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Foto: Maksim Blinov / Sputnik

Isis insiste em assumir autoria de atentado a Moscou, mas sem evidências

Já meios de comunicação públicos russos seguem apontando possível envolvimento da Ucrânia
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A Rússia viveu neste domingo (24) um dia de luto nacional sob o impacto da tragédia ocorrida na sexta-feira passada no Crocus City Hall, em Moscou, que ceifou a vida de 137 pessoas, de acordo com os dados mais recentes do Comitê de Investigação responsável. Enquanto isso, familiares e amigos dos 101 feridos que permanecem hospitalizados, com diferentes graus de gravidade, aguardavam notícias animadoras sobre seus entes queridos, fazendo vigília nos trinta centros médicos onde estão internados.

As autoridades reconhecem um total de 182 feridos, seja por tiro, fragmento de granada ou inalação de fumaça causada pelo incêndio, que foram levados por ambulâncias aos hospitais e clínicas da capital russa. Neste domingo, 20 pessoas receberam alta e continuarão o tratamento em casa sob observação médica, somando-se aos 61 pacientes que estão nessa situação desde sábado.

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Enquanto isso, os moscovitas continuaram indo à clínica de emergência Sklifasovsky e a outros centros médicos para doar sangue e depositar flores em um altar improvisado ao lado do que restou da sala de concertos incendiada, após o desabamento de seu teto. Não está excluída a possibilidade de haver mais vítimas mortais sob os escombros.

Cinemas, teatros e museus foram fechados, a televisão pública cancelou todos os programas de entretenimento e muitos restaurantes anunciaram que destinariam parte de seus lucros deste domingo aos familiares dos falecidos. Numerosas embaixadas hastearam suas bandeiras a meio mastro em solidariedade aos russos.

Em memória

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, informou aos repórteres da fonte presidencial que seu chefe, Vladimir Putin, acendeu uma vela neste domingo no templo de Novo-Ogariovo, sua residência privada, em memória de todos os mortos no “bárbaro e sangrento atentado terrorista”, como descreveu no sábado em sua mensagem à nação o ataque que abalou Moscou.

A versão oficial dos acontecimentos, articulada pelo FSB (Serviço Federal de Segurança da Rússia), levantam dúvidas sobre os responsáveis, enquanto os meios de comunicação públicos russos seguem apontando um possível envolvimento da Ucrânia através do grupo de mercenários tadjiques. O presidente do Tajiquistão, Emomali Rahmon, condenou neste domingo o “cruel e sangrento” massacre em Moscou e enfatizou que “os terroristas não têm nacionalidade, pátria ou religião”.

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O Estado Islâmico continua insistindo que é o responsável pelo atentado, sem realmente fornecer evidências que o comprovem, a menos que se considere como tal que as roupas usadas pelos agressores em Moscou são semelhantes às usadas por seus combatentes, e um vídeo – um dos muitos que foram postados na Internet recentemente do massacre – onde homens cujos rostos não são visíveis juram, de acordo com as legendas em árabe (traduzidas pelas agências de notícias internacionais), matar os infiéis.

Apesar do luto, seguiram neste domingo os ataques com mísseis à Ucrânia – o ministério da Defesa russo relatou 29 mísseis de cruzeiro e 28 drones explosivos lançados contra “diferentes alvos estratégicos” do inimigo, dos quais a força aérea ucraniana afirma ter derrubado 18 mísseis e 25 drones – e os programas de informação política de cada noite.

Um desses programas, no canal Rossiya-1, exibiu uma entrevista gravada com o presidente Putin por ocasião do 25º aniversário dos bombardeios à Iugoslávia pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), na qual ele aponta a responsabilidade da aliança atlântica por “desencadear uma guerra na Europa”.

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Para Putin, ocorreu “uma tragédia enorme” em 24 de março de 1999, quando a Otan começou a bombardear a Iugoslávia, formada então por Sérvia e Montenegro.

“O que o Ocidente fez é inadmissível. Sem nenhuma resolução do Conselho de Segurança da ONU, eles começaram operações militares, na verdade, uma guerra no centro da Europa”, destacou o presidente russo, responsabilizando os Estados Unidos e seus aliados por destruírem “com suas próprias mãos os fundamentos sobre os quais se baseava a segurança na Europa no período pós-guerra“.

Mais sobre front

Na madrugada do dia 22, a Rússia lançou o ataque mais intenso contra infraestruturas energéticas da Ucrânia até agora no conflito armado de dois anos, conforme informou Volodymyr Kudrytskyi, diretor-geral do consórcio UkrEnergo que fornece eletricidade.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, lamentou as mortes de pelo menos cinco pessoas e dezenas de feridos, revelando que os radares dos sistemas de defesa aérea detectaram 90 mísseis de diferentes tipos, que não têm atraso, ao contrário da ajuda ao nosso país, destacou, e 60 drones explosivos.

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As regiões mais afetadas foram Kharkiv, Zaporizhzhia, Sumy, Poltava, Odesa, Dnipropetrovsk, Lviv, Vinnytsia e Ivano-Frankivsk. O exército ucraniano relatou ter derrubado apenas 90 dos 150 artefatos. Eles reconheceram que sete mísseis hipersônicos Kinzhal (Punhal), 10 mísseis de cruzeiro, e um número não especificado de foguetes balísticos atingiram o alvo.

As consequências do ataque – com base em informações da imprensa ucraniana – foram sentidas principalmente em Kharkiv, onde duas usinas elétricas sofreram danos graves, deixando vários distritos da cidade sem eletricidade e água. Uma hidrelétrica sobre o rio Dnipro, na área de Dnipropetrovsk, foi atingida várias vezes na sala de máquinas e um grande incêndio ocorreu, mas é descartado que a represa possa colapsar.

Em todo o país, há regiões inteiras com cortes de energia, linhas de alta tensão caídas, usinas elétricas e subestações afetadas, mesmo em áreas ocidentais, teoricamente distantes da linha de frente.

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Uma linha de transmissão de energia também parou de funcionar na central nuclear de Zaporizhzhia. No entanto, Kudrytskyi afirma que o sistema de energia do país está funcionando de forma estável. Tudo isso, por mera coincidência, aconteceu no dia em que o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reconheceu o que neste país não era permitido dizer em voz alta, era crime e poderia significar até vários anos de prisão: que a Rússia está travando uma guerra na Ucrânia.

Ele o fez de forma pouco ortodoxa, não em uma declaração formal, mas ao conceder uma entrevista à revista Argumenty i Fakty (Argumentos e Fatos), que começou a circular ontem: “Estamos em guerra. Sim, isso começou como uma operação militar especial, mas assim que aquele pequeno grupo foi formado lá, quando o Ocidente coletivo se tornou um participante do lado da Ucrânia, para nós isso se tornou guerra. Estou completamente convencido”, afirmou Peskov.

Os observadores da política interna russa questionam se o que Peskov disse representa uma mudança oficial no discurso do Kremlin ou se é apenas sua opinião pessoal e, a esse respeito, lembra que o deputado municipal de Moscou, Alexei Gorinov, foi condenado a sete anos de prisão por pronunciar a palavra guerra em uma sessão do parlamento municipal.

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Eles interpretam as palavras de Peskov como preparação para justificar, após a reeleição do presidente Vladimir Putin, o início de uma medida extremamente impopular, como uma nova onda de mobilização de reservistas.

Na quarta-feira anterior, o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, anunciou em uma reunião da cúpula do exército que até o final de 2024 serão formadas 30 novas unidades, 14 divisões e 16 brigadas, o que, na opinião dos especialistas militares, por uma simples operação aritmética, equivale a pelo menos 200 mil soldados de reforço, dependendo para quais áreas forem destinados e em qual calendário tático.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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