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Pablo Piacentini*
A ideia de criar IPS nasceu no início dos anos 1960 como consequência da constatação de um vazio em duas dimensões.
Primeiro, um grande desequilíbrio informativo mundial: um universo noticioso concentrado nos maiores países industrializados e manejado por poucas e grandes agências e serviços de radiodifusão do Norte industrializado.
No lado oposto, falta de informação sobre os países não desenvolvidos do Sul e não só do Sul. Quase nenhuma informação sobre suas realidades política econômicas e sociais, salvo quando ocorriam desastres naturais, e inclusive, muitas das poucas informações estavam carregadas de preconceitos culturais sobre esses países. Em resumo, a pouca e má imagem.
Segundo, a escassez de analises e enfoques sobre os processos por traz dos fatos noticiosos e a falta, nas agencias noticiosas, de gêneros jornalísticos como reportagens especiais, análises de conjuntura, artigos de opinião e jornalismo investigativo.
As agências se dedicavam principalmente às “spot News” (notícia imediata), às meras notícias com escasso contexto. É claro que esse gênero jornalístico não deixa lugar para os temos vinculados com o desenvolvimento.
Se, por exemplo, se fala de uma epidemia, ou inclusive de uma catástrofe num país do Terceiro Mundo, as spot News se limitam a descrever os fatos, transmitir as imagens e forçar a assistência internacional.
Em geral não tratam de identificar as causas que fazem com que enfermidades que estavam desaparecidas ou completamente controladas no Norte podem gerar terríveis pandemias em alguns dos países menos desenvolvidos ou que um terremoto de maior intensidade na cidade estadunidense de Los Angeles ou no Japão cause muito menos mortes e destruição que um de menor intensidade no Haiti.
Esse tipo de tratamento superficial e parcial ainda predomina na informação internacional.
A informação contextualizada e analítica se encontra em uma parte dos jornais de estilo anglo-saxão, nas chamadas páginas de opinião. Porém os artigos de fundo e análises das páginas de opinião se concentravam nos países do Norte, focados nos interesses do Norte.
Com relação aos anos 1960, esse tipo de artigo aumentou significativamente as continua prevalecendo o enfoque do Norte.
Esse tipo de jornalismo vertical funcionava a serviço dos interesses dos países industrializados e, portanto, se orientava a prolongar e estender sua dominação mundial e a subordinação dos países não industrializados e exportadores de matérias primas, sem ou com pouco valor agregado.
Essa estrutura concentrada e desigual da informação mundial afeta os países em desenvolvimento. Como exemplo, devido a imagem criada pela escassa e distorcida informação, era difícil que um empresário de uma indústria em expansão do Norte decidisse instala uma fábrica em países do Sul, sobre os quais pouco ou nada sabia, que presumia pouco civilizados e perigosos, carentes de economias externas, com insegurança jurídica, etc..
É claro que poucos se arriscavam e os investimentos se concentrava sempre mais na dimensão Norte/Norte, reforçando o desenvolvimento nos países desenvolvidos e o subdesenvolvimento nos países subdesenvolvidos..
Nos anos 1960, os que criamos a IPS nos propusemos trabalhar para contribuir a corrigir essa imagem parcial, desigual e distorcida que as agencias internacionais davam do mundo de então, cuja geografia política e econômica era por cento bastante diferente da atual.
Dos países hoje emergentes se poderia dizer o mesmo que a irônica e depreciativa frase que circulava sobre o Brasil: “É o país do futuro… y o será sempre.”
Se estava em meio do processo de descolonização na África, Ásia e Caribe. América Latina era politicamente independente mas economicamente dependente. Em 1961 nasce o Movimento dos Países Não Alinhados.
Na IPS, nunca nos propusemos apresentar uma imagem “positiva” dos países do Sul, diminuindo ou ocultando os problemas reais como a corrupção, mas um enfoque objetivo que integrasse a informação do Sul, com os pontos d vista e interesses do Sul, no universo informativo.
Isto significava um modo diferente de olhar o mundo e de fazer jornalismo, quer dizer, olhando desde a realidade do Sul e de seus problemas sociais e econômicos.
Vejamos um exemplo vinculado diretamente ao desenvolvimento.
Os meios tradicionais de informação soam associar os aumentos dos preços das matérias primas com signos negativos: causantes de inflação, caro para os consumidores e as famílias, deformadores da economia mundial.
Claramente, esse ponto de vista é o dos países industrializados, que importam matérias a baixo custo que transformam em manufaturas e assim podem expandir suas empresas e competir no mercado mundial.
Não há dúvida de que alguns aumentos fortes e repentinos de algumas matérias primas podem causar problemas 1à economia internacional inclusive afetar às populações de alguns países pobres que devem importar matérias primas.
Porém o enfoque generalizado e constante contra os aumentos de preços das matérias primas omite uma realidade: está estatísticamente comprovado a deterioração secular dos preços das matérias primas em relação aos preços das manufaturas, com a exceção do petróleo desde 1973.
Portanto, a política editorial de IPS consiste em oferecer informações e análises que mostrem como, sem preços justos e bem remunerados por suas matérias primas, sem um crescente valor agregado em seus produtos agrícolas e minerais, os países exportadores de produtos básicos não poderão superar o desenvolvimento e a pobreza.
Muito há sido alterado desde os anos 1960 na geografia econômica e a política mundial e as novas tecnologias da comunicação produziram uma revolução nos meios como é notório.
Neste contexto, muitos pesquisadores da comunicação reconheceram que IPS tem contribuído a incorporar um tipo de jornalismo mais analítico e mais apropriado para enfocar e compreender processos econômicos, sociais e políticos, que simultaneamente contribuem a um maior conhecimento da problemática dos países do Sul.
O foco dos jornalistas dedicados aos temas de desenvolvimento implica, em primeiro lugar, uma analise crítica do conteúdo das notícias que circulam no espectro informativo.
Em segundo lugar, consiste em analisar os temas econômicos e sociais desde “o outro ponto de vista”: o dos setores sociais marginalizados ou oprimidos, o dos países pobres que não conseguem sair do subdesenvolvimento devido aos termos desfavoráveis do intercâmbio comercial, o protecionismo agrícola ou outras razões.
Esse outro olhar serve também para compreender como estão conseguindo sair do subdesenvolvimento alguns dos países emergentes, que papel pode desempenhar a cooperação internacional e se para prestar ajuda ou fazer acordos bilaterais ou multilaterais os países do Norte e as instituições internacionais que controlam exigem condicionamentos que na realidade perpetuam a situação de desenvolvimento desigual.
Estes são só algumas importantes esferas em que se comprova um tratamento informativo desequilibrado e discriminatório.
A conclusão é que um jornalista especializado em temas do desenvolvimento deve poder olhar e analisar a informação e a realidade desde o “outro lado”, apesar da globalização e a revolução nas comunicações, continua sendo pouco conhecido e ocupa um espaço marginal no universo informativo internacional.
Se si consideram os temas mencionados em sua total e verdadeira dimensão e os confrontam com as informações e análises diariamente oferecida pelos meios predominantes em quase todo o mundo – não só no Norte, também em muitos meios do Sul – salta à vista a necessidade de uma informação global e desinteressada que corrija o desiquilíbrio entre norte e sul. A esta árdua tarefa e a esta meta ainda muito distante a IPS dedica todos seus esforços desde há meio século.
*Pablo Piacentini é cofundador de IPS e atualmente é diretor do Serviço de Colunistas de IPS. Este artigo é parte de uma série de especiais sobre a fundação da agencia Inter Press Service, em 1964, no mesmo ano em que nasceram o Grupo dos 77 e a Unctad. É também co fundador de Cadernos do terceiro Mundo, junto com Neiva Moreira, Beatriz Bissio aos quais se juntou também Paulo Cannabrava Filho, editor de Diálogos do Sul