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"Jesus veio nos trazer as bases de um novo projeto civilizatório. Por isso foi assassinado"

Em entrevista especial com o teólogo Leonardo Boff e Frei Betto, ressaltam que o "Natal é tempo de viver a gratuidade da vida e abrir-se à utopia, a outros mundos possíveis"
Redação Revista IHU On Line
Revista IHU On-line
São Paulo (SP)

Tradução:

A crise social e política vivida em vários países da América Latina de forma acentuada neste último ano indica que “o que mais falta no mundo de hoje é esperança” e que as mudanças políticas para alterar a condição atual “são quase sempre mais do mesmo”, “por isso produzem frustração e desengano”, diz o teólogo Leonardo Boff à IHU On-Line.

Segundo ele, apesar de a cultura dominante não alimentar “uma relação explícita com Deus” e confiar “praticamente tudo” “à racionalidade e à política dos meios e não dos fins”, precisamos fazer “experiências intangíveis, aquelas que vão além dos interesses, do trabalho, do consumo e das ocupações do dia a dia: viver a gratuidade da vida, experimentar um amor profundo, uma amizade sólida, um sentido de vida que vai além do limite de nossa morte”. Neste tempo de celebrar o Natal, aconselha, a forma mais concreta de vivê-lo “é olharmos cada criança, nossos filhos e filhas, as crianças dos outros, especialmente aquelas que perambulam pelas ruas, como a presença escondida da divina Criança”.

Para Frei Betto, celebrar o Natal significa “resgatar a esperança e guardar o pessimismo para dias melhores” e “abrir-se à utopia, a outros mundos possíveis”. Neste tempo de crise, recomenda, “devemos identificar os sinais de anti-Natal vigentes hoje em nossa sociedade: desigualdade social, devastação ambiental, concentração da riqueza em mãos de poucos e exclusão de multidões etc. Daí nasce a esperança, aquela anunciada por Jesus no reino de César — o Reino de Deus. Para Jesus, o Reino não estava ‘lá em cima’ ou apenas após esta vida. Inicia-se aqui e deve ser realizado aqui. Por isso oramos ‘Venha a nós o vosso Reino’ e não ‘levai-nos ao vosso Reino’. Jesus veio nos trazer as bases de um novo projeto civilizatório. Por isso foi cruelmente assassinado, por pregar, no reino de César, um outro Reino possível. Reino que se apoia em duas pernas: nas relações pessoais, o amor; nas sociais, a partilha de bens”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, eles refletem sobre o sentido do Natal e sobre como essa data, que celebra o nascimento de Jesus e a presença de Deus no mundo para os cristãos, pode ser uma fonte de esperança e de transformação da realidade.

Leonardo Boff é doutor em Teologia pela Universidade de Munique, na Alemanha. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Entre os livros publicados, destacamos, Ecologia, Mundialização, Espiritualidade (Rio de Janeiro: Record, 1993), Civilização planetária (Rio de Janeiro: Sextante, 1994), Ecologia: grito da Terra, grito do pobre (Petrópolis: Vozes, 1995), A voz do arco-íris (Rio de Janeiro: Sextante, 2000), Do iceberg à Arca de Noé (Rio de Janeiro: Sextante, 2002), Homem: satã ou anjo bom (Rio de Janeiro: Record, 2008), Evangelho do Cristo cósmico (Rio de Janeiro: Record, 2008), Opção Terra. A solução da Terra não cai do céu (Rio de Janeiro: Sextante, 2009), Proteger a Terra-cuidar a vida. Como evitar o fim do mundo (Rio de Janeiro: Record, 2010), Ética e ecoespiritualidade (Petrópolis: Vozes, 2011), Saber cuidar (Ed. 20. Petrópolis: Vozes, 2014), além de Reflexões de um velho teólogo e pensador (Petrópolis: Vozes, 2018).

Frei Betto é frade dominicano e formado em Jornalismo. É militante de movimentos pastorais e sociais e ocupou a função de assessor especial do ex-presidente Lula. Também foi coordenador de Mobilização Social do Programa Fome Zero. Entre suas obras, citamos Batismo de Sangue (Rio de Janeiro: Rocco, 2000), Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira (Rio de Janeiro: Rocco, 2009), Um homem chamado Jesus (Rio de Janeiro: Rocco, 2009) e Cartas da Prisão (São Paulo: Companhia das Letras, 2017).

Em entrevista especial com o teólogo Leonardo Boff e Frei Betto, ressaltam que o "Natal é tempo de viver a gratuidade da vida e abrir-se à utopia, a outros mundos possíveis"

Freepik
Natal é tempo de viver a gratuidade da vida e abrir-se à utopia, a outros mundos possíveis

Confira a entrevista:

IHU On-Line – Vários países da América Latina estão vivendo momentos de crise política e social e de incertezas. O que significa celebrar o Natal nesta conjuntura? Como o sentido do Natal pode ser uma fonte de esperança para este momento?

Leonardo Boff – No Natal não há apenas a figura do Divino Infante, Jesus, de Maria e de José, da estrela, dos anjos, dos pastores e dos reis magos. Há também a figura de Herodes. Estamos vivendo, no mundo e no Brasil, o Natal de Herodes. Ele, temendo que Jesus quando adulto poderia arrebatar-lhe o poder, mandou matar todos os meninos da região que tivessem menos de dois anos. Ele era tão cruel que mandou eliminar também toda a sua família. Hoje, especialmente no Brasil, vivemos sob vários Herodes. Eles pregam ódio, discriminação e eliminação de crianças, de indígenas, de jovens negros. O Rio de Janeiro é campeão de matanças, de dezenas de jovens negros entre 14-20 anos e de seis crianças vítimas de balas perdidas, seja da polícia, seja de traficantes ou de milicianos. Mesmo assim, o Natal possui sua força intrínseca de nos apresentar o nascimento de um menino, anunciado como Salvador e “alegria para todo o povo”. Sempre que nasce uma criança é um sinal inequívoco de que Deus ainda acredita na humanidade. Com Jesus foi mais do que isso. Deus mesmo quis fazer-se criança para estar perto de nós. Como é consolador saber que seremos julgados por uma criança que só quer brincar e sentir-se amada e amar. 

Leonardo Boff (Foto: UFJF) 

O Natal, no seu sentido mais profundo, quer dizer que Deus está definitivamente ligado ao destino humano. E que nós, humanos, pertencemos a Deus a ponto de fazer-se um de nós. Não precisamos mais temer: ele se chama Emanuel, quer dizer, “Deus conosco”. Estando em Deus e Deus em nós, nutrimos a firme esperança de que nossa vida está garantida para sempre. Pode haver, nas palavras de Camões, “procelosa tempestade e soturna noite e sibilante vento”, mas o fim é bom. Ainda na expressão de Camões, “há serena claridade, esperança de porto e salvamento”. O Natal realiza esta promessa.

Frei Betto – Natal significa nascer. Celebrá-lo nessa conjuntura é resgatar a esperança e guardar o pessimismo para dias melhores… A América Latina passou, nos últimos 50 anos, por três grandes ciclos políticos: ditaduras militares, governos messiânicos neoliberais (Collor no Brasil, Menem na Argentina, Fujimori no Peru etc.), e governos democrático-populares. Agora entrou no ciclo neofascista, que dificilmente terá vida longa, pois não tem como melhorar a vida do povo com medidas neoliberais, como comprovou o governo de Macri na Argentina.

Frei Betto (Foto: MST) 

Qual é a resposta do cristianismo, em especial do nascimento de Jesus, para o sofrimento da humanidade?

Leonardo Boff – Jesus não nasceu como nascem normalmente as crianças: em suas casas, mesmo pobres ou, hoje, num hospital. Ele nasceu numa manjedoura de animais, como os presépios bem o representam: aí estão o boi, o asno e as ovelhas. O Menino, “o puer aeternus” (a Criança eterna) dos mitos antigos agora se torna realidade. Ele treme de frio e choraminga. Seguramente tem os bracinhos enfaixados. Então por que temer? Em vez de ajudar, ele deve ser ajudado. A situação penosa de seu nascimento deve ser vista como uma forma de solidariedade do Menino Deus com todas as crianças que nascem na penúria e passando necessidades. Devemos respeitar esta forma como Deus quis entrar no mundo: não através das comodidades de um palácio real nem do bercinho aconchegante de uma família normal. Foi um nascimento anormal como de tantas crianças pobres no Brasil e no mundo.

Frei Betto – A teologia lança o olhar da fé sobre as realidades naturais e humanas. A cristã tem como referência número um o maior dom de Deus, a vida, tanto das pessoas quanto da natureza. Portanto, é obrigação da teologia e dever dos cristãos denunciar tudo que ameaça a vida das pessoas — estruturas injustas, modelos econômicos excludentes, políticas que acentuam a desigualdade social etc. — e da natureza (aquecimento global, desmatamento de florestas, contaminação do ar, do mar e da terra etc.).

De que forma a teologia cristã pode ser um instrumento para questionar as estruturas políticas e sociais que geram sofrimento e injustiça?

Leonardo Boff – A fé cristã não é somente boa para a eternidade. Deve ser boa também para este mundo. Jesus não veio fundar uma nova religião já que havia muitas naquele tempo. Veio para nos ensinar a viver. A viver os bens que constituem a essência do que irá anunciar mais tarde e que ele chamou de Reino de Deus. O conteúdo desse Reino é feito de amor incondicional, de solidariedade para com os mais fracos, de misericórdia para com os perdidos na vida, de perdão e de entrega confiante a Deus sentindo-o como um Pai bom que tem características de mãe, pois cuida de cada cabelo de nossa cabeça, nos acolhe como a galinha os seus pintainhos e ama, como diz São Lucas, até os ingratos e maus. Viver estes valores é fazer uma revolução na sociedade e na política. Revolução mesmo seria se pudéssemos considerar como Jesus considerou os pobres e desesperados “como meus irmãos e irmãs mais pequenos”. Por que os cristãos não vivem isso, nos espanta e nos mostra como é ainda forte a dimensão do Negativo entre nós, coisa que Jesus quis superar e nos desafiou a superá-lo.

Frei Betto – Ressaltar que Deus não quer o sofrimento de ninguém. Criou-nos para sermos felizes! O sofrimento é decorrente das estruturas injustas, da violência humana e de enfermidades. O Natal enfatiza que a esperança de mudar esse estado de coisas vem do excluído, do oprimido, do presépio e não do palácio de César.

No 50º aniversário do Secretariado pela Justiça Social e a Ecologia da Companhia de Jesus, o papa Francisco convidou os jesuítas a frequentarem o futuro e a terem esperança nele. Ele disse: “Por favor, abram o futuro, ou, para usar a expressão de um escritor atual, frequentem o futuro. Abram futuro, suscitem possibilidades, gerem alternativas, ajudem a pensar e atuar de um modo diverso. Cuidem de sua relação diária com o Cristo ressuscitado e glorioso, e sejam trabalhadores da caridade e semeadores de esperança”. Como o senhor interpreta essa mensagem? O que significa frequentar o futuro e ser semeador da esperança?

Leonardo Boff – O que mais falta no mundo de hoje é esperança. As mudanças são quase sempre mais do mesmo, por isso produzem frustração e desengano. Numa situação desta devemos voltar aos relatos bíblicos que falam da criação, onde sempre se termina com “e isso é bom”. Os intérpretes da Bíblia nos deixaram claro que estes textos que quase nunca são referidos na Bíblia posterior são proféticos. Querem nos pintar o futuro, o paraíso que virá. Agora nem tudo é bom. Há tantos cataclismos naturais, guerras letais e mortes absurdas. Só no fim de tudo, depois de um longo caminhar, vamos ouvir a palavra verdadeira de Deus: “Tudo isso é muito bom”. Por isso um filósofo alemão de formação marxista que escreveu três volumes fundamentais com o título “O princípio esperança”, Ernst Bloch, disse: “O verdadeiro Gênesis não está no começo, mas no fim”. Ele era judeu e assim pensavam os hebreus bíblicos e pensamos também nós cristãos. O mundo e o gênero humano estão ainda nascendo até acabarem de nascer na culminância do processo cosmogênico e antropogênico. Só então vai se realizar o verdadeiro Gênesis. Até lá, devemos estar abertos ao futuro. A salvação não vem do passado, mas do futuro. Ela vem ao encontro de nós porque profundamente a ansiamos. Esta ânsia é um grito de Deus mesmo dentro de nós nos reforçando a olharmos para o futuro e a confiarmos que, no final de todas as coisas, tudo valeu a pena. “Et tunc erit finis”, traduzindo: “então eis o fim bom porque tudo chegou a sua plenitude”.

Frei Betto – A sociedade, por força do neoliberalismo e de sua perversa filosofia de que “a história acabou” (Fukuyama), está perdendo o senso e a consciência históricos. Há um processo acelerado, em especial via novas tecnologias, como as redes digitais, de fragmentar o presente. Estamos regredindo à concepção grega de que a história é cíclica, o que ajuda a perpetuar o capitalismo e sua apropriação dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano.

Portanto, frequentar o futuro é abrir-se à utopia, a outros mundos possíveis, a novos modelos econômicos, como busca o papa Francisco ao convocar o evento sobre economia alternativa em Assis, em março de 2020. Temos que resgatar a consciência histórica, fazer com que as novas gerações saibam que no futuro colheremos apenas o que semeamos no presente.

Nesta mesma ocasião, o Papa também disse que o apostolado social tem a tarefa de “alentar esperanças” e trabalhar pela “verdadeira esperança cristã, que procura o Reino escatológico, (e que) gera sempre história”. Como podemos vivenciar a esperança da salvação que nos vem pelo Natal, de maneira mais concreta?

Leonardo Boff – Esperamos aquilo que ainda não é, mas poderá ser e será. A presença de Deus em nossa existência atribulada e mortal, mas também abençoada e discretamente feliz, é uma antecipação de como será o fim promissor. Devemos aprender a amar o invisível e darmo-nos conta de que o invisível é o outro lado do visível. Jesus já como Criança é o visível humano que esconde o invisível de Deus. Como dizia, de forma insuperável, Fernando Pessoa: “Ele é a eterna Criança, o Deus que faltava… a Criança tão humana que é divina”. A forma mais concreta de vivermos no Natal, esta verdade, é olharmos cada criança, nossos filhos e filhas, as crianças dos outros, especialmente aquelas que perambulam pelas ruas, como a presença escondida da divina Criança. Então, trataríamos com amor e carinho a todos e a todas.

Frei Betto – Devemos identificar os sinais de anti-Natal vigentes hoje em nossa sociedade: desigualdade social, devastação ambiental, concentração da riqueza em mãos de poucos e exclusão de multidões etc. Daí nasce a esperança, aquela anunciada por Jesus no reino de César — o Reino de Deus. Para Jesus, o Reino não estava “lá em cima” ou apenas após esta vida. Inicia-se aqui e deve ser realizado aqui. Por isso oramos “Venha a nós o vosso Reino” e não “levai-nos ao vosso Reino”. Jesus veio nos trazer as bases de um novo projeto civilizatório. Por isso foi cruelmente assassinado, por pregar, no reino de César, um outro Reino possível. Reino que se apoia em duas pernas: nas relações pessoais, o amor; nas sociais, a partilha de bens.

O Papa concluiu seu discurso exortando para que não nos afastemos da vida em oração, ao lembrar um pedido do padre Arrupe aos jesuítas que estavam trabalhando em campos de refugiados na Tailândia: “não deixem a oração”. Como podemos experimentar o sentido do Natal através da oração?

Leonardo Boff – A oração é respiração da alma. Se não respirarmos, morreremos. Assim é a oração como forma de andar sempre como quem se sente na palma da mão de Deus. Isso é mais que um ato que fazemos e passamos para outros atos. É uma atitude fundamental: como aquela de Abraão, de ser amigo de Deus e andar em sua presença. Isso está dentro de nossas possibilidades espirituais. Nem precisamos fazer formulações: é um entregar-se como uma criança que se entrega confiante nos braços de sua mãe.

Frei Betto – Oramos para cultivar a nossa . E o contrário do medo não é a coragem, é a fé. Jesus, como acentua o evangelho de Lucas, passava longas horas em oração. Porque tinha fé como nós temos, e até passou por crise de fé (“Meu Pai, por que me abandonaste?”). É fundamental que a nossa militância, a nossa missão, seja alimentada pela oração, deixar Deus orar em nós, abrir-nos à ação do Espírito em nossas vidas, de modo a não ficarmos reféns da racionalidade instrumental. Assim como um casal alimenta a sua relação por momentos de intimidade, nós cristãos nutrimos a espiritualidade na oração.

IHU On-Line – Alguns consideram que um dos maiores desafios do cristianismo é vivê-lo na prática. Como podemos viver o cristianismo no dia a dia?

Leonardo Boff – É difícil e é fácil. É difícil porque nossa cultura dominante não alimenta uma relação explícita com Deus como aquele que, secretamente, conduz o caminho de nossa vida e confere coesão à sociedade. Praticamente tudo é confiado à racionalidade e à política dos meios e não dos fins. Essa cultura não nos ajuda a fazermos experiências intangíveis, aqueles que vão além dos interesses, do trabalho, do consumo e das ocupações do dia a dia: viver a gratuidade da vida, experimentar um amor profundo, uma amizade sólida, um sentido de vida que vai além do limite de nossa morte. E é também fácil porque o que quis Jesus, definitivamente, quando peregrinou entre nós? Diria, respondendo: que nos tratássemos humanamente, que nos amássemos, não só os que estão do nosso lado (o que não é tão difícil), mas os invisíveis, aqueles que ninguém olha ou se interessa por eles, que não discriminássemos a ninguém em razão de sua etnia, de seu sexo, de sua opção de vida, que tivéssemos solidariedade a partir dos últimos, misericórdia para com aqueles que fraquejam e não conseguem avançar na vida, que pudéssemos perdoar para que a raiva e o ódio não sejam a última página do livro de nossa vida e que mantivéssemos intimidade com Deus, como Pai, amigo, Mãe de infinita bondade, pois sempre estão misturados com tudo o que fazemos em nossa curta passagem por esta vida.

Resumindo tudo, penso que no Pai Nosso está a “ipsissima intentio Jesu”, traduzindo: “a intenção originária de Jesus”. Esta seria: unir Pai Nosso com o Pão Nosso. Pai Nosso representa nosso impulso para cima, para a transcendência, para o desígnio último de Deus, o seu Reino (uma absoluta revolução de tudo). O Pão Nosso significa nosso enraizamento na Terra, com nossas necessidades de sobreviver juntos (por isso não o Meu Pão), mas o Pão Nosso. Vivemos em sociedade onde há sempre conflitos e cobranças. Daí a importância do perdão que harmoniza. Por fim, superar a grande tentação da desesperança, de pensar que com a morte, tudo acaba ou que podemos romper com Deus. Somente quando mantemos unidos o Pai Nosso com o Pão Nosso, podemos dizer Amém… Viver isso com a coerência possível à nossa fragilidade humana, é seguir o seguimento de Jesus, viver cristãmente, viver plenamente como humanos.

Frei Betto – Saindo de si e amando a si mesmo (ter autoestima), o próximo, a natureza e Deus. E se colocando organicamente neste lugar social — o mundo dos pobres, como fez Jesus. Viver o cristianismo na prática é fazer o que Jesus fez: empenhar a nossa vida, ainda que com risco de morte, para que todos tenham “vida e vida em abundância” (Jo 10, 10).

Como levar essa mensagem do Cristo aos não cristãos, respeitando e preservando sua cultura?

Leonardo Boff – Eu lhe diria: tente tratar sempre humanamente o outro, ame incondicionalmente, tenha compaixão operativa para com os pobres, supere o rancor e a raiva quando for ofendido, cuide da Mãe Terra porque sem ela nada mais seria possível e mantenha a porta aberta para as possíveis surpresas do futuro. Talvez deste futuro lhe venha algo surpreendente que o poderá unir a todos como “num ônibus, cheio de gente alegre” (Chico Buarque), alguém que poderá ter mil nomes, que poderá ser o Deus da ternura humana e da jovialidade da vida. Se seguir por este caminho, estará no seguimento de Jesus que viveu tudo isso junto com outros antes e depois dele. Sejas tu também um destes.

Frei Betto – Por meio do testemunho, de um lado; e, de outro, sendo capaz de identificar nas demais culturas os sinais do Reino, como a solidariedade e a partilha de bens.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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