As mães de Soacha, um município vizinho à capital da Colômbia, Bogotá, nunca baixaram seus braços para demandar verdade e justiça pelo assassinato de seus filhos em mãos de membros do exército nacional em 2008.
Nesta terça-feira (3), quase 15 anos depois de que foram desaparecidos, depois assassinados e apresentados aos meios como combatentes dados de baixa em combate, as mães e outros familiares receberam as desculpas do Estado colombiano em um ato na Praça de Bolívar.
O ministro de defesa, Iván Velázquez, reconheceu a responsabilidade de integrantes das forças militares nessa prática, baseada na entrega de recompensas às unidades do exército que mostrassem “êxitos” na luta contra-insurgente, e disse que “estes crimes nos envergonham ante o mundo”.
O ato de desculpas públicas reivindicou como inocentes a 19 jovens do município de Soacha que foram recrutados por pessoas que lhes ofereciam importantes somas de dinheiro para, supostamente, vincular-se a atividades agrícolas. Uma vez em seu poder, os rapazes eram transferidos a longínquas regiões do país e entregues a oficiais e soldados que os assassinavam a sangue frio para depois vesti-los com uniformes camuflados e apresentá-los como irregulares caídos em combate.
A sucessão de desaparecimentos no município, entre 2004 e 2006, mobilizou os familiares, encabeçados pelas mães, as quais recorreram centenas de quilômetros até achar os corpos sem vida de seus seres queridos.
Diante das evidências do que ocorria, as autoridades militares, assim como funcionários do governo do presidente Álvaro Uribe, negaram sistematicamente a ocorrência do que se chamou na mídia de “falsos positivos”, atribuindo as denúncias das mães a uma campanha de subversão para desacreditar o governo.
Foto: Reprodução/Twitter Gustavo Petro
Ato realizado na terça-feira (3), em Soacha, para pedir perdão perdão às mães de jovens executados pelo governo de Uribe
Frente as doloridas mães que clamavam por verdade e justiça, o próprio presidente Uribe desestimou os assassinatos e cunhou uma desafortunada frase para referir-se aos jovens que eram apresentados como guerrilheiros abatidos: “Seguramente esses rapazes não estavam colhendo café”.
Mais de 2.400 vítimas desta prática entre 2002 e 2008 – justo os anos em que Uribe governou – fizeram com que a justiça transicional criada pelos acordos de paz de 2016, assim como a Comissão da Verdade derivada do mesmo pacto, concluíssem que se tratou de uma política de Estado destinada a fazer crer à opinião nacional que se estava ganhando a guerra.
#AEstaHora se desarrolla en la Plaza de Bolívar el Acto de Excusas Públicas por las ejecuciones extrajudiciales en Bogotá y Soacha.
En el Gobierno del Cambio entendemos que la verdad es garantía de la no repetición y la posibilidad de reconciliación en Colombia. pic.twitter.com/EOmt5w7oq8
— Presidencia Colombia ?? (@infopresidencia) October 3, 2023
Testemunhos de soldados e oficiais de baixo escalão revelaram que os altos comandos pressionavam os batalhões por “resultados” e exigiam “rios de sangue, carros tanque de sangue”, ao melhor estilo do ocorrido no Vietnã, onde os estadunidenses impuseram o conceito de “contagem de corpos” para estabelecer se estavam ganhando ou não a guerra.
O ato de desculpas públicas às mães do Soacha ocorreu apenas um par de dias depois de conhecidas as primeiras imagens dos fornos crematórios utilizados pelos paramilitares, apoiados pela força pública, para incinerar os corpos de centenas de camponeses marcados por serem colaboradores da guerrilha na região de Catatumbo no Norte oriental do país.
Ante o cúmulo de evidências sobre as atrocidades cometidas em nome da luta contra-insurgente, o ministro Velázquez respondeu àqueles, dos partidos da direita, que pedem para virar a página: “Sim – disse – vamos virá-la, mas quando a tivermos lido inteira, quando soubermos o que foi que aconteceu”.
Jorge Enrique Botero | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
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