Pesquisar
Pesquisar

Macarena: a migrante nos EUA que lutou para realizar Festa de 15 anos da filha em Honduras

Dos EUA, Macarena providenciou tudo: caixas de licor, toalhas de mesa, guardanapos, pratos, talheres, o vestido da filha e até mesmo os trajes da família
Ilka Oliva Corado
Diálogos do Sul
Território Estadunidense

Tradução:

À noite celebrarão os 15 anos de sua filha mais velha, a emoção não a deixou pregar o olho na última semana. Macarena trabalhou horas extras durante um ano para poder juntar para os gastos da festa. Por videochamada esteve presente em todo o processo, desde a reunião familiar de planejamento na qual estiveram avós, tios, sobrinhos e amigos próximos, até os últimos ajustes nos quais ela teve a última palavra. 

Macarena quer que a festa de sua filha seja recordada em todo o povoado, é a forma que encontrou de abraçá-la o mais forte possível desde a lonjura que tem o Norte até seu povoado natal em Candelaria, Lempira, Honduras, e também para demonstrar aos que a criticaram por ser mãe solteira que sua filha podia ter uma festa de luxo sem necessidade de um papai. 

Assim foi comprando duas vacas, três marranos, uma cabra e uma dúzia de patos para a festa. Dos Estados Unidos enviou por encomenda caixas de licor, toalhas de mesa, guardanapos, pratos e talheres descartáveis, o vestido e os trajes para a família. Macarena se encarregou de tudo, até com os pagamentos do taxi que levou sua família a cambiar as remessas para o aluguel do salão. 

São sete da manhã e Macarena já carregou oito vezes o saco com cinquenta libres de maçãs. A escada é sua eterna companheira, sobe e desce os três metros de altura para alcançar as frutas que estão nos últimos ramos das árvores. Lhe pagam trinta dólares por cada novecentas libras entregues. As costas estão destruídas, com uma hérnia de disco, e as mãos cheias de artrite porque, não importa o clima, as maçãs têm que ser cortadas.

Dos EUA, Macarena providenciou tudo: caixas de licor, toalhas de mesa, guardanapos, pratos, talheres, o vestido da filha e até mesmo os trajes da família

Mark Neal – Pexels
Macarena pensa desfrutar a festa ao máximo e quer ver como vão os invejosos do povoado à festa de sua filha

Macarena, como a maioria dos migrantes indocumentados que trabalham no campo de maçãs em Nova York, desconhecem o centro da cidade, porque trabalham de segunda a domingo, mas também porque sair para passear é um luxo que poucos se podem dar, um gasto extra de passagem em trem ou ônibus lhes desajustas as remessas.

E o principal inimigo dos indocumentados no país: o medo a uma deportação. Por isso Macarena prefere pagar a uma companheira de trabalho que a recolha e a deixe de volta, assim não viaja em transporte público. Mas sabe perfeitamente que uma redada nos campos de cultivo faria da deportação algo inevitável. Com treze anos vivendo nos Estados Unidos, algo aprendeu para a sobrevivência diária. Coçar-se com suas próprias unhas, aprendeu quando era criança em seu povoado natal. 

Assista na TV Diálogos do Sul

A cada dia fica trabalhando três horas extras. Embora não estará presente na festa de sua filha, estará em vídeo chamada, por isso hoje não trabalhará as horas extras e pediu licença para sair cedo, apesar de que a falta do dinheiro dessas horas lhe desajustará o pagamento da luz e do telefone. Tem que ir ao salão de beleza para que lhe pintem o cabelo e lhe façam um penteado. O vestido comprou em uma loja de segunda mão e o mandou a uma lavanderia, o deixaram límpido. No apartamento que compartilha com nove migrantes mais, já arranjou um canto para sentar-se com suas companheiras de moradia e desfrutar da festa.  

Todas compraram os apitos e os piquetes para estarem em sintonia. Macarena pensa desfrutar a festa ao máximo e quer ver como vão os invejosos do povoado à festa de sua filha. Que comam até empanturrar-se e bebam até perder o sentido, para que se recordem durante muitos anos da festa de quinze anos de uma das filhas da Macarena, a que limpava os banheiros do terminal de ônibus no povoado.

No outro ano será a festa de sua segunda filha, ela insiste em fazer-lhe festa, mas a menina quer que guarde o dinheiro para pagar a um coiote que a leve a Nova York, para abraçar sua mãe em pessoa e trabalhar com ela nos campos de maçã. 

Ilka Oliva Corado | Colaboradora da Diálogos do Sul em território estadunidense.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul


Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Ilka Oliva Corado Nasceu em Comapa, Jutiapa, Guatemala. É imigrante indocumentada em Chicago com mestrado em discriminação e racismo, é escritora e poetisa

LEIA tAMBÉM

Questão-racial-Brasil (1)
Lima Barreto, 13 de maio e a questão racial no Brasil
ASTROJILDOPEREIRA-MGLIMA-2023-OK
O marxismo de Astrojildo Pereira, fundador do Partido Comunista do Brasil (PCB)
Hipátia de Alexandria
O assassinato de Hipátia de Alexandria, a mulher filósofa
Karl Marx (2)
Homem do Milênio, Karl Marx vive na memória de milhões em todo mundo