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ToggleHá um discurso muito potente em defesa da indústria da mineração, sob o pretexto de que esta gera ganhos econômicos significativos nas receitas dos países, contribuindo para o Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, pouco se fala dos impactos negativos, tais como deslocamento de comunidade, poluição, degradação socioambiental, sem falar nesses desastres mais emblemáticos, como o que está ocorrendo agora na capital alagoana. A mídia hegemônica tem um papel crucial nesse cenário, pois, muitas vezes, promove e apoia essas atividades, sem a devida critica aos impactos negativos.
A mineração gera lucros substanciais para as empresas envolvidas na extração e no processamento de minerais, porque atrai investimentos e impulsiona o aumento da riqueza de acionistas e proprietários de empresas desse setor. Os recursos minerais extraídos por essa indústria são utilizados para fabricar inúmeros produtos, que vão do setor eletrônico, construção civil, químico, petroquímico, entre outros.
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Não podemos negar que a atividade mineradora desempenha um papel muito importante no sistema capitalista atual, uma vez que fornece uma variedade de matérias-primas que vêm impulsionando o desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, o crescimento de muitos setores industriais, como o automotivo, por exemplo. Porém, é preciso refletirmos acerca de como esses ganhos estão atrelados a muitos prejuízos.
É sobretudo importante que reflitamos que esses ganhos gerados pela mineração são direcionados a uma fração significativamente menor da sociedade, se consideramos que esses recursos não são distribuídos equitativamente.
Ao contrário, na maioria das áreas do Globo onde se pratica a mineração, a maioria da população está exposta a condições precárias de vida, tanto do ponto de vista econômico como socioambiental. Entre as muitas precariedades geradas pela mineração podemos citar o deslocamento forçado de comunidades locais de suas terras ancestrais, que resulta na perda de identidade cultural, de meios de subsistência, que as levam à pobreza e à marginalização.
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Foto: Gésio Passos/Agência Brasil
Empresas hegemônicas de mídia tendem a dar destaque ao setor de mineração, quase sempre destacando supostos benefícios
Os desastres pelo mundo
São muitos exemplos ao redor do mundo. Nas Filipinas, numa região chamada Caraga, a exploração de níquel tem forçado o deslocamento de comunidades, além de gerado conflitos sobre a posse de terras, ademais de ocasionar enormes danos ambientais. Na nossa vizinha Colômbia, na região de Antioquia, a extração de ouro também resultou nos mesmos estragos, afetando comunidades indígenas e afrodescendentes, sobretudo através da expulsão dessas pessoas de suas terras. Poderíamos citar tantos outros países, como a Argentina e o próprio Brasil, onde ocorrem essas mesmas situações.
Além disso, devemos nos ater às catástrofes imediatamente visíveis, tais como o rompimento de uma barragem de rejeitos na mina de Mount Polley, no Canadá, em 2014, que resultou no despejo de muitos milhões de metros cúbicos de água e de resíduos tóxicos, prejudicando o ecossistema aquático próximo ao local, um dos maiores desastres socioambientais daquele país.
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O mesmo aconteceu com a barragem localizada no município de Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019, no estado de Minas Gerais, aqui no Brasil. A primeira derramou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de lama tóxica e rejeitos de mineração, afetando o rio Doce e seus ecossistemas, além de matar 19 seres humanos; e a segunda, que despejou cerca de 12 milhões de metros cúbicos de lama e causou centenas de mortes.
Todos esses desastres, e tantos outros não mencionados neste texto, servem para mostrar quão arriscadas são essas atividades mineradoras, constituídas não apenas pela extração propriamente dita de minerais, mas perpassadas pela gestão dos resíduos por elas produzidos, das estruturas das barragens e de tantos outros aspetos que geram impactos às vidas humanas e não humanas.
O papel da mídia na promoção dessa atividade
Os meios de comunicação hegemônicos corroboram de modo muito significativo na promoção da mineração. E não é de se esperar comportamento diferente, já que essas corporações têm motivos de sobra para promover esse tipo de atividades. Há uma interdependência da indústria da mídia e as empresas de mineração, que se apresenta camuflada nas narrativas que supervalorizam o desenvolvimento econômico e tecnológico.
As empresas do setor de mineração, como a Vale, por exemplo, investem milhões em marketing e publicidade (tentei buscar esses números, mas não foi possível, pois eles devem estar bem guardados) para promover sua imagem, bem como seus produtos e a suposta contribuição a esse desenvolvimento econômico e tecnológico. Neste sentido, as empresas hegemônicas de mídia tendem a dar destaque ao setor de mineração, quase sempre destacando os supostos benefícios, tais como geração de empregos, investimentos, entre outros, muitas vezes subestimando ou mesmo ignorando os impactos socioambientais.
Não raro vemos os destaques nesses meios de comunicação, sobre os avanços tecnológicos que dependem de recursos minerais, como dispositivos eletrônicos, baterias de lítio, carros elétricos (estes muito em alta), assim como os bilionários investimentos feitos por essas empresas no país, sem que sejam ressaltados os impactos negativos que essas tecnologias causam. Basta vermos as páginas dos principais jornais, como O Globo, Estadão, Folha de São Paulo; as revistas semanais, como Veja, IstoÉ; sem contar com os veículos especializados em economia e finanças, como Valor, Exame, entre outros, “inundados” de narrativas exaltadoras do setor de mineração.
Ao ressaltar essas questões, e invisibilizar ou minimizar os impactos negativos, os meios de comunicação hegemônicos comportam-se de modo muito compatível com a natureza do capitalismo; isto é, o lucro do dono do capital acima de tudo. Neste caso, leia-se as empresas de mineração e os fundos de investimento que delas são acionistas, assim como as próprias corporações midiáticas, que, do mesmo modo, são parte do sistema.
Há quem defenda a possibilidade de atividade mineradora sustentável. Eu não comungo com essa ideia. Penso que a solução para esse problema está em redimensionarmos a nossa vida, reduzindo as tantas necessidades criadas pelo capitalismo, que só têm contribuído para aumentarmos os impactos negativos sobre os diversos ecossistemas, colocando em xeque a existência de todas as formas de vida na Terra. Ou isso, ou a nossa extinção, como dizem as/os especialistas, com quem eu concordo.
Verbena Córdula | Doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madrid. Professora Titular da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, Bahia.
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