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José Dirceu é como um irmão

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Ana Corbisier*

Ana CorbesierJosé Dirceu é como um irmão para mim. Estivemos no mesmo grupo em Cuba, fomos para o Molipo juntos, trabalhamos anos juntos quando ele voltou a Cuba depois das quedas de tantos companheiros no Brasil. Só sobramos nós dois, dos que voltaram clandestinos. Já aqui, na clandestinidade, ele no Paraná, eu na Bahia, encontrávamo-nos periodicamente para trocar informações sobre nosso trabalho social e político. Assim vivemos mais quatro anos, até que veio a anistia, eu voltei para São Paulo e ajudei a preparar a volta dele, em 1980.

Quando o PT se formava, houve uma reunião de quatro pessoas, em minha casa, para pensar sobre nosso destino político. E eu, que chegara antes e já estava participando de reuniões do embrião do PT, convenci Dirceu a aderir àquilo que se organizava e o chamei, com o Travassos, para o meu Diretório – o do Jardim Paulista – que começava com toda força: ali filiamos 700 pessoas, de casa em casa. Nas 3 favelas da Vila Olímpia formaram-se núcleos do PT. Dirceu veio, Travassos também. Depois morreu Travassos, em consequência de um desastre de carro. Mas Dirceu, com sua capacidade, ganhou espaço no PT.

Ana Corbesier com José Dirceu Ana Corbisier com José Dirceu

O Partido cresceu, cresceu e se tornou o maior do país. Elegemos o primeiro operário presidente da República – e a primeira mulher, uma ex guerrilheira como nós dois. Claro que com tanta força, e sem pedir atestado ideológico a ninguém, como era o desejo dos sindicalistas, que queriam um partido de massas, o PT passou a atrair muitos oportunistas – com os problemas daí decorrentes.

E como chegou à Presidência da República pelo voto e não pelas armas – ou seja, não fizemos a revolução – teve que conviver com todas as práticas viciadas da chamada democracia burguesa. Mas, com certeza, o país tem tido mais democracia com o PT do que antes dele. E isso se deve em muito a Dirceu. Exímio organizador, disciplinado, focado no interesse público, ajudou a mostrar ao mundo um novo Brasil, onde em poucos anos 30 milhões saíram da miséria. Viajo muito pelo Brasil, profissionalmente, e posso ver o que significam aqueles cento e poucos reais do Bolsa Família, que fizeram as famílias mais carentes ver como a educação ajuda a conseguir um trabalho melhor, uma remuneração melhor, um futuro melhor.

Lamento profundamente o que está acontecendo porque, além de ceifar a vida pública de pessoas como Genoino e Dirceu, privam a sociedade de indivíduos que acumularam experiência política durante toda a vida e que durante toda a vida dedicaram-se ao país. Homens como eles não andam sobrando por aí. E o país precisa deles.

Não há uma só prova contra o ex ministro Jose Dirceu Não há uma só prova contra o ex ministro Jose Dirceu

Comecei dizendo que Dirceu é como um irmão. E, como a gente conhece o irmão que tem, sei  como ele é. Li também sua defesa. Não há uma só prova contra ele. Aliás, se houvesse, não seria preciso ir buscar a teoria do “domínio do fato”, como fizeram. Será que, se uma faxineira minha comete um delito no ônibus, sou responsável por isso? E será que é possível, sendo Chefe da Casa Civil, ao mesmo tempo, administrar o Partido? E será que houve alguma votação importante, que interessasse ao governo, no período em que se alega que deputados foram pagos?

Parece incrível que seja preso, caluniado, difamado, vilipendiado, justamente nessa democracia que ajudou a tornar realidade. Mas tudo é possível porque, se até eu, que não tenho cargo nenhum, fui objeto de três matérias da Veja, me difamando e caluniando – diziam que em meu processo contra a Fundação Padre Anchieta eu reivindico 70 milhões!!! Quando em nenhuma, das milhares de páginas do processo, que já tem mais de 30 anos se arrastando pelos tribunais, se fala em dinheiro. E mesmo que eu ganhe e a Fundação tenha que me pagar salários atrasados, a conta chega a um milhão e meio, o que já é muito dinheiro, mas não tem nada a ver com os 70 milhões que a Veja tirou não se sabe de onde.

Então, se eu, que não sou ninguém, sou tratada assim, imagine uma pessoa que representa perigo para a direita, porque tem um projeto para o país que prejudica seus interesses? E que tem capacidade e vontade política para implementá-lo? O alvo do conluio era o PT e seu projeto. Dirceu é a personificação dos dois. Que bom para a direita, conseguir neutralizar  tantos quadros importantes! Mas Dirceu é muito forte. Vai segurar. Tem o apoio dos filhos, que o amam, dos amigos, que têm sido sempre solidários, do Partido dos Trabalhadores. Mas tem, principalmente, sua estrutura psicológica, sua disciplina – tenho certeza que está fazendo ginástica e lendo na prisão.

Eu é que não me conformo. O país não merece isso. É uma vergonha para nós, nos expõe ao mundo como uma república em que se usa a justiça para derrotar inimigos políticos.

*Ana Corbisier colaboradora de Diálogos do Sul

 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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