia eram e são treinados ou formados nas escolas estadunidenses, primeiro no enclave colonial que mantinham na Zona do Canal do Panamá e depois da virada do século nos Estados Unidos.

A base de Palmerola, instalada em 1904, em 1954 foi utilizada para despachar os mercenários da Cia e aviões que perpetraram o golpe contra Jacobo Arbenz, que com apoio popular tentava implantar uma democracia na Guatemala.  Na década de 1980 essa mesma base foi utilizada para treinar mercenários e dar apoio aos contra na Nicarágua e logo em seguida contra a guerrilha de El Salvador.  Em Olancho, perto da fronteira com a Nicarágua, foram treinados mercenários desembarcados no Iraque na era Bush.

Ainda hoje os Estados Unidos mantêm em Palmerola um contingente de cerca de 500 oficiais e soldados e mais de 600 civis na base aérea de Soto Cano com sua Força Tarefa Conjunto Bravo.  Essa base tem infra-estrutura para abrigar até 4 mil soldados. Uma tragédia permanente para a população do entorno com as conseqüências da presença de tropas estrangeiras: estupros, prostituição, doenças  sexualmente transmissíveis, tráfico permanente de drogas e outros ilícitos. Com o pretexto de praticar missões humanitárias eles interferem em tudo, inclusive nas escolas primárias. A alienação necessária para a dominação começa cedo.

Além de Honduras os Estados Unidos mantém 17 bases em países latino-americanos, entre as quais: Porto Rico (Vieques), Cuba (Guantanamo), Equador (Manta), Três Esquinas e Letícia (Colômbia, esta na fronteira com Brasil), Iquitos (Peru, na fronteira com Brasil), Rainha Beatrix (Aruba), Hato (Curaçau), Comalapa (El Salvador), na Costa Rica mantêm a Academia Internacional para o Cumprimento da Lei, uma escola para policiais nos moldes da Escuela de las Americas que mantinham no Panamá onde mantêm hoje uma enorme base de escuta eletrônica operada pela Cia.

Zelaya foi eleito em 2005 pelo Partido Liberal, de tradição conservadora, mas não demorou muito para dar uma grande virada na política, atendendo as pressões dos movimentos sociais de caráter popular. Uma das medidas que surpreendeu os observadores foi denunciar o TLP com os Estados Unidos e aderir  a Aliança Bolivariana das Américas – Alba -, iniciativa integradora do venezuelano Hugo Chaves que conta com a adesão de Bolívia, Cuba, República Dominicana, São Vicente  e Granadinas, Equador, Antigua e Barbados.

Em outubro de 2008, o Conselho Mundial da Paz realizou o Segundo Encontro Hemisférico para a Desmilitarização, um grande fórum em Honduras com a presença de mais de 800 delegados de 27 países. O evento coincidiu com grande mobilização da sociedade civil, liderada pelas organizações indígenas e camponesas, em apoio ao governo de Zelaya e contra a presença das bases militares  em nossa América.

Esse talvez tenha sido o estopim que mobilizou os militares. Afinal, o que eles ganham ou conseguem ganhar com base no orçamento do país não se compara às mordomias e prebendas oferecidas pelos estadunidenses com a finalidade de manter a presença militar  no país.

O problema criado para o povo hondurenho é de difícil solução. Admitir o fracasso da Cia não está na cartilha deles nem do comando Sul dos EUA. Zelaya diz que resistirá e, conta com os inusitados apoios  de Miguel d´Escoto, um nicaragüense de origem sandinista que está na presidência da ONU e do secretário geral da OEA, Jose Miguel Insulza, um chileno que integrou o governo da Unidade Popular presidido por Salvador Allende. Praticamente todos os governos latino-americanos se manifestaram contra o golpe. Todos eles têm golpes desse tipo na memória. O Itamarati não ficou atrás e não reconhecerá o novo governo  advindo da quartelada.

É! O mundo parece que mudou mesmo. Há condições até mesmo para Obama ser fiel a seu discurso e impor a saída das tropas do seu Comando Sul. Afinal, paz na América Latina, livre de golpes gorilescos, só livrando-nos da presença dos agentes da dominação estadunidense. Paz no mundo só haverá quando não houver mais guerras de agressão imperialista.

* Paulo Cannabrava Filho é jornalista e editor chefe da Diálogos do Sul.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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