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O cantautor, ator e escritor Kris Kristofferson (Foto: Joerg Neuner / Flickr)

Kris Kristofferson: “Poderia ser um direitista ignorante, mas escolhi ser radical”

Trajetória musical e contribuições artísticas de Kris Kristofferson, que faleceu aos 88 anos na semana passada nos EUA, merecem ampla atenção
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

O extraordinário cantautor, ator e escritor Kris Kristofferson, que faleceu em 28 de setembro nos EUA, aos 88 anos, entrava e saía da fama nacional sem se importar muito, mas junto com seu talento, foi sua solidariedade e coragem profissional que mais o distinguiram entre as estrelas culturais dos Estados Unidos.

Nos últimos dias, Kristofferson foi lembrado por sua obra musical e como ator (participou de mais de 50 filmes), mas se fala pouco sobre sua dedicação a causas nobres dentro e fora de seu país, desde o apoio ao sindicato de trabalhadores rurais UFW, liderado por Cesar Chavez, sua solidariedade com movimentos de libertação nacional na América Central e África do Sul, até a defesa de prisioneiros políticos americanos como o líder indígena Leonard Peltier e o ativista afro-americano Mumia Abu-Jamal, e sua participação em protestos contra intervenções e guerras estadunidenses e o armamento nuclear.

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Sua trajetória musical e suas contribuições artísticas merecem ampla atenção (ver homenagem de Pablo Espinosa nestas páginas). Sua solidariedade com causas populares e rebeldes foi parte integrante de sua vida, na qual, entre outros, compartilhou com Vanessa Redgrave a defesa dos palestinos e com Martin Sheen a dos trabalhadores rurais imigrantes, além da oposição à ameaça nuclear e à política belicista de seu país (ele mesmo foi soldado e seu pai, general).

“Sou um radical há muito tempo. Suponho que isso esteja errado, já que seria mais comercializado como um direitista caipira (ignorante), mas entrei nisso para dizer a verdade como eu a via”, comentou Kristofferson em entrevista à Esquire em 2007.

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A carreira de Kris Kristofferson

Kristofferson começou sua carreira no gênero country — conhecido por ser o mais conservador e até racista dos círculos musicais dos EUA. Mas fez parte das correntes progressistas conhecidas como “outlaw country”, cujas figuras mais proeminentes são Johnny Cash – seu mentor, que abriu as portas de sua carreira– e Willie Nelson, que continua, aos 91 anos, tanto na música quanto em seus formidáveis esforços de apoio a fazendeiros e comunidades rurais.

O country também nutriu correntes que fluem no rock, folk e o chamado pop, e as canções de Kristofferson também são conhecidas por artistas de outros gêneros. Por exemplo, é a voz da grande roqueira Janis Joplin que para sempre consagra a canção de Kristofferson “Me and Bobbie McGee“.

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Algumas de suas canções menos famosas são importantes mais por sua expressão político-social do que por sua qualidade musical, como é o caso de seu álbum Repossessed, de 1986, e Guerrero del Tercer Mundo, lançado em 1990, que inclui músicas que abordam os movimentos de libertação em El Salvador, Nicarágua e África do Sul.

“Você não pode derrotá-lo, ele está lutando pela liberdade
Isso é tudo o que ele quer, isso é tudo o que ele precisa
Nunca poderá derrotá-lo com armas e dinheiro
Não há corrente tão forte como a vontade de ser livre”.

Em outra, conclui:

“E digo que até o dia em que libertarmos Mandela
Todo o mundo estará em cadeias.”

Em uma entrevista de 1991, perguntaram a Kristofferson como ele via a situação de seu país, e ele respondeu algo que certamente poderia repetir hoje: “além do fato de que me lembra o patriotismo coreografado de bandeiras tremulantes que tivemos na Alemanha nazista há meio século, o fato de que temos um sistema de partido único no controle dos três poderes do governo, e uma mídia de notícias… que está gerando propaganda para o governo que faria um nazista corar, além disso, estamos indo muito bem”.

Suas canções continuarão a ser cantadas, sua voz trará saudades mais que nunca. 

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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