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Israel X Palestina: Onze dias de barbárie são a ponta do iceberg para a catástrofe que já dura mais de setenta anos

Tudo para o Estado de Israel se resume à “questão de segurança” e, por isso, não há limites para impor a violência contra os palestinos
Renatho Costa
Sul 21
Rio Grande do Sul

Tradução:

Oficialmente, na última sexta-feira, 21/05, o governo do Estado de Israel e os representantes palestinos de Gaza firmaram acordo de cessar-fogo que teve início às 2h da madrugada, horário local. Participaram da negociação, o governo egípcio, o Catar e as Nações Unidas. Assim, os atores e as instituições que detém o poder no sistema internacional puderam voltar a dormir sem preocupação com o ferimento de sua imagem. 

Nos onze dias de massacre que o governo israelense impôs aos palestinos de Gaza, 232 pessoas foram assassinadas. Não se tratava de um combate tradicional entre militares, os alvos sempre foram muito bem escolhidos e o resultado mais flagrante é a morte de 65 crianças, 39 mulheres e 17 idosos palestinos.

Talvez, sob a perspectiva desses atores internacionais que se mantiveram em silêncio durante os onze dias, o impacto da morte de 232 pessoas num universo de mais de 2 milhões que vivem encarceradas num território de 365km2, não deva ser algo grave. 

Para se ter uma ideia do tamanho do território de Gaza, seu comprimento é de 41 km por 11 km, na largura máxima. Seus espaços aéreo e marítimo são controladas por Israel, assim como a maioria da fronteira terrestre. Apenas uma pequena faixa de 11km é controlada pelo Egito, um aliado estratégico dos EUA e dos israelenses.

Desde 2005, quando o então primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, retirou os assentamentos judaicos de Gaza, aquele território se transformou numa prisão a céu aberto, por isso, alvo dos mais pavorosos experimentos militares e sociais que se tem visto na história da humanidade. 

Diversos bombardeios foram efetuados em Gaza, tais como em 2008-2009, com a Operação Chumbo Fundido, que, de acordo com a Human Rights Watch, o governo israelense utilizou armas contendo fósforo branco – considerado ilegal pelas leis internacionais de guerra. 

Em 2012, houve a Operação Coluna de Nuvem, com mais de uma centena de civis palestinos mortos. Em 2014, a destruição provocada pela Operação Margem Protetora foi muito mais pesada, gerou a morte de mais de 2.000 palestinos, mais de 10.000 feridos e mais de 100.000 desalojados. 

Para completar o cenário de caos, 96% da água de Gaza é contaminada e não potável, além de somente haver disponibilidade de energia elétrica por 4 ou 5 horas diariamente.

Essa é a radiografia do local que passamos onze dias vendo algumas notícias na mídia oficial, mas sendo inundado de fotos e vídeos através da mídia alternativa (ou não-tradicional), ou seja, não dá mais para esconder o que acontece em qualquer parte do mundo! E, de certa maneira, a omissão da ONU diante de tanta evidência, é reflexo de sua estrutura constituída no período da Guerra Fria. Com o apoio que o Estado de Israel recebe dos Estados Unidos e, por sua vez, os EUA sendo membro do Conselho de Segurança da ONU, com direito de veto, nada é aprovado contra os interesses de seu parceiro prioritário no Oriente Médio.

Em 2008 esse procedimento foi explicitado quando o ex-presidente George W. Bush, que deixaria a presidência em janeiro de 2009, nada vez ou se pronunciou contra o massacre imposto pelo então primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, à Gaza. 

Somente depois da destruição, Barack Obama se pronunciou e naquele momento apontou para uma nova política ao Oriente Médio, o que não ocorreu, efetivamente, como veríamos no transcorrer de seus mandatos.

Tudo para o Estado de Israel se resume à “questão de segurança” e, por isso, não há limites para impor a violência contra os palestinos

Fadi A. Thabet
Foto de Fadi A. Thabet, fotógrafo palestino que vive em Gaza e vem registrando há anos a luta do povo palestino.

Então chegamos a 2021 e um novo massacre é colocado em prática sem que haja qualquer ato para impedir o ímpeto destrutivo do Estado de Israel. Essa atitude não precisa de muita explicação, é auto evidente.

Em 2020 quase presenciamos, em plena pandemia, a tentativa de destruição completa da Palestina com o Acordo do Século, de Trump e Netanyahu. Contudo, os palestinos resistiram e, mesmo para alguns grandes atores internacionais, aquela proposta era tão indecente quanto jogar bombas de fósforo branco na população, portanto, não apoiaram.

Mas a sanha de conquista territorial do Estado de Israel não cessa e, como política de governo e de estado, cada vez mais assentamentos são construídos e os palestinos desabrigados e expulsos de seu território. 

Tudo para o Estado de Israel se resume à “questão de segurança” e, por isso, não há limites para impor a violência contra os palestinos. Ocorre algo interessante, mas não inédito, na política interna israelense, sempre que o governante não consegue criar uma coalizão de governo, procura fomentar conflitos militares para criar uma imagem de “grande protetor de Israel”.

Desta vez não foi diferente, quando os palestinos se revoltaram contra a perda de mais territórios seus em Jerusalém Oriental, no bairro de Sheikh Jarrah, para a criação de assentamos judaicos – mesmo sem uma decisão definitiva do Judiciário local [1] –, a revolta se instaurou. E mais, quando o espaço reservado à fé islâmica foi invadido por israelenses no intuito de se sobreporem aos muçulmanos – exatamente como Ariel Sharon fez para iniciar a segunda intifada, em 2000 – o caminho para o conflito estava aberto.

Netanyahu sabia de tudo isso, conhecia e conhece muito bem a fórmula para dar início aos massacres contra palestinos e trazer a opinião pública israelense para seu lado. 

Como vem sendo feito há mais de 70 anos, outro passo para a limpeza étnica na Palestina teve andamento, mas com uma diferença, desta vez os palestinos de Gaza puderam demonstrar que seu poderio militar aumentou. Os israelenses ainda têm a capacidade para destruir Gaza somente utilizando seu armamento convencional, sem armas nucleares, mas certamente terão alguma baixa, se assim optarem.

Outro aspecto a ser considerado é que a mesma tecnologia de drones que proporcionou aos Estados Unidos assassinarem o general iraniano Soleimani e ao Estado de Israel assassinar cientistas iranianos, cada dia mais torna-se acessível a todos e certamente os palestinos também virão a tê-la em pouco tempo, se é que ainda não a tem. Nesse sentido, também há a preocupação israelense de acabar com Gaza o quanto antes, pois não está disposto a negociar com palestinos.

Historicamente, veja Edward Said, nunca houve a real intenção de negociação com palestinos, por isso essas guerras são importantes para minar a possibilidade de existência de um Estado Palestino. A Cisjordânia cada dia mais se transforma num espaço territorial como um arquipélago sem mares. Pequenas porções de terra sem contato entre si.

Há muitos anos, ainda quando estava na graduação, um professor me explicou que a grande estratégia do Estado de Israel era gradualmente fazer com que não houvesse a possibilidade de imaginar a existência de um Estado Palestino. 

Em 1947 eram dois estados, com quase 50% do território para cada um, depois abandonou-se essa proposta e passou-se a cogitar as fronteiras de 1967. Na sequência, Israel trouxe nos Acordos de Oslo um conceito tão absurdo de controle territorial “do outro” que logo foi abandonado.

Por fim, hoje é muito difícil delimitar o que seria um Estado Palestino, pois o Estado de Israel age com precisão, destruindo e expulsando os palestinos cotidianamente da Palestina. Nada de novo, de acordo com o que Ilan Pappé expôs em seu livro, Limpeza Étnica na Palestina.

Trata-se de um projeto em andamento, mas agora sendo colocado em prática através das câmeras e com o mundo assistindo em tempo real, diferentemente do que aconteceu no início do século 20.

Diante dessa barbárie, primeiramente precisamos ter certeza de onde nos colocamos no sistema internacional. Não é possível um Estado como Israel atuar como um “James Bond”, tendo licença para matar, neste caso, dada pelos Estados Unidos e a ONU não fazer nada. 

Ou se altera a estrutura do Conselho de Segurança, para que se acabe com essa leniência com relação aos atos do Estado de Israel e, por conseguinte, Gaza deixe de ser um “campo de concentração” dos israelenses, ou então, estejamos preparados para os próximos massacres. Mas que saibamos de quem estamos sendo cúmplices!

* Robertho Costa é graduado em Relações Internacionais (FASM-SP), com mestrado, doutorado e pós-doutorado em História Social (USP). Período de estágio doutoral na Al-Mustafa International University (Qom, Irã). Professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e coordenador do Grupo de Análise Estratégica – Oriente Médio e África Muçulmana (GAE-OMAM). Autor do livro “Os Aiatolás e o receio da República Islâmica do Irã” (Porto de Ideias, 2017), coorganizador do livro “República Islâmica do Irã: 40 anos, de Khomeini e Soleimani” (Autografia, 2020) e coautor do livro “No way to Gaza: a chronicle of adventure and fraud under the Egyptian government” (MEMO, 2020).

Nota

[1] Muitas vezes o Judiciário e o Legislativo adotam posturas que não são para que a população cumpra as leis, servem apenas para “mostrar ao mundo” que são uma democracia, de fato, legitimam a violência contra palestinos. No artigo “O dilema da integração a partir da perspectiva do mercado de trabalho para árabes-israelenses no Estado de Israel”, mostro como o sistema de leis diz uma coisa, mas a população faz outra. Disponível em: https://issuu.com/navegandopublicacoes/docs/livro_modelo-min__5_


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