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Judicialização da política ameaça soberania nacional do Brasil e da Argentina

Nos dois países, o Judiciário continua incrustrado de juízes e procuradores em sintonia com a mídia hegemônica
Helena Iono
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

No Brasil, o que acabamos de constatar é que os tentáculos do “lawfare”, da judicialização da política, através do STF, estão mais ativos de quando do golpe à ex-presidenta Dilma Rousseff e do impedimento e prisão de Lula da Silva. Ativos e fulminantes! A armação jurídico-midiática acaba de atingir o alvo central que é econômico, o saqueio das transnacionais às riquezas naturais, o desmonte do maior patrimônio público do país, a Petrobrás. Com o voto da maioria dos juízes que participaram nos últimos meses, alternando-se num picadeiro de circo, freando aparentemente a extrema direita e os mecanismos ilegais de ascensão do governo Bolsonaro, desde o Moro ao Dalagnol, acaba-se de dar um golpe fatal à democracia, ao poder Legislativo eleito pelo povo, para assegurar o triunfo do neoliberalismo, das privatizações e da entrega da soberania nacional aos EUA, a vampiresca meta da Lava Jato. Como podem 10 juízes do STF, com os votos de 6 contra 4, calar as vozes de 513 deputados federais e 81 senadores, decidir entregar 50% da capacidade de refino de um patrimônio público como a Petrobrás, sem que o povo percebesse? Logicamente isso não se dá sem a anuência do próprio Legislativo dominado pela oligarquia e pelos lobistas das finanças internacionais. Mas, é momento de luta frente ao luto da democracia e da soberania nacional! O alerta do ex-presidente Lula e o ato realizado, entre todas as forças populares pela soberania, requerem repercussão internacional.  

Tudo é parte do lawfareque ronda a região latino-americana, impedindo a normalidade democrática das eleições no Equador e na Bolívia. Na Argentina, assim como no Brasil, o Judiciário continua incrustrado de juízes e procuradores em sintonia com a mídia hegemônica (Clarin e La Nación), cúmplices e afins ao poder econômico concentrado, defendido pelo JxC (Juntos por el Cambiolawfare perpetrado contra Cristina Kirchner, ao terem seus interesses ameaçados pela Reforma Judicial (já aprovada no Senado e em vias de votação na Câmara de Deputados), pelo projeto de imposto às grandes fortunas, pelos desdobramentos da revelação de fraude e fuga de capitais da agroexportadora Vicentin, não param de instigar, via mídia e redes sociais, atos e manifestações golpistas, e atitudes da classe média de subestimação dos riscos da pandemia, de contraposição ao sofrimento e responsabilidade social dos professores, enfermeiros, médicos e pessoal sanitário; diga-se de passagem, estes sim, se manifestaram justamente por melhor reconhecimento e foram reprimidos pela polícia da capital, sob gestão do JxC (Juntos por el Cambio). Ao fato de maior gravidade que foi a tentativa recente da direita de alimentar no movimento dos policiais uma ameaça de destituição do governo frente à casa presidencial de Quinta de Olivos, seguiram-se vários outros.   

Nos dois países, o Judiciário continua incrustrado de juízes e procuradores em sintonia com a mídia hegemônica

Reprodução
A armação jurídico-midiática acaba de atingir o alvo central que é econômico, o saqueio das transnacionais às riquezas naturais.

O tema político-judicial candente é sobre os juízes, Bruglia e Bertuzzi, que em 2018, foram transferidos a dedo por Macri, sem aprovação do Senado, do Tribunal Oral Federal da capital federal e de La Plata, respectivamente, para a Câmara Federal. Da mesma forma, outro juiz, Castelli, transferido de um Tribunal da localidade de San Martin para a mesma Câmara Federal, a conhecida Comodoro Py, onde se julga a causa das ditas fotocópias dos Cadernos, uma armação montada, jurídico-midiática, tipo Lava Jato contra empresários e políticos da gestão kirchnerista passada, para promover um saqueio no patrimônio econômico e natural da Argentina. O parecer do Conselho da Magistratura endossa a decisão do executivo atual e do Senado que anula o per saltum anti-constitucional (realizado por Macri) da transferência dos juízes Bruglia, Bertuzzi e Castelli, ordenando o seu retorno aos Tribunais de origem. Porém, os três juízes, apelando à Corte Suprema de Justiça, lograram uma votação unânime e favorável ao per saltum, apesar de que sujeita a análise posterior de fundo. Trata-se de uma Corte Suprema, composta por 5 juízes, dois dos quais colocados por decreto de Macri, no início do seu governo, por conveniência política; entre eles, o atual presidente da Corte, Carlos Rosenkrantz, conhecido pela sua ideologia direitista, favorável aos genocidas da ditadura militar, e seu vínculo com o grupo econômico de Magneto (Clarin). A pressão da direita sobre os cinco juízes foi aberrante, a ponto de realizar um escrache ameaçante, em carreata, diante da residência do juiz Ricardo Lorenzetti para garantir o per saltum dos 3 juízes em questão. 

A votação na Corte Suprema de Justiça, numa clara ruptura da institucionalidade, contrapõe o poder Judiciário ao Executivo e Legislativo. Demonstra-se também como a nova Reforma Judicial (ainda a ser votada na Câmara de Deputados, sob interessado boicote opositor ao funcionamento virtual) é apenas um primeiro passo para a Justiça Verdadeira na Argentina. Busca-se a independência do poder Judiciário em relação ao Executivo e à política, mas em efeito, enquanto perdurarem juízes do passado, afins à ditadura dos anos 70 e ao poder econômico oligárquico e financeiro, a política anti-peronista estará sempre presente no Judiciário, ameaçando a democracia e a soberania nacional. Os critérios de eleição e controle sobre o Poder Judiciário são uma dívida social dos governos populares.  

Finalmente, surge na voz da deputada Vanesa Siley (FdT – Frente de Todos) o pedido de julgamento político contra o presidente da Corte Suprema, Carlos Rosenkrantz, por ter estado a favor da aplicação da Lei 2×1 (Lei 27.362) tentando reduzir a pena dos genocidas e paralisar a Comissão Interpoderes que deixou de funcionar durante o governo Macri, adiando mais de 50 causas de lesa humanidade da ditadura. Nesses quatro anos do governo Macri, os Organismos de Direitos Humanos pressionaram e não foram ouvidos. Só agora, o juiz Rosenkrantz, por conveniência pessoal, decidiu reativar a tal Comissão Interpoderes. Leia mais detalhes. 

O ocorrido no Brasil, a privatização das refinarias da Petrobrás por decisão final do STF, nos retrocede a anos devastadores vividos entre 1989-1998 durante o governo de Carlos Menen na Argentina. Nesse período a dilapidação privatizante das estatais foi arrasadora em todas as áreas: Aerolineas Argentinas, Petróleo (YPF), Gás, Água potável, Telefonia, Obras Sanitárias, Rodovias e tantas outras. Tudo isso, com o aval da Corte Suprema de Justiça que em vários momentos foi decisivo para a “privataria”. Foi necessária a eleição de Néstor Kirchner para recuperar a terra arrasada por Fernando de la Rúa, impetrar um juízo político e remover todos os juízes da Corte Suprema. 

As forças opositoras da direita aceleram os passos tratando de se apoderar frente às limitações que a Pandemia impõe ao tradicional apoio popular ao governo de Alberto e Cristina. Porém, o que elas não podem se esquecer é que no dia 12 de maio de 2017, em resposta à tentativa de Macri de aplicar a Lei 2×1 para redução de pena aos genocidas, mais de 500 mil pessoas foram à Praça de Maio, sob cânticos e brados de “Nunca Mais”, e impuseram a votação unânime do Parlamento a favor da Memória, Justiça e Verdade. A lei 2×1 para casos de lesa humanidade foi rechaçada.

Portanto, é de se esperar que essa campanha histérica da mídia hegemônica na defesa de 3 juízes direitistas (Bruglia, Bertuzzi e Castelli), associando imagens de minúsculos atos opositores contra o governo de Alberto Fernandez com uma massa inexistente do que eles generalizam como “gente descontenta”,  poderá ter um freio, uma reposta contundente do povo argentino (consciente de quem está ao seu lado, da vida humana e da natureza); o peronismo se prepara para mobilizar mais de um milhão de pessoas, numa grande manifestação virtual e criativa no próximo dia 17 de outubro, quando se comemora o “Dia da Lealdade Peronista”, em que centenas de milhares ocuparam as ruas em 1945 para exigir a libertação de Perón, quando passou de ser um Secretário do Trabalho prisioneiro a três vezes o presidente e líder histórico do nacionalismo popular na Argentina. 

Mais do que uma demonstração de força, o dia 17 de outubro poderá afirmar maiores laços entre o Estado e o povo rumo à soberania nacional defendida por Peron e Evita, Néstor e Cristina Kirchner. Não há Justiça sem soberania e soberania sem Justiça verdadeira. A lição vale para o Brasil. Lula tem razão. 

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Helena Iono Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

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