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Lei da Anistia: Mobilizemo-nos para que as leis sejam ser respeitadas

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

Dalmo Dallari, da Comissão da Verdade da USP, foi quem com maior clareza interpretou a questão da Lei da Anistia. A Lei de 1979 não precisa ser mudada, asseverou o jurista. As leis precisam ser respeitadas, é o que vimos apregoando sempre.

Paulo Cannabrava Filho*
Paulo-Cannabrava1 (1)Com relação à Lei da Anistia, ela tem o reforço dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Tratados firmados pelo Executivo e referendados pelo Legislativo têm força de Lei e, portanto, precisam ser respeitados, obedecidos.
Dallari lembrou que de acordo com a Corte Interamericana, “anistia em causa própria não tem validade jurídica” e que “crimes de lesa humanidade não são anistiáveis”.
Nuremberg-Tribunal-1A Lei de 1979 foi feita e aprovada em plena ditadura cívico-militar  com o fim de proteger aqueles que estavam no poder e, exorbitando do poder,  atuaram com desumanidade. Se o direito internacional validasse essa tese, todos aqueles que foram levados ao Tribunal de Nuremberg estariam inocentados.
Tortura é considerada crime de lesa humanidade. Crime imprescritível. Tanto é assim que passados mais de 50 anos dos crimes praticados pelos nazistas, os criminosos desse tempo continuam a ser caçados, julgados e condenados.
Há que lembrar que aqueles que foram perseguidos pela ditadura, já foram punidos. Muitos após terem sido julgados, condenados e cumprido penas. Outros sofreram mesmo sem ser julgados. A Lei de Anistia tem como objetivo reparar esse dano ocasionado pelo Estado. Estado que tem como obrigação precípua a proteção de seus cidadãos e cidadãs.
Nada mais justo portanto, que o Estado democrático julgue aqueles que violaram as normas que fundam o Estado e os direitos humanos. O que a Justiça fez na Argentina é paradigmático, ao julgar, condenar e punir um algoz como o general Rafael Vilela. Exemplo que está sendo seguido pelo Uruguai, pelo Chile ao condenar Pinochet, pelo Peru ao condenar Fujimori.
Alguns membros da Comissão da Verdade se equivocam ao pensar que é necessário mudar a Lei da Anistia de 1979. Primeiro, pelas razões acima descritas. Segundo porque uma nova Lei ou mesmo uma modificação desta só poderia ser feita pelo Congresso Nacional, e esse Legislativo atual simplesmente não é confiável. Violadores históricos dos direitos humanos constituem a maioria e a maior força no Legislativo. Não fosse assim, já teríamos, por exemplo, desde há muito tempo uma verdadeira Reforma Agrária Aprovada. Não fosse assim, já teríamos a comunicação democratizada. Mas, fiquemos nestes exemplos.
Diante dessa realidade, a chamada sociedade civil, com aquilo que há de bom no Legislativo e no Judiciário, deveriam iniciar uma grande campanha para que as leis sejam cumpridas. A começar pela nossa Constituição, apelidada de Constituição Cidadã por ser uma das mais avançadas do mundo. Tal como a Bíblia ou o Corão são ensinados nas escolas religiosas, a Constituição deveria ser ensinada nas escolas republicanas desde as primeiras letras. Ser republicano é o mesmo que viver constitucionalmente, ou seja, em respeito as leis.
O monopólio midiático-familiar não existiria caso se respeitasse a Constituição de 1988. Não é preciso lei nova nem regulamentação para acabar com o monopólio da Globo. Basta aplicar a Constituição. Esta lá, no “Capítulo V – Da Comunicação Social – #  5o Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Teríamos uma comunicação mais ética se obedecidos fossem os preceitos constitucionais. Isso precisa ser dito a todas as vozes, alto e bom som em todos os lugares, e cobrado pela sociedade organizada.
Não precisamos de mais leis. As convenções e tratados internacionais firmados pelo Estado brasileiro garantem a legalidade para a criação de um sistema nacional de comunicação e a democratização dos meios de comunicação, bem como a participação da cidadania em conselhos deliberativos e propositivos para assegurar o cumprimento das normas.
Outra questão suscitada pela Comissão da Verdade (Comissões, na realidade, pois há nos estados, municípios e instituições) diz respeito à tortura, como se fosse prerrogativa exclusiva da ditadura cívico-militar instaurada em 1964. Apresentaram como surpresa o fato de que o Cenimar, o serviço de inteligência da Marinha, torturava prisioneiros nos idos de 1964, antes do AI-5 e da Oban.
É certo que o AI-5 e a Oban institucionalizaram a tortura como prática do Estado terrorista. Porém, não podemos perder de vista que a tortura não foi invenção dos militares golpistas e que tampouco foi abandonada, pois continua sendo prática comum nos porões da repressão policial.
Mas é certo também que a Marinha utilizava o chicote para disciplinar os marinheiros, prática que só foi abolida após a Revolta da Chibata liderada pelo marinheiro João Cândido, almirante negro, herói do povo brasileiro.
A tortura é uma velha instituição europeia que veio para a América Latina (e o Brasil é parte da América Latina) através da “Santa Inquisição” com a qual a Igreja de Roma pretendeu firmar sua hegemonia como parte do poder das cortes europeias no auge da expansão colonialista.
Visite-se o Museu da Inquisição no Palácio Episcopal de Lima, Peru, onde se vê instrumentos de tortura de empalidecer os parceiros de nossos Fleury, Ustra, nossos generais, almirantes e brigadeiros impunes.
A Corte, no Brasil Reino, já julgava, condenava ao martírio, ao degredo e até ao esquartejamento seus opositores. Nada diferente no Brasil Império ou no Brasil Republicano que mantiveram os mesmos métodos de martirizar e/ou exterminar seus adversários, para assegurar a hegemonia das elites e a submissão das massas populares. Nada diferente do que ocorreu em Canudos, no Condestado ou no Araguaia.
Se a sociedade brasileira não se empenhar em expor a verdade será o mesmo que escamotear a história. Estará contribuindo para que vigore a história do ponto de vista único dos vencedores, a dos falso heróis, a história que ignora o verdadeiro protagonista da história que é o povo.
São os movimentos populares e não a vontade de um indivíduo que tornam possíveis os avanços nos processos históricos. Os líderes verdadeiros são aqueles que melhor interpretam a vontade do povo no momento histórico e são capazes de ser seus porta-vozes, capazes de conduzi-lo. Quando se impõe a reação do conservadorismo, do imobilismo, impõe-se também a versão da história que nega o protagonismo transformador.
Diante de tudo isso, a sociedade tem que se manter mobilizada em defesa das instituições. Utilizar todos os meios possíveis e impossíveis para isso. E na democracia que queremos construir para as próximas gerações esses meios são: a conscientização permanente, a mobilização permanente, o alerta constante.
O 1o de Abril de 1964 está fresco na memória, bem como as décadas perdidas para o desenvolvimento. Isto certamente não teria ocorrido se a sociedade estivesse consciente do que realmente estava ocorrendo, ciente do significado das reformas que o governo legítimo e democrático de João Goulart pretendia. Impôs-se a mentira da mídia sobre a verdade dos fatos.
Tem razão o atual ministro da Justiça quando atribui  a onda de boatos sobre a extinção do Bolsa Família a “uma ação de muita sintonia em vários pontos do território nacional”.
De fato, não se pode descartar ter sido essa uma ação concertada de uma direita inconformada com a revelação das verdades e da evolução da consciência cidadã. Pode muito bem ser um balão de ensaio para coisas muito piores que estão sendo preparadas.
Boatos desse tipo desestabilizam governos, confundem a população. Trata-se de tática antiga de guerra psicológica. Boatos que geraram desabastecimento no Chile foram decisivos para desestabilizar o governo da Unidade Popular. A propagação da mentira foi utilizada para derrubar o governo trabalhista no Brasil. A mesma tática está sendo utilizada para desestabilizar o governo bolivariano na Venezuela.
Imagine-se o efeito de um boato sobre a quebra de um banco lançado nos moldes com que foi lançado o falso alarme sobre o Bolsa Família. Nenhum banco resistiria a corrida decorrente. Basta  recordar os efeitos em cascata provocados pela quebra das financeiras imobiliárias nos Estados Unidos. Os maiores bancos no mundo inteiro estão ainda com a corda no pescoço.
Na falta de um governo, e de meios de comunicação que advirtam a população sobre os riscos a que estamos sujeitos cabe à sociedade, através de suas organizações fazer este papel. Há que manter-se alerta. Há que mobilizar-se para preservar as instituições e garantir o futuro para as próximas gerações.
*Paulo Cannabrava Filho é jornalista, editor de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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