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Liberdade para o Sahara Ocidental

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Allan Patrick*

manifestacionPrimeiramente, agradeço o espaço oferecido para falar de uma das causas mais justas da história contemporânea, mas ao mesmo tempo quase desconhecida: o Sahara Ocidental, nação que é a última colônia do continente africano que ainda não alcançou a independência nem teve respeitado o seu direito à autodeterminação, por ter sido ocupada de maneira violenta pelo Marrocos.

Lembrando o Timor Leste

É mais fácil explicar a situação do Sahara Ocidental usando como exemplo o caso do Timor Leste. O Timor era uma colônia portuguesa no sudeste asiático invadida pela vizinha Indonésia no meio do processo de descolonização que estava sendo promovido por Portugal depois da Revolução dos Cravos.
Perante a comunidade e o direito internacional, a invasão indonésia foi ilegal e Portugal manteve postura ativa em todos os fóruns internacionais denunciando a invasão de “seu” território, ainda que apenas com o objetivo de logo em seguida fazer a transição para a administração própria dos timorenses.

A especificidade do Sahara Ocidental

saa mapa portCom o Sahara Ocidental aconteceu processo semelhante, com a diferença que a região era uma província da Espanha. Entretanto, ao contrário de Portugal, cuja mudança de regime fez o país se engajar no processo de descolonização, a Espanha vivia a decadência do regime totalitário franquista e a debilitação da saúde do ditador Franco, que viria a falecer no final de 1975.
Nesse contexto e contando Marrocos com o apoio velado dos Estados Unidos, a Espanha assinou em novembro de 1975 o Acordo de Madrid, por meio do qual, ao invés de conceder a independência ao Sahara, promoveu uma divisão dos recursos naturais do país com o Marrocos e a Mauritânia, que em seguida invadiram militarmente o país, dando início à guerra contra a frágil e incipiente resistência local organizada na Frente Polisário.
Mais tarde a Mauritânia desistiria do conflito, mas até hoje grande parte do país permanece ocupado pelo Marrocos.
Em troca de ter traído e abandonado seus cidadãos da Província do Sahara, a Espanha ganhou a sociedade na empresa que explora as reservas locais de fosfato (uma das maiores do planeta) e direitos de exploração de pesca na costa do país.
Na atualidade, o Marrocos oferece mais uma “utilidade” à Espanha e à União Europeia, fazendo o serviço sujo de evitar a passagem de migrantes africanos para a Europa, chegando até mesmo a reunir para depois abandonar no meio do deserto centenas de migrantes.

E as mulheres nessa história?

Aminatou Haidar Aminatou Haidar

Onde entram as mulheres nessa história do Sahara Ocidental?
Em 1991, a ONU conseguiu articular uma paz provisória no Sahara Ocidental sob a condição da realização em cinco anos de um referendo para que a população local decidisse, tal como ocorreu no Timor Leste, pela independência ou anexação ao Marrocos.
Desde então os enfrentamentos militares cessaram, mas nos últimos anos, em função do descaso com o prazo para realização do referendo (já estamos em 2016 e não há a menor perspectiva dele vir a ser realizado), tem crescido o movimento de resistência pacífica dos saharauis. E uma de suas principais lideranças é uma mulher: Aminatou Haidar.
Presa por vários anos e em diversas ocasiões, além de ter sido torturada, seu único crime foi posicionar-se publicamente em defesa da autodeterminação do seu povo.
Mulher independente e divorciada numa nação ocupada por um país machista e misógino, Aminatou já recebeu diversos prêmios internacionais de direitos humanos.
José Saramago, mesmo debilitado pela doença, fez questão de visitar e prestar sua solidariedade a Aminatou Haidar durante a greve de fome.
Ao retornar ao seu país depois de receber uma dessas premiações, foi barrada e deportada porque se recusou a declarar-se como marroquina no formulário cujo preenchimento as forças ocupantes exigem de toda pessoa que entra no Saara Ocidental. Ao pousar de volta na Espanha, deu início a uma greve de fome que durou mais de um mês e contou com o apoio de várias personalidades, incluindo três prêmios Nobel. Quando ao final foi autorizada a retornar à sua casa em El Aaiun, teve mais uma vez sua liberdade cerceada, sendo submetida à prisão domiciliar.
Além de Aminatou, as personalidades saharauis mais conhecidas internacionalmente também são mulheres, como a cantora Mariem Hassan, falecida em agosto do ano passado.
JULUD é uma música que Aziza Brahim compôs e interpreta em homenagem a sua mãe e à resistência do seu povo
Mais jovem e também extremamente popular é Aziza Brahim. Aziza nunca teve a oportunidade de viver no seu país, pois nasceu num campo de refugiados em Tinduf, na Argélia, para onde grande parte dos saharauis foram expulsos após a invasão marroquina.

Seis muros construídos pelo Marrocos

Vale lembrar do antigo Muro de Berlim e de como cada pessoa da Alemanha Oriental que morria tentando ultrapassá-lo se transformava em notícia explorada por toda grande imprensa. Hoje, os saharauís, que morrem ou são mutilados cotidianamente não são por causa de um muro, mas de sim de seis! construídos pelo Marrocos para impedi-los de retornar à suas terras. Apesar disso são tratados como seres invisíveis pela mídia internacional.
Como se não bastassem os muros, há quase 10 milhões de minas espalhadas pela região, totalizando cerca de 20 minas para cada habitante.

Violado o direito à autodeterminação e à descolonização

Em 2006, quando no Conselho de Segurança da ONU se tentou articular uma Resolução condenando o Marrocos pelo impasse na não realização do referendo de autodeterminação, a França veio em socorro do Marrocos ameaçando usar o seu poder de veto.
O direito à autodeterminação e à descolonização do Saara Ocidental é reconhecido por unanimidade entre as nações africanas, tanto é assim que o Marrocos é o único país a não fazer parte da União Africana justamente por essa razão: ocupar ilegalmente outra nação do continente. Nelson Mandela discursou na ONU em mais de uma ocasião em defesa da causa saharaui.

E o Brasil nessa história?

Apesar da terrível situação do Saara Ocidental, o Brasil é o maior importador mundial de fosfato do Saara Ocidental, o principal recurso mineral do país ocupado e cujos lucros sobre as vendas são apropriados pela nação ocupante, o Marrocos.
O fosfato é um importante componente para a produção de fertilizantes e o modelo de agronegócio intensivo estabelecido no Brasil o torna extremamente dependentes (70% do fosfato vendido no Brasil é importado) não só de agrotóxicos mas também de outros produtos químicos para manter a elevada escala de produção.
A estatal marroquina OCP (que explora o fosfato) em parceria com a companhia norueguesa Yara, dividem os investimentos na distribuição do fosfato saharaui no Brasil.
O Brasil, a Argentina e o Chile são os únicos países da América Latina que não reconheceram a República Árabe Saharaui Democrática.

O que fazer?

Para mudar essa situação há que primeiro, levar às pessoas o conhecimento sobre a situação do Saara Ocidental, uma causa bastante desconhecida na Nossa América. No Brasil essa é a condição sine qua non a partir da qual se pode começar a fazer parte da solução desse problema.
Se você tem espaço para tanto, convide um representante da Frente Polisário ou do Sahara Ocidental para falar em sua universidade ou sindicato.
Entre em contato com sua ou seu parlamentar no Congresso Nacional e peça seu apoio ao reconhecimento pelo Brasil dessa nação africana. Em 2015 houve uma audiência pública sobre o tema na Câmara dos Deputados.
Por último, você pode fazer algo tão simples como assinar uma petição pública para que o Brasil reconheça o Saara Ocidental. Para mim, o ideal seria que o Brasil pague royalties pelo minério extraído do Saara para tratar os mutilados pelas minas e para dar dignidade aos que vivem em campos de refugiados.

Sugestão de leitura

Em português, uma das melhores fontes de informação é o blog da Associação de Amizade Portugal – Sahara Ocidental.
O Le Monde Diplomatique Brasil publicou uma interessante matéria sobre quem se apropria dos recursos econômicos do Sahara Ocidental.
Vamos nos envolver nesta causa que é de todos que lutam pela liberdade.
*Servidor público e sindicalista em Natal, Rio Grande do Norte, colabora com Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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