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Ibama, Petrobras, multinacionais: exploração na Foz do Amazonas vai além do risco ambiental

Não se trata somente de permitir ou não a exploração na região, o debate necessita ser maior por parte de todos os agentes envolvidos
Francismar Cunha Ferreira
Blog do Roberto Moraes
Vitória

Tradução:

Um debate que vem sendo pautado nas últimas semanas consiste na nova fronteira petrolífera brasileira na região da chamada Margem Equatorial do Brasil. Uma região que parte do litoral do Amapá até ao Rio Grande do Norte formada pelas bacias Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar (ver mapa abaixo) indicada como o “novo pré-sal brasileiro” em função das possíveis volumosas reservas de petróleo.

A exploração de Petróleo e gás na Margem Equatorial não é nova, desde a década de 1970 tem-se o desenvolvimento de atividades exploratórias na região. Foram centenas de perfurações em águas rasas (profundidade d´’água entre 0 (zero) e 300 metros) realizadas pela Petrobras e também por petroleiras privadas como BP, Esso (ExxonMobil), Devon Energy, entre outras. Com exceção das bacias do Ceará e Potiguar, as demais não apresentaram descobertas de petróleo em escala comercial e com isso, muitos poços acabaram sendo abandonados.

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Entretanto, novas pesquisas exploratórias, agora em águas profundas (águas oceânicas situadas em áreas com lâmina d’água, em geral, entre 300 metros e 1.500 metros) e ultraprofundas (águas oceânicas situadas em áreas com lâmina d’água, em geral, acima de 1.500 metros), indicam a possibilidade de novas descobertas na região. Essa hipótese é reforçada com a descoberta feita em 2013 pela Petrobras na bacia Potiguar no chamado poço Pitu (o poço atingiu a profundidade final de 5.353 metros e constatou uma coluna de hidrocarbonetos de 188 metros) bem como as descobertas recentes em águas profundas na Guiana, Suriname e Guiana Francesa.

Por outro lado, no interior da Margem Equatorial tem-se uma série de ambientes vulneráveis e singulares como o grande sistema de recifes da Amazônia, o Atol das Rocas, Fernando de Noronha, manguezais nas áreas costeiras, além de grande diversidade marinha e de proximidade com terras indígenas, em especial no Amapá e no Ceará (ver mapa abaixo). Toda essa singularidade e vulnerabilidade ambiental e territorial acaba, de certo modo, sendo ameaçada pelos avanços da indústria petrolífera na região.

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Pelo fato se tratar de uma região ambientalmente frágil é que os processos de licenciamento ambiental na região voltados para a exploração de petróleo e gás são complexos e cercados de acalorados debates acerca da viabilidade ou não de exploração de petróleo na região. É nesse contexto que se tem a discussão recente entre Petrobras e IBAMA acerca do processo de licenciamento para a perfuração exploratória na bacia Foz do Amazonas.

Essa discussão parte de duas frentes básicas, uma primeira ligada a dimensão econômica que parte do princípio do aumento das reservas brasileiras, o que seria estratégico para o país bem como acarretaria em rendas petrolíferas destinadas a Estados e Municípios da região. A segunda dimensão é a ambiental que indica que a exploração na região é inviável em função da preservação de um ambiente singular e vulnerável e também que não se justifica a busca por mais petróleo em um contexto em que o mundo acena para a transição energética, menos dependente do petróleo.

Não se trata somente de permitir ou não a exploração na região, o debate necessita ser maior por parte de todos os agentes envolvidos

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Existem múltiplas dimensões ambientais, políticas, econômicas, energéticas, territoriais, culturais que carecem de aprofundamento

Ibama

O que se tem até o momento é o indeferimento do processo de licenciamento ambiental da Petrobras por parte do IBAMA para a realização de perfurações na bacia da Foz do Amazonas. O órgão indicou, dentre outras coisas, que a Petrobras não teria apresentado garantias suficientes de atendimento adequado em caso de acidentes com derramamento de petróleo. Decisão semelhante, em certa medida, já havia sido realizada pelo órgão em relação à petroleira francesa Total Energies que também operava blocos exploratórios na região até 2020.

A Petrobras manifestou, no último dia 24/05, que irá recorrer da decisão do IBAMA e que irá buscar protocolar ‘medidas adicionais’ para tentar a liberação da exploração junto ao órgão e assim realizar perfurações nas águas profundas e ultraprofundas no litoral do Amapá (ver mapa a seguir). Contudo, o que chama a atenção é que a Petrobras não é a única operadora presente na região.

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Na Margem Equatorial encontra-se atualmente além da Petrobras, outras sete operadoras que são: as multinacionais Shell, BP, Murphy e Chariot, além das brasileiras Prio (antiga PetroRio), Enauta e 3R Petroleun (ver mapa a seguir).

Além dessas petroleiras, tem-se ainda outras que compõem consórcios com as operadoras citadas que são: Total Energies, que possuiu percentual de participação em blocos operados pela Petrobras na bacia da Foz do Amazonas, a Galp, que detém participações em blocos operados pela Petrobras na Bacia de Barreirinhas, a Sinopec, que possui participações em blocos operados pela Petrobras na Bacia Pará-Maranhão e, por fim, a Mitsui e a Aquamarine Exploração, que compõem parceria em blocos operados pela Shell na bacia de Barreirinhas.

Sendo a região uma nova fronteira petrolífera, as pressões de caráter econômico, político e até mesmo geopolítico deverão ser intensas a fim de possibilitar a exploração na região. Abrir para uma petroleira que venha identificar grandes reservatórios poderá ser o caminho para outras também se aventurarem nessa empreitada, o que aumenta os riscos de impactos irreversíveis na região uma vez que se trata, conforme indicado, de uma área ambientalmente singular e vulnerável.

Nesse contexto, não se trata somente de permitir ou não a exploração na região, o debate necessita ser maior por parte de todos os agentes envolvidos na região da Margem Equatorial que são basicamente a Petrobras, o Estado, as petroleiras privadas, as comunidades locais, os pesquisadores, entre outros.

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Por parte da Petrobras o que seria mais viável no momento? Buscar mecanismos para remontar a companhia após a desintegração da mesma promovida pela privatização de ativos estratégicos (transporte, refino e distribuição) de modo que a torne novamente uma companhia integrada de energia ou buscar novas reservas e reafirmar a condição direcionada pela gestão anterior em fazer da Petrobras somente uma exploradora de petróleo?

Por parte do Estado (governo Federal, ANP, IBAMA e outros órgãos e instituições públicas) deve ser debatido se o atual aparato regulatório ambiental e do setor de petróleo e gás é adequado e seguro o suficiente para ser utilizado em uma área que é ambientalmente singular e sensível. Além disso, faz-se necessário garantir que decisões e ações de fiscalização e controle que crivam sobre as atividades petrolíferas na Margem Equatorial não tenham exceções e flexibilizações que possam eventualmente beneficiar as petroleiras e colocar em risco as riquezas ambientais, territoriais e até mesmo culturais da região. Cabe ainda por parte do Estado, não somente deliberar acerca da exploração de petróleo na região, mas desenvolver um plano robusto para alavancar a transição energética.

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Por fim as petroleiras privadas que se encontram na região, muitas multinacionais inclusive. Essas empresas realmente possuem preocupação com o meio ambiente ou apenas querem acesso às possíveis reservas para valorizar seus capitais? A segunda possibilidade parece ser, em um primeiro momento, prioridade, afinal, se essas empresas tivessem reais preocupações com o meio ambiente e o território, buscariam atender minimamente as condicionantes determinadas pelo IBAMA nos processos de licenciamento, por exemplo.

Entretanto, o que foi percebido ao longo do tempo é que elas acabam cedendo o direito de exploração para outras petroleiras ou até mesmo devolvendo os blocos exploratórios para a ANP, pois até o momento, se mostram incapazes de apresentar em um processo de licenciamento as condições que garantam a proteção ao ambiente em geral. Esse movimento pode ser exemplificado pelos casos da BHP, Total Energies e a BP que desistiram da condição de operadoras em blocos exploratórios na região por não atenderem as condições determinadas no processo de licenciamento junto ao IBAMA, além disso, têm-se os casos da antiga OGX e da colombiana Ecopetrol que acabaram devolvendo seus blocos porque não conseguiram licenciar as áreas.

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Em resumo, trata-se de um processo amplo e complexo que faz da Margem Equatorial uma região em disputa. Seu debate não pode se restringir ao campo discursivo restrito a dualidade pode ou não explorar. Existem múltiplas dimensões ambientais, políticas, econômicas, energéticas, territoriais, culturais que carecem de aprofundamento. É uma equação de difícil equilíbrio e que sua resolução não deve ser resolvida de maneira apressada. De todo modo, o que se espera é que não ocorram flexibilizações e exceções de nenhuma natureza que possibilitem a exploração na região de maneira irresponsável, que possa comprometer o meio, seja em favor das petroleiras privadas que buscam somente se apropriar de rendas petrolíferas, seja para Petrobras.

Aliás, essa última, apesar de ter uma gestão empresarial, ainda é majoritariamente controlada pelo Estado, esse que deve ter, no mínimo, compromisso com seu povo, seu território e seu meio, logo, necessita considerar toda a complexidade e sensibilidade envolvida no contexto da Margem Equatorial bem como o contexto econômico, político e ambiental em que estamos inseridos atualmente.

Francismar Cunha Ferreira | Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Desenvolve pesquisas na área de geografia econômica com ênfase na indústria do petróleo.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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