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Lei da Anistia, história intensa e memória curta

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Dino Magnoni*

Dino MagnoniAté agora, a vida me ensinou que os mais novos vão repetir de modo pior, os hábitos dos mais velhos e a cultura autoritária e alienada que eles receberam durante a criação.

Henfil.
Henfil.

No dia 28 de agosto de 1979, o general João Baptista Figueiredo, último “presidente” da ditadura civil-militar divulgou no DOU / Diário Oficial da União, a Lei nº 6.683, que trata de anistia.

Já em seu Artigo 1º, a lei conhecida como Lei de Anistia enunciava de maneira direta: “É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”.

A Lei de Anistia foi fruto de uma longa luta dos mais diversos setores da sociedade brasileira contra o golpe civil-militar de 1964 e foi a primeira grande vitória das forças de oposição que conseguirão por fim ao longo período ditatorial, com a promulgação, em 5 de outubro de 1988, da nova Constituição Federal.

O Golpe Militar de primeiro de abril de 1964 encontrou, desde o início, resistência de grupos políticos e movimentos sociais que reivindicavam o retorno ao Estado de uma ordem democrática. A repressão foi direta e dura sobre o movimento operário, que reagiu ao golpe com greves e manifestações. O governo militar também respondeu às manifestações, com cassações de mandatos parlamentares e de direitos políticos, com demissões arbitrárias de servidores públicos, de professores, com as prisões de militantes políticos e sindicais.

Ziraldo
Ziraldo

Outra importante frente de resistência contra a ditadura foi a dos estudantes, que nos primeiros meses de 1968 lutaram contra a ditadura e as reformas educacionais, que resultariam na degradação atual do ensino público brasileiro. O principal estopim da luta estudantil teve início em 28 de março de 1968 no Rio de Janeiro, com a invasão policial ao restaurante escolar do Calabouço, que resultou no assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto, morto pelo tenente-comandante do batalhão motorizado da PM, com um tiro de pistola no coração. No dia seguinte, apesar das ameaças dos ditadores, 50 mil pessoas protestaram no centro do Rio de Janeiro contra o assassinato do estudante de 16 anos.

No entanto, a resposta popular mais contundente veio em 26 de junho de 1968: 100 mil pessoas caminharam por mais de sete horas, em uma passeata de protesto que reuniu mães, padres, estudantes, artistas e intelectuais contra a repressão, a censura e outros atos ditatoriais. Os jornais disseram que o movimento não registrou nenhum incidente distúrbio. A enorme concentração começou na Cinelândia às dez e meia da manhã e terminou na praça 15 de Novembro.

Em 13 de dezembro de 1968, foi decretado o Ato Institucional n° 5, que representou brutal radicalização da política repressiva dos militares. A forte censura dos meios de comunicação e as ações de vigilância e repressão social se intensificaram com o AI-5, mas não impediram que militantes políticos, sindicais, artistas, jornalistas, religiosos, juristas e organizações civis pelos direitos humanos fizessem constantes denúncias contra os militares, acusando perseguições, prisões, torturas e desaparecimento de pessoas.

anistia-restrita1Em um Congresso Nacional dominado pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA), que era o braço político da ditadura, os deputados e senadores do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) empenharam uma longa, árdua e arriscada luta pedindo a redemocratização do país e a anistia política dos perseguidos e exilados. Muitos “medebistas” eram históricos militantes de partidos cassados pelo golpe, que se abrigaram no MDB até ocorrer nos anos 1980, o fim do bipartidarismo.

Outro núcleo de resistência que ocorreu com mais intensidade entre 1965 e 1973, veio das guerrilhas urbanas e rurais, movimentos de resistência com orientação socialista. Também foi fundamental a luta da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e do proscrito movimento sindical, que travou no final dos anos 1970, intensa luta contra o modelo econômico e político dos governos militares.

A partir de 1975 ocorreram alguns eventos repressivos trágicos, que tiveram forte divulgação e mobilizaram a opinião pública nacional e internacional contra a ditadura brasileira. O mais emblemático foi o assassinato de Vladimir Herzog, diretor do Departamento de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo, no dia 25 de outubro de 1975, durante uma brutal sessão de eletrochoques, no DOI-CODI da capital paulista.

O ato ecumênico na Catedral da Sé, realizado no sétimo dia da morte de Vladimir Herzog foi a primeira grande manifestação pública de protesto contra a ditadura militar desde o AI-5. O ato reuniu milhares de pessoas dentro e fora da igreja, mesmo com intensa vigilância dos agentes de repressão.

diga-anistiaA publicação do Diário Oficial da União, que permitiu que tantos perseguidos pela Ditadura Militar pudessem sair da clandestinidade ou voltar do exílio, foi episódio decisivo para a redemocratização do Brasil, que ocorreria formalmente em 1985 com a derrota do candidato dos militares no Colégio eleitoral e depois a aprovação da Assembleia Nacional Constituinte e a elaboração da nova Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988.

Portanto, o dia 28 de agosto deveria ser um dia para ser relembrado em grandes reportagens, em matérias detalhadas, em depoimentos de personagens significativos da época; merecia até um pronunciamento em cadeia nacional. Deveria ser feriado, dia de celebração, de reflexão em escolas e instituições públicas.

No entanto, é motivo de manifestações isoladas de velhos militantes, de burocráticas notinhas de redação em veículos sem disposição para relembrar qualquer coisa cívica ou socialmente relevante. Enquanto isto, seguimos dizendo que as novas gerações não sabem de nada e não respeitam ninguém. Até agora, a vida me ensinou que os mais novos vão repetir de modo pior, os hábitos dos mais velhos e a cultura autoritária e alienada que eles receberam durante a criação.

*Dino Magnoni é jornalista e radialista, professor do curso de jornalismo da UNESP, campus de Bauru. Colabora com Diálogos do Sul.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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