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Macri e o empréstimo no FMI: refém dos EUA, Argentina tem uma faca sob o pescoço

País sul-americano é alvo de fortes pressões para bloquear investimentos chineses que a Casa Branca não está disposta a suplantar
Luis Bruschtein
Resumen LatinoAmericano
Buenos Aires

Tradução:

Temos visitas: Argentina presta contas a cada 3 meses 

Viagens a Washington a cada três meses e visitas de legisladores, militares e altos funcionários dos Estados Unidos a Buenos Aires. Lula criticou o FMI e disse, no último dia 13, que nenhum governo pode governar com uma faca no pescoço:

“Nenhum governante pode governar com uma faca na garganta”. A declaração, que referia-se à relação do FMI com a Argentina, foi feita durante a posse de Dilma Rousseff como presidente do Banco de Desenvolvimento criado pelos BRICS.

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Mauricio Macri deixou o país à beira do abismo e a cada três meses o ministro da Economia deve prestar contas para que os Estados Unidos adiem o prazo da execução. Em pleno cenário eleitoral renovam-se as viagens a Washington e a chegada de delegações norte-americanas, como a que circula nestes dias, integrada por senadores republicanos e democratas e as visitas realizadas pela chefe do comando sul das Forças Armadas norte-americanas, Laura Richardson e a número dois do Departamento de Estado, Wendy Sherman.

Mergulhada em uma crise produzida pela enorme dívida que o ex-presidente Mauricio Macri implorou ao FMI – para não perder as eleições que perdeu – e que lhe concedeu o ex-presidente norte-americano Donald Trump – para garantir o controle sobre a Argentina caso Macri perdesse –, agora o país se tornou o alvo de fortes pressões para bloquear investimentos chineses que os Estados Unidos não estão dispostos a suplantar.

Na Argentina, general dos EUA se reúne com militar que tramou invasão à Venezuela

Não é necessário fazer um relato das relações, desde a primeira invasão das Ilhas Malvinas pela fragata norte-americana Lexington, em dezembro de 1831 – que derivou finalmente na ocupação britânica de 1833 –, até esta dívida – jugo que obriga a controles periódicos sobre decisões soberanas e pressiona os governos afetando subsídios, emprego, salários e aposentadorias.

Não é necessário tampouco um alinhamento por posições ideológicas. Não se trata de atacar ou defender o “Ocidente cristão”, como diziam as ditaduras, nem estar de acordo com os regimes da Rússia ou da China. A verdade é que é impossível recordar uma ação amigável dos Estados Unidos para com a Argentina.

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Sem recorrer à questão ideológica, sem recordar as relações históricas entre os dois países, os Estados Unidos são o principal responsável (não o único) pela crise atual de inflação e empobrecimento. Não é o único, porque além deles existem os responsáveis locais, como Mauricio Macri e seus amigos que captaram estes dólares.

País sul-americano é alvo de fortes pressões para bloquear investimentos chineses que a Casa Branca não está disposta a suplantar

Flickr
Faca que os Estados Unidos mantêm no pescoço dos argentinos foi dada por Mauricio Macri




Empréstimo irregular e suas consequências

O empréstimo, irregular pelo montante monumental, foi imposto por Trump ao FMI. E quando mudou o regime e Biden assumiu, ainda que lamentando as irregularidades, em vez de aceitar um acordo que permitisse à Argentina recompor-se, apertaram as cláusulas de controle. E agora é preciso prestar contas a cada três meses com metas impossíveis em meio a secas e guerras mundiais. Como o réu a quem postergam a execução a cada três meses, aqui, cada adiamento – mais condicionado que o anterior – é apresentado como um ato de “amizade”.

Cartazes como este foram colados em várias ruas de Buenos Aires «recebendo» a chefe militar do Comando Sul.

Os Estados Unidos não são o principal sócio comercial da Argentina. É o terceiro, atrás do Brasil e da China. A economia argentina está mais ligada a estes dois países do que a Washington. Mas a China é o principal sócio comercial do Brasil. E a Rússia é o principal fornecedor do agro brasileiro. 85% dos fertilizantes de que o Brasil necessita vem deste país. Não há setor mais atrasado na política brasileira do que o dispositivo da soja, que depende tanto dos russos. Esta foi a razão pela qual Jair Bolsonaro cuidou de manter a neutralidade no conflito russo-ucraniano apesar das pressões de Washington.


Lula na China

O presidente Lula esteve há uma semana em Shangai, na posse de Dilma Rousseff como presidente do Banco dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ao qual a Argentina se integrará nos próximos meses se não ocorrer nada neste período.

“Não se pode estar asfixiando os países como está fazendo agora o FMI com a Argentina e como faziam com o Brasil e outros países”, afirmou Lula, que também defendeu o comércio e o financiamento em moedas locais sem o uso do dólar, reivindicando o novo banco como forma de independizar-se das “amarras” dos organismos de financiamento tradicionais, referindo-se ao FMI e ao Banco Mundial. “Nenhum governante pode governar com uma faca na garganta pelo fato do país ser um devedor”, acrescentou.

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O novo Banco destas grandes economias tem um fundo inicial de cem bilhões de dólares. A cifra serve para compará-la com os 55 bilhões de dólares que o FMI cedeu a Mauricio Macri. É uma cifra absurda de tão imensa, concedida a um só país e que se volatilizou sem deixar uma única obra. Não é uma fantasia como os dois PBI “que o kirchnerismo roubou”. Os pagamentos são concretos e os controles também. Não é preciso fazer nenhum poço na Patagônia para buscá-los.


Integração da Argentina aos BRICS

A Argentina deveria integrar-se ao Brics (que se transformariam em BRICSA) na reunião que se realizará em agosto deste ano na África do Sul. Mas as delegações dos Estados Unidos que, de repente, descobriram a Argentina, mais os condicionamentos que impõe Washington para cada perdão de metas, vêm acompanhados por imposições para que a Argentina bloqueie os negócios pactados com a China, desde Atucha III, até a compra de aviões de combate.

Mas os Estados Unidos não estão dispostos a financiar a megaobra de Atucha, e os chineses sim. E os aviões que a Argentina pode comprar de potências da Otan não podem ter radares de última geração, porque a Grã Bretanha impede. Seriam aviões cegos para a defesa. Em troca os aviões chineses são mais baratos e têm todos os instrumentos de última geração.

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Não se trata de buscar inimigos nem de tomar partido, a não ser em defesa dos próprios interesses. Salvo com as ditaduras, ou com governos neoliberais, como o menemismo, a Argentina manteve uma política exterior de paz, ou seja, de neutralidade nos conflitos que criam as potências.


Mais aperto

Washington só oferece apertar mais a faca. E o pior é que a faca que os Estados Unidos mantêm no pescoço dos argentinos foi dada por Mauricio Macri quando governou com o Juntos pela Mudança. As pressões cada vez mais fortes de Washington ocorrem em um momento de eleições, das quais o governo da Frente de Todos se aproxima em um cenário desfavorável devido à alta inflação que não conseguiu dirimir e aos controles permanentes pela dívida.

O paradoxo é que, cansados com o impacto da inflação e outros problemas não resolvidos, muitos cidadãos pensam que é melhor alguém por conhecer do que os maus conhecidos. E, sem ver os fios que se movem atrás dos personagens, põem sua esperança em figuras como Javier Milei ou Patricia Bullrich, os candidatos do mesmo que pôs a faca que agora está no pescoço desses cidadãos que vão eleger seus verdugos.

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Noam Chomsky reafirmou ontem que “a ordem internacional está mudando de um modelo com preponderância dos Estados Unidos para um sistema multipolar mais diverso”, onde já não haverá um único país que domine o funcionamento de alguns âmbitos em todo o planeta. “No sistema mundial emergente, a América Latina tem a oportunidad de libertar-se de estar demasiadamente perto dos Estados Unidos, como ocorreu historicamente”, disse Chomsky.

A pesar de haver um setor da sociedade que os percebe como “o novo”, a Argentina nunca poderá aproveitar este momento de mudança planetária com personagens como Milei ou Bullrich que, por convicção ou oportunismo, representam o velho mundo.

Luis Bruschtein | Resumen Latinoamericano
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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