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Lições da história: "a democracia deve ser destruída por suas próprias forças", Adolf Hitler

Todo regime totalitário advém de um colapso político, mas para que se verifique um colapso é preciso que a insegurança geral assuma as formas do desespero
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Goebbels, em 1935: “Sempre declaramos que nos serviríamos dos meios democráticos para conquistar o poder e que, uma vez no poder, negaríamos aos nossos inimigos todas as possibilidades que nos foram concedidas enquanto éramos oposição.”

As eleições na democracia alemã de 1932 transformaram os nazistas, com 37% dos votos, no maior partido político do Parlamento da Alemanha. Em 1933, após o incêndio criminoso do Reichstag, todos os partidos políticos foram extintos, com exceção do Nazista e, em 1934, com a morte do velho presidente Hindenburg, Hitler proclamou-se Reichspräsident e Reichskanzler, do por ele criado III Führer.

Hitler também escreveu que o êxito do nacional-socialismo dependera em grande parte da estupidez dos adversários. Quando tudo estava em suas mãos, exército, polícia, burocracia, bancos, maioria parlamentar, a grande imprensa, não souberam se servir deles. Ao contrário do Nazismo, que, servindo-se de todos eles, desestruturou-os, deles se apossou, destruiu-os.

De modo geral, todos os políticos mais afortunados são gênios oportunistas, assim como, toda ditadura é um regime em que os homens dos rebanhos repetem citações ao invés de pensarem. “Aliás, o termo ditadura deriva do termo ditar, o que é também um exercício escolar, com a agravante que a ditadura só tem uma classe e os erros de ortografia são castigados por suas leis” (I. Silano).

Todo regime totalitário advém de um colapso político, mas para que se verifique um colapso é preciso que a insegurança geral assuma as formas do desespero e em que a ditadura seja invocada até por muitos dos seus antigos adversários.

Tanto a Itália nos fins de 1922, como a Alemanha de 1933, a crise política poderia ter sido resolvida de várias maneiras, mas de todos os modos, a conquista do poder pelos comunistas já não estava entre elas, embora tanto o fascismo quanto o nazismo tenham nascido precisamente da derrota socialista.

Na desordem do pós-guerra, o socialismo tanto na Alemanha quanto na Itália, parecia às massas populares como a única força capaz de satisfazer suas aspirações e conferir uma nova ordem social. Por seu lado, o campo progressista estava espiritualmente dividido entre uma corrente revolucionária que alvejava, pelo menos na palavra, a expropriação das classes proprietárias e a instalação da ditadura do proletariado e, numa corrente reformista que aspirava a um melhoramento gradual e pacífico das condições dos trabalhadores.

Na Itália, às duas correntes terminaram por se neutralizarem. Já na Alemanha, os socialdemocratas que contribuíram decisivamente para impedir a vitória do movimento espartaquista*, que buscava trilhar o mesmo caminho revolucionário da Rússia, não empreenderam absolutamente nada de sério e nem ousado para pelo menos democratizar radicalmente o país. 

Todo regime totalitário advém de um colapso político, mas para que se verifique um colapso é preciso que a insegurança geral assuma as formas do desespero

Wikipedia
P incêndio criminoso do Reichstag

É sabido que nunca uma conjuntura revolucionária durou muitos anos, e se o partido revolucionário não tira rapidamente proveito desta, as massas desiludidas revoltam-se contra ele e/ou restabelecem o antigo poder, ou aceitam passivamente o partido contrário.

Na Itália, no pós-guerra imediato dos anos 1918 e 1919, o movimento dos trabalhadores crescera enormemente e a inversão da situação verificou-se após à ocupação das fábricas, principalmente na região norte, a mais industrializada. A evacuação do movimento quebrou o ímpeto dos operários e os desmoralizou, assim como ao partido em que eles haviam depositado suas esperanças.

Já o socialismo alemão e o maior partido socialdemocrata do mundo ocidental, mantiveram a possibilidade de uma intervenção decisiva na reorganização do país até 1923, mas com o massacre dos espartaquistas*, terminou por capitular sem luta.

A classe operária alemã e a italiana tiveram por isto que serem os anteparos dos primeiros e violentos ataques do fascismo, justamente quando suas organizações estavam num desordenado movimento de retirada e tinham abandonado as posições avançadas ocupadas às pressas, mais de surpresa que na força, logo nos primeiros meses pós-armistício. 

Então a nova situação logo foi utilizada pelos grupos capitalistas para imputar às massas a maior parte da culpa pelo mal-estar financeiro e econômico que abrangia a todos. E uma vez anulado o perigo revolucionário por deficiências internas do socialismo e antes mesmo que o fascismo representasse uma força política, a burguesia apoiou Mussolini e Hitler a fim de transformar o recuo das organizações operárias em derrotas e, principalmente, abrir fendas no tão difícil reformismo social.

No caso da Itália, não restam dúvidas que o fascismo nasceu e se desenvolveu mais como reação ao reformismo social do que ao socialismo revolucionário comunista. Os cidadãos ricos, os comerciantes, pequenos industriais que em 1921 tinham aderido aos “fasci” de Mussolini, tinham-no feito para combater as incômodas instituições reformistas que haviam reduzido o lucro de suas empresas. Contra os revolucionários de letras e de garganta, a burguesia se sentia confortável com as leis e as cadeias do Estado para se proteger, mas para o reformismo pacífico e legalista, precisava dos bandos terroristas quebrando aquela legalidade que já não se sentia defendida.

A violência fascista também envolveu sucessivamente os socialistas revolucionários e os comunistas na altura em que estes, perdidas as esperanças de uma revolução imediata e para não se deixarem isolar das massas, assumiram a defesa das condições materiais de vida dos operários e aplicaram na luta pelos salários um espírito combativo, que perturbava os cálculos oportunistas dos próprios dirigentes reformistas, aterrorizados com o ataque fascista e dispostos a concluir com estes um pacto de pacificação. 

Mas nunca nos deveremos esquecer uma verdade inicial: o fascismo foi uma contrarrevolução de uma revolução que não ocorreu. Nos dias de hoje, o fascismo tenta destruir a combalida democracia do Brasil após um projeto reformista de pequeno alcance capitaneado por um enfraquecido Partido dos Trabalhadores, sem que jamais projeto algum revolucionário tenha-se desenhado! 

A primeira condição para que um sistema totalitário se instale é a paralisia do estado democrático, isto é, uma discordância irredutível entre o velho sistema político e a vida social radicalmente modificada; a segunda condição é que o colapso do estado favoreça, sobretudo, o partido que chegue às grandes massas como o único capaz de criar uma nova ordem. 

Existe aqui uma observação a ser feita: talvez este grupo fascista não se mostre preparado, e que neste despreparo, contribua para aumentar a desordem existente, frustrando as esperanças nele também depositadas. Neste caso, a tentativa da implantação da ditadura é abortada! Nos perguntamos: seria o caso do Brasil do século XXI?

O ponto mais alto da arte de governar para os democratas em crise parece consistir em aceitar bofetadas para não levar pontapés. Em suportar o mal menor, em imaginar constantemente novos compromissos para atenuar os contrastes e tentar conciliar o inconciliável. Os adversários da democracia aproveitam-se disso e tornam-se mais e mais insolentes, conspiram à luz do dia, organizam depósitos de armas, fazem desfilar seus acólitos pelas ruas em formação paramilitar, agridem fisicamente tanto representantes de uma imprensa que permaneça independente, quanto os dirigentes democráticos mais odiados. No século XXI, através da mídia alternativa instalam seus “Gabinetes de Ódio”, no Brasil sob o comando direto ou indireto do próprio Presidente da República!

Setores do governo, do judiciário ou do parlamento, “pensando bem as palavras para não agravar a situação” deploram os fatos e esperam que os ataques não tenham sido premeditados, dirigindo um atormentado apelo para que a serenidade e a concordância, e independência dos poderes volte aos espíritos. O importante, segundo os chefes democratas é evitar palavras e disposições que possam irritar os facciosos e agravar a situação. 

Se a polícia descobre que há chefes políticos e militares envolvidos com a organização golpista e que colaboraram diretamente na constituição de milícias e depósitos de armas, o governo talvez ouse prender um ou outro dos degraus inferiores. Nunca os próprios chefes, pois isto poderia precipitar a catástrofe. Isto porque os democratas normalmente têm a ilusão de ganhar tempo praticando a política do avestruz.

Foi assim que a jovem República Espanhola, nos anos 1930, perdoou o levante militar comandado pelo general José Sanjurjo e manteve os generais monárquicos à cabeça do Exército, mesmo quando todos sabiam que eles preparavam um golpe de estado.

Da mesma maneira, tão pouco Mussolini foi alguma vez responsabilizado pelas violências que os fascistas perpetravam no país por sua ordem. Os generais e oficiais inscritos nos “fasci” foram conservados pela democracia nos quadros militares. 

E o mesmo sucedeu na Alemanha, onde para contribuir para o apaziguamento dos ânimos, a República alemã indultou o general Ludendorff depois que falhou a tentativa de golpe de von Kapp, no início da República de Weimar, em março de 1920. 

Não chegou nem mesmo a processar os chefes da organização terrorista “Cônsul” que haviam dado a ordem para o assassinato dos Ministros de Estado Rathenau e Ersberger, em 1922, ainda que não houvesse qualquer dúvida acerca da responsabilidade e da identidade dos mandantes, dentre eles o barão Killinger e o duque von Coburg, este último presidente da Cruz Vermelha alemã.

Em 1923, Hitler realizaria uma tentativa de tomada do poder em Munique, a capital da Baviera. Seu objetivo era imitar a famosa “Marcha sobre Roma” de Mussolini, com uma “Marcha sobre Berlim”, mas o golpe falhou e tornou-se conhecido pelo nome de “Putsch da Cervejaria”. De manhã, enquanto os nazistas marchavam da cervejaria até à sede do Ministério de Guerra Bávaro, para derrubar o que consideravam ser o governo traidor da Baviera, o exército procedeu à sua dispersão. Ludendorff ficou ferido e vários nazistas, mortos. 

Hitler fugiu e pensou dizia, seriamente, em suicidar-se. Foi, então, preso por alta traição. Ao contrário do que ele mesmo poderia prever, encontrou na prisão um ambiente receptivo às suas ideias. O julgamento, em abril de 1924, condenou-o a cinco anos de prisão, mas o futuro ditador permaneceu apenas nove meses preso. Foi quando decidiu trilhar seu caminho ao poder pelo voto popular.

 “A democracia é, na melhor das hipóteses, um meio para paralisar o inimigo”, escreveu Hitler em Mein Kampf, na prisão. 

Ninguém pareceu ouvi-lo.

A verdade é que uma classe política envelhecida adquire todos os sinais da decrepitude, principalmente a surdez.

 

*Os Espartaquistas: Em 1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, os dois mais importantes líderes do Partido Espartaquista da esquerda revolucionária, foram assassinados brutalmente, após deixarem uma delegacia onde haviam prestado depoimento. Os assassinos foram milicianos de extrema-direita, que receberam do governo socialdemocrata carta branca para agir.

Carlos Russo Jr, colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul


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Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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