A decisão do PT e dos partidos de esquerda, à exceção do Psol, de se somar aos partidos de oposição da direita liberal para construir uma candidatura à Presidência da Câmara dos Deputados para fazer frente à candidatura do deputado Arthur Lira, apoiado por Bolsonaro e pelos partidos de sua coalizão (PP, PSD, PL, Republicanos e outros), vem recebendo duras críticas dentro do próprio PT, entre os jovens e muitos setores da esquerda.
Como se aliar a Maia e seus Democratas, ao MDB e ao PSDB que forem fiadores do golpe constitucional contra a presidente Dilma Roussef, do governo Temer e das reformas neoliberais de Paulo Guedes? Como se aliar aos que apoiaram a Lava Jato e a criminalização do PT que levou à prisão de Lula? Por que o PT não se aliar ao Psol e lançar uma candidato de esquerda, já que PDT, PSB e PC do B têm posição firmada de apoio a Maia e a seu candidato ainda não escolhido pelos partidos?
As críticas partem de fatos irrefutáveis. Mas também é fato que Bolsonaro é de extrema direita, autoritário e obscurantista e que há uma oposição de direita às suas políticas externa, ambiental, cultural, educacional e científica, sua agenda fundamentalista e suas ameaças à democracia. Não fosse o STF, o Congresso Nacional e a oposição de esquerda, Bolsonaro já seria ditador. Foram essas instituições que impediram a privatização da Previdência, evitaram a consolidação do Estado policial do pacote anti-crime de Moro, garantiram os direitos da mulher, dos educadores, da trabalhadora rural, o BPC. Quando Bolsonaro quis governar por decreto lei, impor a escola sem partido, a censura, o fim da autonomia universitária encontrou no Supremo uma barreira. No Congresso Nacional, a atuação articulada dos partidos de esquerda atraiu em várias votações o apoio da direita liberal e impôs várias derrotas ao governo –a última delas, na questão do Fundef.
O PT e as esquerdas poderiam participar, como fazem em todas as câmaras municipais e assembleias legislativas, apenas e tão somente para ocupar o espaço institucional a que têm direito. Não há como negar a importância de estar no Parlamento até porque somos, as esquerdas, alternativa de governo, governamos vários estados e centenas de municípios.
A questão principal para analisar a posição do PT, do PSB, do PDT e do PC do B de integrar a coalizão de partidos capitaneada por Maia é se existe uma agenda democrática no país ou não. É fato que a coalizão de Maia rasgou o pacto constitucional de 1988 ao dar o golpe de 2016. Mas o PFL, que depois virou Democratas, tinha apoiado a ditadura e participou, conosco, da campanha das Diretas Já. Nem por isso, o PT foi ao Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves. Na frente amplíssima que se formou para o impeachment de Collor, o PFL estava lá. Concretizado o afastamento de Collor, o PT ficou na oposição ao governo Itamar.
Sergio Lima / Poder 360
Lula e Gleisi Hoffmann, em cerimônia de posse da presidente do PT, em 2017.
Lembro estes fatos da nossa história recente para dizer que, como no passado, não vamos perder nossa identidade ou independência por participar das mesas e votar nas eleições internas nas casas legislativas. Nossa oposição ao programa econômico neoliberal e nossa disputa com a direita liberal continuarão. Seja no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas ou nas câmaras municipais. Ao assinar o manifesto dos partidos de oposição ao governo Bolsonaro, o PT teve, como motivação, a defesa intransigente da democracia, das instituições democráticas e da vida, contra o autoritarismo, o obscurantismo, a negação da ciência. E deixou claro que manterá sua pauta contra a política neoliberal, que DEM-PSDB-MDB defendem.
Em manifesto das oposições para a eleição da mesa diretora da Câmara dos Deputados, divulgado na 2ª feira (21.dez.2020) PT, PSB, PDT e PC do B, afirmam que têm a responsabilidade de combater, dentro e fora do Parlamento, as políticas , neoliberais, antinacionais e lutar para que o povo possa ter resguardados seus direitos à saúde, ao emprego e renda, à alimentação acessível e à educação , e anunciam seu compromisso em torno de dez pontos. Entre eles, a viabilização de uma política de vacinação coordenada pelo SUS, defesa das famílias e da população desprotegida contra o desemprego e a crise econômica, medidas para tributar a renda dos mais ricos, defesa do meio ambiente e da reforma agrária, defesa dos direitos dos trabalhadores e da maioria da população, defesa do patrimônio público e da soberania nacional e contra a independência do Banco Central.
Do ponto de vista da esquerda e mais propriamente do PT, há outro debate relevante. Trata-se crítica generalizada ao abandono das lutas sociais, dos territórios e à submissão da estratégia do partido a luta eleitoral e institucional, parlamentar ou de governo. Há uma avaliação de que devemos apostar na organização popular e sindical, na formação de um forte movimento consciente para sustentar nossos governos para além do apoio parlamentar e na sociedade. São pontos essenciais, que, no entanto, não excluem a luta institucional, seja eleitoral ou parlamentar.
Está claro que nas esquerdas não há consenso sobre a leitura do momento político e do período histórico em que vivemos. Na prática, apesar de se caracterizar o governo Bolsonaro como até neofascista, muitos se comportam como se vivêssemos em um governo como outro qualquer, desconsiderando seu caráter militar, autoritário, obscurantista e negacionista, fora o forte movimento conservador e autoritário que o sustenta com influência mesmo nos setores populares e da classe trabalhadora. Parecem desconhecer que viemos de várias derrotas e estamos na defensiva e num descenso das lutas sociais e populares, que há pela frente um longo caminho que passa pela unificação das oposições de esquerda pela base, pela construção de um programa comum, pela retomada do trabalho nos bairros e territórios, fazer a luta ideológica e cultural, disputar os setores das classes medias que votaram no passado nas esquerdas e nos deram quatro vitórias para presidente,
Há que destacar que a posição do PT unifica os partidos de esquerda –à exceção do Psol até este momento–, cria as bases para consolidar nossa aliança no Parlamento e abre caminho para uma Frente Popular à semelhança da Frente Ampla Uruguaia ou da experiência portuguesa da Geringonça. Ou pelo menos este deve ser nosso objetivo. Isso sem desconsiderar que o Manifesto assinado pelos partidos traz um compromisso com a democracia contra o autoritarismo e com a independência do Parlamento.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Veja também
Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.
A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.
Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:
- Cartão de crédito no Catarse: acesse aqui
- Boleto: acesse aqui
- Assinatura pelo Paypal: acesse aqui
- Transferência bancária
Nova Sociedade
Banco Itaú
Agência – 0713
Conta Corrente – 24192-5
CNPJ: 58726829/0001-56
Por favor, enviar o comprovante para o e-mail: assinaturas@websul.org.br - Receba nossa newsletter semanal com o resumo da semana: acesse aqui
- Acompanhe nossas redes sociais:
YouTube
Twitter
Facebook
Instagram
WhatsApp
Telegram